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Para atender às demandas da nova geração de alunos que habitam as salas de aula, especialistas apontam a urgente necessidade de revisão dos currículos dos cursos de formação de professores por Amanda Cieglinski A escola do futuro já é uma realidade presente dentro das salas […]

Publicado em 27/03/2013

por Redação Ensino Superior

Para atender às demandas da nova geração de alunos que habitam as salas de aula, especialistas apontam a urgente necessidade de revisão dos currículos dos cursos de formação de professores

por Amanda Cieglinski

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A escola do futuro já é uma realidade presente dentro das salas de aula trazida especialmente pelas mãos dos alunos. Ensinar a nova geração nascida na era digital – do acesso fácil à internet, da popularização de dispositivos móveis e da proliferação das redes sociais – é um desafio permanente das escolas atuais que, embora de forma tímida, começam a se reinventar para atender às novas demandas educacionais. Há tempos as escolas particulares buscam incorporar o uso de novas tecnologias no ensino e mesmo na rede pública os tablets começam a chegar às salas de aula, enquanto a internet já é uma realidade na maioria delas.

Na outra ponta, os cursos para a formação de professores ainda patinam na tarefa de formar um educador capaz de responder aos desafios atuais da educação básica brasileira. A Ensino Superior ouviu especialistas, instituições de ensino e pesquisadores e o diagnóstico é unânime: os currículos das graduações de pedagogia e licenciaturas são muito teóricos e pouco práticos. O diferencial de quem acerta na preparação dos professores do futuro é saber aproximar a formação da realidade da escola.

Foco descolado
Uma pesquisa elaborada pela professora Bernardete Gatti, coordenadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas, aponta um sintoma grave. Após analisar cerca de 1,5 mil ementas de currículos de cursos de pedagogia e licenciaturas, constatou que a palavra “escola” apareceu em apenas 8% delas. Segundo o estudo, isso leva a pensar em uma “formação de caráter mais abstrato e pouco integrado ao contexto concreto onde o profissional vai atuar”.

“É como se um curso de medicina não mencionasse a palavra hospital”, compara Bernardete, uma das principais estudiosas do tema da formação de professores no Brasil. Ela aponta que os currículos dos cursos de formação de professores, com raras exceções, são pouco inovadores e focados de forma excessiva na teoria dos grandes pensadores, sem trabalhar de forma eficiente as problemáticas que o aluno futuro-professor irá encontrar na sala de aula.

Os dados do último Censo da Educação Básica apontam que dos 50 milhões de alunos da etapa, 85% estão na rede pública. É, portanto, para atender a esse perfil de público que os cursos de formação devem preparar os futuros profissionais.

Enquanto isso, a falta de conhecimento a respeito da realidade de uma escola é apontada por Cleuza Repulho, secretária de Educação de São Bernardo do Campo e presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), como a principal lacuna com a qual as redes de ensino se deparam quando recebem um profissional para integrar seus quadros. “A formação tem vários problemas, mas o principal seria a falta de conhecimento de como é a escola pública, de quem é o aluno, de onde ele vem e quais são suas necessidades. E, principalmente, como lidar com a diversidade no dia a dia”, aponta.

Mozart Neves Ramos, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e do movimento Todos pela Educação, defende que os conteúdos curriculares dos cursos de formação precisam ser alterados. “O gargalo do currículo nas licenciaturas é que são muito teóricos e pouco práticos. O aluno passa pelo ensino superior sem ter tido prática de ensino. É muita normatização, muita filosofia que o professor não vai aplicar”, defende.

Desvalorização x demanda
Outra crítica desferida pelos especialistas diz respeito à baixa valorização da formação de professores dentro das próprias instituições de ensino. Não apenas os cursos de pedagogia e licenciatura parecem ter se distanciado do seu principal objeto de estudo – a escola –, mas a universidade como um todo não se dedica à educação básica com a urgência e a intensidade necessárias. De acordo com Ramos, as licenciaturas são vistas como curso de “segunda categoria”.

