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Só educação não basta

tualmente, temos no Brasil um quadro paradoxal: nossa pós-graduação é excelente, mas o aluno chega à graduação com uma formação que deixa muito a desejar. Algumas universidades de alto nível, aliadas a um sistema nacional de pós-graduação, nos levaram aos 80 mil doutores. Embora insuficientes, […]

Publicado em 10/09/2011

por Sérgio Mascarenhas Oliveira

tualmente, temos no Brasil um quadro paradoxal: nossa pós-graduação é excelente, mas o aluno chega à graduação com uma formação que deixa muito a desejar. Algumas universidades de alto nível, aliadas a um sistema nacional de pós-graduação, nos levaram aos 80 mil doutores. Embora insuficientes, constituem uma base para o futuro. Por outro lado, o Ensino Básico precisa de uma grande injeção de motivação.

Precisamos começar com hipóteses (modelos), extrair delas previsões experimentais e, finalmente, realizar os experimentos e compará-los aos valores esperados. Valores esses que indicarão quão próximas as hipóteses estão da realidade natural. Isto é, sem a validação da própria natureza não poderemos construir conhecimentos úteis, que nos ajudem a construir bases para ampliar nosso entendimento do mundo natural.

O conhecimento humano não é absoluto. A "verdade" do conhecimento de hoje é reconstruída e/ou muitas vezes destruída pela "verdade" do amanhã. É por essa dinâmica que se estruturou o método dito racional, desde os pensadores gregos, há milhares de anos. A ciência, em particular, tem avançado com essa metodologia da inovação, da criatividade, da quebra de paradigmas, no dizer de um moderno filósofo da ciência, Thomas Kuhn (1922-1996). Mas não há necessidade de apelarmos para pensadores contemporâneos. O grande Isaac Newton (1643-1727) já dizia séculos atrás: "o conhecimento é como uma esfera, quanto mais aumenta, mais aumenta o contato com o desconhecido!".

Essa coragem de inventar, de inovar é característica, por exemplo, de Pelé na nossa cultura futebolística, mas, infelizmente ainda está ausente na educação brasileira, que acaba transformando preciosos talentos em medíocres repetidores de conceitos decorados sem contestação.
É a partir de novos valores de uma cultura do conhecimento e da inovação (criatividade), que nos libertaremos por meio da ciência, tecnologia, arte e cultura. Isso foi entendido claramente por Anísio Teixeira (1900-1971), Monteiro Lobato (1882-1948), no Brasil, e, no âmbito do mundo subdesenvolvido, pelo argentino Raul Prebisch (1901-1986) e por seu companheiro Celso Furtado (1920-2004). Para levarmos a pedra ao cume, como no mito grego de Sísifo, precisaremos subir a montanha e, ao chegar ao topo, termos uma visão prospectiva e inteligente dos cenários do futuro, que nos permita encontrar os caminhos do desenvolvimento mais justo e feliz pela inserção virtuosa nesta grande oportunidade da globalização. Temos todas as vantagens comparativas em energia, água, clima tropical, extensão de território e na imensa costa oceanográfica. Falta-nos mais educação? Isso não basta! Faltam-nos novos valores, um novo psiquismo social. Em suma, educação é necessária, mas não suficiente: precisamos de uma nova cultura, que nos liberte de um descompasso de 500 anos, de uma colonização extrativista de bens materiais e imateriais.

O cientista e Prêmio Nobel de Física Abdus Salam (1926-1996) viu que a libertação dessa dependência somente viria pela própria ciência como elemento de autoconfiança capaz de gerar criatividade, inovações e desenvolvimento social. A esse corpo de idéias, ele se referia como ideais e realidades. Ideais como fonte de valores norteadores e realidades como a parte prática da luta para serem alcançados. Reconhecia também que a grande assimetria entre países ricos e pobres levava às guerras pelas riquezas ambientais e mão-de-obra escrava entre os países ricos, predadores desse cenário. O avanço da ciência e da tecnologia nos países em desenvolvimento é, em última análise, instrumento de equilíbrio que leva à interdependência e à paz em função da eqüidade de compromissos e dos ganhos mútuos. Obviamente, a realidade não é benigna nem virtuosa e precisa ser melhorada continuamente em um processo dinâmico que se dá por meio da educação.

Em 1959, o cientista e escritor inglês Charles Percy Snow publicou As duas culturas (The two cultures), em que aponta o fosso entre a cultura humanístico-literária e a cultura científica tecnológica. Realmente, havia e há até hoje uma enorme falta de diálogo, tensões sociológicas, faltas graves de respeito e compreensão. Mas a humanidade necessita das duas culturas: a do humanista-literário é fundamental, pois expressa emoções, afetos, valores éticos e sociais; e a do cientista-tecnólogo expressa a razão, os valores da realidade natural, contribuindo para o desenvolvimento social, ampliando os horizontes da humanidade por meio da metodologia universal da ciência e de suas linguagens quantitativas, a matemática e a lógica. Para vencer esse fosso, o próprio Snow propôs a convergência para o que chamou de "a terceira cultura".

Somente com essa união harmoniosa, respeitosa e mutuamente vantajosa de culturas a humanidade poderá seguir um caminho mais generoso para um futuro virtuoso. Os valores dessa nova cultura já estão à nossa disposição com a globalização.

Em uma conferência realizada em abril deste ano na Academia Paulista de Letras, fiz um apelo: literatos e cientistas, uni-vos para uma cooperação que vos junte para o bem do desenvolvimento cultural brasileiro.

O Brasil já tem as condições básicas para criar uma nova gestão, um novo sistema educacional com a informatização, tendo bons exemplos no voto digital, no sistema bancário e na automação e controle em vários setores como agronegócio, saúde e mídias digitais. Também há os palm tops, a TV digital, a telefonia móvel, os sistemas digitais a cabo e satélites, todos em rapidíssima convergência espacial e temporal, já disponíveis aqui. Estamos iniciando um projeto pioneiro, apoiado pelos Ministérios da Ciência e Tecnologia (MCT) e da Educação (MEC), em que objetivamos estruturar um novo modelo de centro de produção e difusão de conhecimentos. Esse cenário portador de futuro já tem bons exemplos (embora insuficientes) no Brasil. O que não podemos é perder mais essa oportunidade e deixar que aconteça, como há 500 anos, uma recolonização, desta vez protagonizada pelo conhecimento. A maioria dos centros educacionais no Brasil está resistindo a essas novas tecnologias, não honrando as grandes visões de pioneiros como Anísio Teixeira, José Reis e Paulo Freire.


*Sérgio Mascarenhas Oliveira é membro da Academia Brasileira de Ciências, professor emérito da Universidade de São Paulo e coordenador do Instituto de Estudos Avançados da USP/São Carlos. Trabalhou no Instituto de Tecnologia Carneggie (EUA), quando recebeu o Guggenheim Award. Foi um dos responsáveis pela implantação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Embrapa Instrumentação Agropecuária, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Descobriu o fenômeno da eletrotermocondutividade, criou o conceito de bioeletretos em moléculas biológicas e introduziu no Brasil a cirurgia criogênica e a tomografia computadorizada em física de solos.

Autor

Sérgio Mascarenhas Oliveira


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