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Superdosagem Tecnológica

O uso excessivo do computador prejudica o desempenho escolar. A partir dessa conclusão, extraída de estudo da Unicamp com base em dados do Saeb, educadores recomendam maior equilibrio na utilização dessa ferramenta

Na era digital, fazer com que uma criança não utilize recursos tecnológicos em suas tarefas escolares pode, à primeira vista, parecer descabido. Porém, essa é a recomendação de muitos educadores para incentivar um desempenho escolar equilibrado. Embasados pelos resultados da pesquisa "Desvendando mitos – Os computadores e o desempenho escolar", publicada pela Unicamp, especialistas concordam que o computador é uma ferramenta importante para a educação, desde que usada pelas crianças e adolescentes com orientação e, principalmente, controle.
 
As conclusões do estudo mostraram que o uso intensivo do computador prejudica o desempenho escolar. A pesquisa foi desenvolvida a partir de dados coletados de 287.719 estudantes de 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio, em questionário aplicado no Sistema de Avaliação da Educação Básica de 2001 (Saeb). Entre os alunos da 4ª série, com melhores condições financeiras, as menores médias em matemática (225,1 pontos numa escala de 0 a 500) foram daqueles que disseram usar "sempre" o computador para tarefas escolares. Atingiram os melhores resultados (246,5 pontos, em média), os estudantes que declararam usar o computador raramente. Até mesmo os que disseram "nunca" usar tiveram desempenho superior ao primeiro grupo: 237,1 pontos, em média.

Segundo um dos autores do estudo, Jacques Wainer, do Instituto de Computação da Unicamp, a edição do Saeb utilizada é a única cujo questionário contém um item direcionado ao uso do computador em tarefas escolares de língua portuguesa e matemática. Os alunos tinham como opções de resposta o uso freqüente, raro ou nulo do computador nessas situações.

Sobre os motivos que levaram ao resultado da pesquisa, Wainer afirma que não tem dados concretos. "Não observamos os alunos. A pesquisa reflete apenas dados estatísticos."


O que dizem os especialistas

Os especialistas em educação explicam que o hábito dos estudantes de copiar conteúdos da internet na íntegra para trabalhos escolares, a fácil utilização de recursos de correção ortográfica e de execução de cálculos nos computadores e, principalmente, a falta de controle dos pais e a má orientação pedagógica dos professores são fatores que fundamentam os resultados da pesquisa.

"Vejo o computador como um redutor das práticas das crianças quando utilizado sem controle", diz Silvia Colello, professora da Faculdade de Educação da USP. "Uma criança que fica centrada em frente à tela durante muito tempo, em salas de bate-papo, fazendo tarefas repetitivas, perde experiências de vivência e tempo de estudo, o que não é positivo."

Segundo a especialista, as crianças têm de ser incentivadas a pesquisar fora do computador. Elas devem visitar uma biblioteca, ir ao teatro, praticar esportes, ter oportunidades de conhecimento diversificadas."O professor, nesse contexto, tem um papel fundamental para evitar a dispersão dos alunos: dar diretrizes de cada trabalho, prover discussão e retorno para os alunos sobre o que foi desenvolvido", avalia.

O desempenho dos alunos nos testes de profi ciência depende muito mais de sua cultura familiar do que das características do local onde estudam. A escola responde por 15% a 30% da variação de notas, o restante é explicado pelas características dos alunos e de sua família, segundo o que Naércio Menezes Filho, professor de economia do Ibmec-SP e diretor de pesquisas do Instituto Futuro Brasil, explica em seus artigos.

"O ambiente familiar é muito importante para a profi ciência, pois o desempenho dos fi lhos de pais mais educados e que valorizam o conhecimento é bem maior", relata. Segundo o professor, autor de várias pesquisas sobre economia da educação, as crianças necessitam de orientação para tirar proveito do uso do computador. "O fato de ter acesso à máquina não quer dizer que estejam usando corretamente e que isso agregue ao ensino."

Marcelo Neri, pesquisador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas e autor da pesquisa "Mapa da exclusão digital", relativiza as conclusões do estudo: "Os resultados desse estudo da Unicamp estão com uma base de dados ultrapassada. Já estamos em 2008 e essas tecnologias mudam". Mas reforça uma de suas conclusões: "Os alunos necessitam de orientação pedagógica adequada. O uso moderado do computador é o ideal para melhorar o desempenho escolar, mas o uso excessivo não é pior do que usar pouco a máquina", defende, sem, no entanto, apresentar dados de pesquisa que balizem a assertiva.

Para o engenheiro e matemático Valdemar Setzer, uma das maiores autoridades nacionais em ciências da computação e autor de Meios eletrônicos e educação, uma visão alternativa (Escrituras, 2001), a utilização do computador como recurso de aprendizagem para crianças e jovens menores de 16 anos é altamente nociva à sua formação. Entre os motivos, cita a impossibilidade de desenvolver a capacidade motora dada pela escrita à mão, a atenção e, por conseqüência, o pensamento fragmentado.
 