Além de conselheiro do CNE e forte
atuante no movimento para a promoção do desenvolvimento da educação no país, Ramos é professor do curso de física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e lida cotidianamente com as dificuldades da formação inicial. Ele lamenta que os projetos ligados à educação básica não tenham a mesma intensidade que a contribuição das instituições de ensino superior na área da pesquisa e da inovação. “A formação inicial não cuida dos estágios, a universidade perdeu o DNA da educação básica. É fundamental que elas coloquem as licenciaturas na sua agenda de prioridades”, defende Ramos.

Para Francisco Aparecido Cordão, conselheiro da Câmara de Educação Básica do CNE, as licenciaturas também ocupam um status inferior na hierarquia do ensino superior. “Os melhores docentes vão para o bacharelado, para a pesquisa e não para a formação de professores. A universidade está muito fechada nos seus muros e não se abre para a escola pública”, acrescenta.

Se as instituições de ensino não enxergam os cursos de formação como “prata da casa”, o fluxo das matrículas indica um movimento contrário. Apesar da desvalorização da carreira e do aparente desinteresse dos jovens pelo magistério, os cursos superiores na área da educação sempre figuram na lista dos campeões de alunos. Em 2011 eram mais de 1,3 milhão de matrículas nos cursos da área de educação. É o maior contingente de alunos em relação às outras grandes áreas como saúde; serviços; engenharias; computação; e humanidades. Só compete com a área de formação de professores o grupo dos cursos de administração, com 1,2 milhão de matrículas.

Na opinião da pesquisadora Bernardete Gatti, o modelo de organização das licenciaturas no Brasil está muito ultrapassado e inovações na estrutura dos currículos são urgentes. Nesse sentido, as instituições de ensino que valorizam as licenciaturas e a pedagogia têm potencial para se destacar entre os 1.277 estabelecimentos de ensino que oferecem cursos na área de educação.

“Temos um modelo de formação de professores que já está muito superado no mundo inteiro e a origem do problema é que nunca encaramos de fato o curso de licenciatura como independente do bacharelado. Essa distinção é muito importante de se fazer”, aponta.

Resgate da didática
Em 1996, a partir da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a criação da exigência da formação em nível superior para lecionar, os antigos cursos normais para formação de professores da educação infantil e ensino fundamental começaram a ser substituídos pelos cursos de pedagogia até saírem de cena em 2006. Essa transição entre os dois modelos deixou então algumas lacunas na formação.

“Os cursos que entendiam de didática, alfabetização e práticas estavam mais na Escola Normal de ensino médio, enquanto a pedagogia se preocupava em avançar os conhecimentos, dar os fundamentos da aprendizagem. O papel da pedagogia mudou e muitos cursos não de adaptaram a isso”, destaca Bernardete. A pesquisadora aponta que em outros países existe uma preocupação com a pesquisa didática, ou seja, a investigação de novas formas de potencializar a aprendizagem, missão pouco executada no Brasil.

“Nós deixamos a didática porque houve um período em que confundimos didática com tecnicismo. Mas a técnica é muito importante também. Assim como existe a técnica para usar um bisturi numa cirurgia, há técnica para desenvolver a alfabetização numa classe de 35 alunos”, compara.

Bernardete recomenda que as instituições de ensino coloquem a pesquisa didática no mesmo patamar da pesquisa científica. “Na França, Holanda, Coreia, Bélgica, os institutos de formação de professor colocam em destaque a investigação do aluno, estão preocupados em como maximizar a aprendizagem do aluno”, aponta.

Enquanto a tarefa de formar professores engajados patina para dar conta das novas demandas das escolas e da nova geração de alunos, o trabalho desenvolvido por algumas instituições, que se dedicam exclusivamente a essa missão, ganha destaque no enfrentamento dos desafios reais das salas de aula. Um exemplo disso é o Instituto Singularidade, que há mais de dez anos começou oferecendo o antigo curso normal e, ao longo do tempo, foi se adaptando às diversas alterações na legislação promovidas pelo Ministério da Educação (MEC) para não perder de vista a essência educacional.

A valorização da prática didática e a constante avaliação e reformulação do currículo são algumas das razões para que o instituto seja referência na formação de professores. “Pelo nosso histórico com os cursos normais, a gente já tinha um certo fortalecimento no âmbito da educação infantil e pudemos descobrir os buracos na formação do professor para o ensino fundamental”, aponta Gisela Wajskop, sócia-fundadora e diretora-geral do Instituto Singularidades.

