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Edição 227

Repertório novo

Transforma, programa oferecido pelo Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e pelo Ministério da Educação, traz às escolas de todo o Brasil a oportunidade de trabalhar diversidade, novas modalidades e interdisciplinaridade

Publicado em 08/03/2016

por Gabriel Jareta

 

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Instrutor ensina os rudimentos do golfe a aluno de escola pública do Rio de Janeiro em festival de apresentação de modalidades. Golfe voltará a figurar entre esportes olímpicos após mais de 100 anos

 

Na história recente dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, receber uma edição do maior evento esportivo do mundo significa, em maior ou menor grau, um impacto positivo nas cidades-sede por meio dos investimentos em infraestrutura, do influxo de dinheiro de turistas, equipes e organizadores e, principalmente, do legado urbanístico para as futuras gerações. No caso do Rio de Janeiro, que sediará a 31ª edição dos jogos entre agosto e setembro deste ano, os legados urbanístico e econômico ainda são difíceis de avaliar – a promessa da despoluição da Baía de Guanabara, por exemplo, ficou no papel, e atrasos nas obras das instalações esportivas podem significar um aumento emergencial dos custos.

Timidamente, porém, os jogos do Rio começam a sedimentar um legado em outra esfera: a educação. Toda cidade-sede tem um compromisso com os comitês olímpicos e paralímpicos internacionais de promover um programa de educação como legado social dos jogos, como preconizado no final do século 19 pelo criador das Olimpíadas da Era Moderna, barão Pierre de Coubertin. No Rio de Janeiro, o Transforma é o programa de educação dos jogos, e pretende levar esportes pouco conhecidos às escolas brasileiras, além de despertar os valores olímpicos e paralímpicos.

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Iniciado em 2014, o Transforma já chegou a 2,2 mil escolas públicas e particulares do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais, alcançando cerca de 1 milhão de alunos. Para isso, oferece capacitação presencial para professores de educação física, ensinando a prática de esportes não convencionais, como rúgbi e badminton; formação para agentes jovens e coordenadores pedagógicos, que serão os multiplicadores do programa dentro da escola; material didático on-line, com vídeos de orientação para professores com os movimentos básicos de alguns esportes, dicas para construir seus próprios insumos (como tacos e arcos com material reciclável), além de conteúdos de referência sobre a história e os valores dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Além disso, em parceria com as confederações, o Transforma promove festivais esportivos abertos ao público com as novas modalidades ensinadas e cursos on-line (leia texto ao lado).

“O Transforma não é só um programa ou um projeto, mas uma ferramenta pedagógica que ajuda diretores e gestores a tornar a participação dos alunos mais ativa e melhorar o clima escolar”, afirma Vanderson Berbat, gerente de educação dos Jogos Olímpicos do Rio. Ele aponta um público-alvo em especial, aqueles alunos que estão passando pelo “gargalo” da educação pública brasileira: os últimos anos do ensino fundamental e o início do ensino médio.

Desde a concepção do Transforma, a preocupação do comitê era fazer com que esse legado esportivo e social fosse além da cidade do Rio de Janeiro e que pudesse ser algo partilhado por toda a escola, da direção aos alunos. “Se trabalharmos apenas com professores de educação física, vamos ficar só na quadra; a ideia é trabalhar a interdisciplinaridade, com conteúdos de geografia, história, química, matemática etc.”, diz Berbat. É possível abordar, por exemplo, a história dos jogos olímpicos desde sua origem na Grécia Antiga, usar o tema do doping nas aulas de química e discutir tabelas e pontuações nas de matemática.

Longe do lugar-comum

Nas aulas de educação física, a introdução de novos esportes – inclusive modalidades paralímpicas – pode fazer com que todos os alunos participem, longe do tradicional “futebol para meninos, queimada para meninas”. “O futebol já tem seus ”craques” na turma, mas no rúgbi, por exemplo, todos zeram as habilidades. Não tem ninguém que já é bom no rúgbi”, explica Berbat. Para ele, o professor de educação física não deve ser visto apenas como um recreador, mas sim como um “alfabetizador das habilidades motoras”. Para isso, é preciso questionar quais movimentos quer trabalhar com os alunos, quais tipos de esporte, quais os objetivos. O papel do Transforma seria introduzir essas novas perspectivas. “Os professores não ensinam um novo esporte porque não sabem um novo esporte”, aponta.

Já para alcançar os alunos, o Transforma tem como uma das peças principais o chamado “agente jovem”, composto por estudantes representantes de classe, integrantes do grêmio estudantil ou líderes de turma, escolhidos por seu poder de influência sobre os demais. Nesse momento, explica Berbat, os valores olímpicos e paralímpicos – como amizade, respeito e excelência – são disseminados aos demais alunos. “Nós procuramos sempre mesclar as experiências da vida real com a vida dentro dos valores olímpicos”, diz.