"Uma das metas mais importantes das escolas deveria ser ensinar a escrever com fluência. Isso exige uma capacidade de desenvolver o raciocínio também com fluência. Quando se usa o editor de texto, por exemplo, não desenvolve essa capacidade. Com as correções e formatações automáticas, a criança não faz esforço, o que leva à indisciplina mental", argumenta.


Na prática


Naércio Menezes Filho, do Ibmec-SP: o acesso à máquina não significa a correta utilização

O dia-a-dia escolar parece mesmo confirmar que computador demais pode significar aprendizado de menos. No Colégio Vértice, em São Paulo, os alunos têm acesso à internet a partir dos 3 anos de idade. O diretor da escola, Adilson Garcia, entende que já nessa fase é importante apresentar a máquina, explicar quais as suas funcionalidades e as melhores formas de utilizá-las. "Como educadores, temos de trabalhar o senso crítico das crianças e não proibilas do contato." A escola provê palestras sobre o uso conseqüente do computador para todos os professores e ajuda os pais por meio de sua área de orientação educacional a delinear as melhores práticas de uso do equipamento e controle de conteúdo. O departamento monitora o desempenho dos alunos e orienta a família sobre esse e outros temas que interferem no desempenho escolar. "Avaliamos todas as possibilidades, mas muitas vezes chegamos à conclusão de que a queda de notas ocorre pelo uso excessivo do computador", comenta. "É preciso estabelecer limites."

Já o Colégio Mackenzie conta com uma ampla plataforma tecnológica e incentiva alunos e pais a utilizarem essas facilidades, como o portal e-Mack, que oferece à família do aluno o acesso à agenda eletrônica, tarefas de casa, informações sobre o cotidiano escolar. Mas essas facilidades da informática não são bem aproveitadas por todos. "A tecnologia abre possibilidades incríveis, mas há muita informação errada na internet", comenta Cássia Dutra, orientadora pedagógica. "Há estudantes que optam pelo menor esforço nas pesquisas, não buscam um livro na biblioteca e fazem o conteúdo dos trabalhos copiando e colando da internet. Já devolvi muitos trabalhos e oriento os professores a agirem da mesma forma." Segundo ela, os jogos eletrônicos desenvolvem um raciocínio rápido e a capacidade de solução de problemas, mas a grande maioria dos alunos não transporta essa agilidade para outras aplicações. Muito pelo contrário, como estão acostumados com a agitação e a velocidade dos jogos, quando é necessário desenvolver uma atividade tranqüila, têm dificuldade de concentração. "A prática mostra que os alunos têm chegado cada vez mais cansados e sem ânimo às salas de aula. Não sei se podemos atribuir esse fato ao uso excessivo de jogos eletrônicos, mas os pais devem distribuir melhor o tempo de seus filhos entre diversão, estudo e descanso."


Criança que fica muito tempo à frente do computador perde experiências de vivência e tempo de estudo,diz Silvia Coelello, da Feusp


Monitoramento contínuo


No Colégio Dante Alighieri, Lauro Spaggiari, diretor-geral pedagógico e professor de italiano, vê a tecnologia como uma facilitadora e procura inincentivar o uso em diversos trabalhos. "Esse é o mundo dos alunos. Todos ficam mais motivados a estudar", diz. "Eles podem usar tempo demais com assuntos que não são pedagógicos, como Orkut e MSN, por isso, na escola, o ambiente todo é monitorado. Em casa, a responsabilidade dessa tarefa é dos pais. Já existem ferramentas adequadas para resolver a questão."

Deborah Vaz, diretora pedagógica da Escola Castanheiras, no Tamboré, na Grande São Paulo, recomenda que o uso da tecnologia deve ser estudado segundo sua finalidade. "Quem está ensinando as crianças a usar os recursos tecnológicos nas tarefas, sejam pais ou professores, precisa mediar esse uso. Quem sabe o resultado positivo ou não disso são os adultos", argumenta Deborah. "O uso indiscriminado de qualquer coisa faz mal, não só do computador."

"O computador é tão importante quanto qualquer outro instrumento", responde a professora de física do Colégio Miguel de Cervantes, Paula Fernanda Ferreira de Sousa. A professora lembra que "é importante todos estarem cientes de que a tecnologia não resolve todas as dificuldades".


Terapia educacional


A psicopedagoga Sílvia Amaral, coordenadora da clínica Elipse em São Paulo, compartilha da mesma opinião. "Cabe aos pais e educadores orientarem os jovens quanto aos tipos de programas, número de horas de utilização dos equipamentos, além do incentivo a outras atividades tanto para o lazer como para o estudo."

Ela acredita ainda que a tecnologia, se bem usada, pode reverter esses números da pesquisa da Unicamp e servir como um instrumento a mais de aprendizagem, a favor do professor, dos pais e do aluno, e pode facilitar o estudo e o aprendizado de crianças e adolescentes com dificuldades.

Autor

Fabiana Macedo e Ana Carolina Nunes


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