Ao longo de 11 anos de atuação foram mais de cinco alterações no currículo, tanto por demandas legais e administrativas, como também para adaptar os conteúdos às necessidades e desafios dos alunos. Gisela critica que as diretrizes curriculares do MEC para o curso de pedagogia são “muito genéricas e ideologizadas”. Para ela, a maioria das instituições de ensino acaba seguindo uma formação generalista que não garante os pré-requisitos necessários para ser professor.

“As principais disciplinas ainda são sociologia e psicologia da educação [dos cursos de formação de outras instituições]. É preciso mostrar que existe uma didática de alfabetização, por exemplo. Na maioria das instituições a oferta é ideologizada para transformar o conhecimento em palavra de ordem e não em um processo de leitura de teorias a partir do confronto desses conceitos com a atual realidade da escola”, aponta.

A ênfase nas didáticas se completa com um cuidado especial com a prática desde o início da formação. Como a legislação proíbe a realização de estágio antes da metade do curso, as instituições precisam buscar soluções alternativas às atividades práticas, como no caso do Instituto Superior de Educação Vera Cruz (ISE Vera Cruz), outra instituição que também se tornou referência na formação de professores. “A gente procura parceria com ONGs e entidades para ampliar a visão de mundo do aluno”, explica Magdalena Jalbut, coordenadora do ISE.

Segundo Magdalena, a instituição é muito procurada pelas escolas como um “celeiro” de bons profissionais para atuar na educação básica. “Não dá para você ensinar todos os conteúdos com os quais ele vai se deparar, mas você pode preparar uma identidade profissional segura para que ele saiba aonde buscar o conhecimento. Você desenvolve ferramentais para ele observar, analisar e desenvolver o projeto de trabalho”, compara.

 

Caminho para mudanças
Uma nova forma de contratação de professores vai ser experimentada pela rede pública este ano, quando será aplicada a primeira edição da Prova Nacional de Ingresso da Carreira Docente, elaborada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Assim como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) está tendo um papel de indutor de mudanças nos currículos da etapa, acredita-se que a Prova Docente possa influenciar a organização dos cursos de formação de professores. “Nós gostaríamos mesmo que isso acontecesse porque entendemos que hoje os currículos dos cursos de formação de professores não atendem às necessidades da rede pública”, avalia a secretária de Educação de São Bernardo do Campo (SP), Cleuza Repulho. Como presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), ela participou do comitê que elaborou a matriz do exame. Ainda que o Inep não tenha divulgado datas, a prova está prevista para o segundo semestre com a seleção de professores para o ensino fundamental. A matriz dos conteúdos que serão cobrados na prova prevê que a avaliação do profissional será feita a partir de três dimensões: profissão docente e cidadania, trabalho pedagógico e domínio dos conteúdos curriculares. Serão exigidos conhecimentos em temas como políticas educacionais, gestão do trabalho pedagógico, além do domínio dos conteúdos como língua portuguesa, matemática, história e artes.

 

Novas diretrizes
Preocupado com os problemas da formação de professores no Brasil, o Conselho Nacional de Educação (CNE) formou uma comissão que inclui membros das duas Câmaras – a de Educação Básica e a de Educação Superior – para avaliar o tema.Alguns gargalos já foram detectados: o primeiro deles é a “disciplinarização” das licenciaturas. “As diretrizes curriculares nacionais para a educação básica definem que o trabalho do professor será interdisciplinar. Entretanto, as faculdades estão organizadas por disciplinas, o que acaba complicando a efetiva interdisciplinaridade e o diálogo constante entre as especialidades. Essa é uma das questões que tem de ser alterada”, adianta o professor Francisco Aparecido Cordão, atual presidente da comissão bicameral que discute o assunto no CNE. O colegiado debate a criação de diretrizes curriculares unificadas para os cursos de licenciatura – hoje cada área tem orientações próprias. O estágio supervisionado, obrigatório por lei, também foi identificado pelo CNE como um ponto fraco na formação e pode receber regras mais específicas.

 

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Redação Ensino Superior


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