 

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Tonimar de Carvalho, professor de educação física da Escola Municipal Tenente General Napion, no bairro de Ramos, Rio de Janeiro: entusiasmo, mesmo às vésperas da aposentadoria

 

Esses “agentes jovens” foram fundamentais para uma das experiências mais bem-sucedidas do Transforma até o momento, na Escola Municipal Tenente General Napion, no bairro de Ramos, Rio de Janeiro. Considerada uma escola-problema, com uma das notas mais baixas do município no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), a instituição sofria com problemas de indisciplina, evasão, depredação e desinteresse dos alunos, conta a diretora Lúcia Helena da Silva, no cargo desde o início de 2015.  “Inicialmente, eu não tive a dimensão do que esse projeto poderia fazer”, diz. Ao mesmo tempo que incentivava a capacitação dos professores de educação física, a escola identificou esses alunos que exerciam liderança sobre os demais – “nem sempre de forma positiva” – e os encaminhou para as atividades do Transforma, onde eles aprenderam sobre os valores olímpicos, conheceram diferentes esportes e passaram por formação para serem os “multiplicadores” do programa dentro da escola.

“Os alunos passaram a vivenciar valores como respeito, coragem e excelência em todas as disciplinas, não só na educação física”, afirma a diretora. Ela conta, por exemplo, que os alunos líderes, dos 7º e 8º anos, se colocaram à disposição para organizar a distribuição de livros no pátio, já que a escola não tinha ninguém para cuidar de uma sala de leitura. “Os alunos mais novos veem isso e pedem para participar do Transforma também”, diz. Hoje com quase mil alunos no ensino fundamental, a maior parte deles moradores do Complexo da Maré, a direção já viu diminuir os casos de depredação e percebeu uma frequência maior dos estudantes. A presença quase diária da polícia na porta da escola para intervir em brigas agora é rara. “Ainda não dá para dizer que o rendimento dos alunos melhorou, isso talvez venha a médio prazo”, afirma Lúcia Helena.

Para o professor de educação física Tonimar de Carvalho, que trabalha na Tenente General Napion, o Transforma provocou uma “injeção de ânimo” não só nos alunos, mas também nos professores. “Trabalho com educação física há mais de 30 anos, falta um ano para eu me aposentar, mas hoje meu ânimo é de quem está começando”, diz. Tonimar fez várias capacitações para ensinar esportes pouco comuns, como rúgbi, badminton e futebol de cinco, um esporte paralímpico voltado para deficientes visuais que fez sucesso entre os estudantes. “Eles colocam vendas e se orientam pela bola com guizo e pelas minhas palmas. Isso cria nos alunos uma visão diferente, uma sensação que só os atletas paralímpicos sentem.”

O professor conta que tem trabalhado com colegas de outras disciplinas alguns temas interdisciplinares e que, entre os alunos mais novos, há uma grande curiosidade em entender esses esportes diferentes – ele agora começou a trabalhar o golfe, esporte que volta às Olimpíadas na próxima edição depois de mais de cem anos. “Os alunos sentem prazer em vir para a escola. Suas habilidades estavam adormecidas”, diz.

Formação on-line
Professores, coordenadores e gestores de todo o país podem ser capacitados pelo Transforma, o programa de educação dos Jogos Rio 2016, por uma plataforma on-line. A ferramenta foi desenvolvida em parceria com o Ministério da Educação e oferece cursos, palestras, fóruns, vídeos e material didático sobre experimentação esportiva, valores olímpicos e paralímpicos e estratégia pedagógica. São oferecidos três módulos de formação, para coordenadores pedagógicos, professores de educação física e tutores de agentes jovens (responsáveis pelos alunos líderes do programa). Cada módulo tem carga horária de seis horas de duração e oferece certificado de formação. Um outro certificado, de reconhecimento, é oferecido para aqueles usuários que compartilham as ações e relatos do Transforma dentro de sua escola.

Um dos destaques da plataforma é a série “Aprenda a ensinar”, que transmite conhecimentos básicos de regras e movimentos de esportes pouco praticados no Brasil, como hóquei sobre a grama e tiro com arco. Nessa série, o professor também aprende a produzir seus próprios materiais, como uma “espada” feita de PVC e garrafa PET para a prática da esgrima.

A plataforma pode ser acessada no endereço www.rio2016.com/educacao e é totalmente gratuita.

 

Autor

Gabriel Jareta


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