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Tiro ao Álvaro

A história de um professor que se recusa a desistir de criar

Publicado em 10/09/2011

por José Pacheco

O Álvaro nasceu "branco quase preto". Aos sete anos, a piedosa senhora a quem servia de criado quis ensinar-lhe o catecismo. Foi assim que o Álvaro aprendeu as primeiras letras. Mas os seus companheiros de infância não lograram ir à escola. Quis a sorte e a herança escravagista que viessem ao mundo pobres e sem condição de estudar.

O moço era esperto, tinha queda para o estudo e era o orgulho da sinhá, que não se cansava de mostrar às amigas as notas obtidas pelo Álvaro: dez em tudo! Porém, se libertara a mente, o corpo não se libertara do restrito território, no interior mais interior do mundo rural. Após muitas tentativas de emancipação, foi rotulado de ingrato e expulso da fazenda. Errou campos e estradas, serviu a outros senhores. Como diria o Adoniram, apanhou mais flechada que o mártir Sebastião…

 Após alguns anos de via-sacra, amealhou alguns proventos, suficientes para estudar à noite. Entrou na universidade, já adulto feito. Hoje, é professor.

Muito tenho aprendido com ele! O Álvaro é um romântico da educação e… um conspirador. Não se conforma com o estatuto de menoridade profissional imposto aos professores. Diz: A culpa é nossa. Se nos olham como uns coitados, nós agimos como uns coitados.

Não aspira ao destino dos praticistas, que crêem que a pedagogia é apenas arte e uma questão de jeito. Mas também não quer acabar os seus dias anafado e solitário, fechado num gabinete, ao fundo de um corredor de uma universidade, como acontece aos teóricos que crêem ser a pedagogia apenas uma ciência oculta. Muito menos deseja o destino daqueles que, teorizando teorias que teóricos produziram sobre teorias de outros teóricos, negam à pedagogia o estatuto de ciência.

O Álvaro fica perplexo perante a perplexidade de outros professores, que, à míngua de entendimento, o criticam. Confessa ficar magoado com as flechadas que deles recebe. Diz estar decepcionado com a sua escola, onde nada se cria e tudo se copia. Mas não desiste de criar. E como é maravilhoso aquilo que faz com as suas crianças! E como o Álvaro é ignorado! Como muitos outros…

O Brasil já viu surgirem e desaparecerem excelentes projectos. Os protagonistas de que o Álvaro descende – Eurípedes, Agostinho e tantos outros! – se foram, sem honra nem glória, que o mesmo é dizer sem qualquer proveito para a nação. Esses projectos raramente foram avaliados. Se o foram, as conclusões dos estudos de caso e outros trabalhos académicos jazem no fundo de um qualquer arquivo universitário, sem serventia alguma. Algum proveito tiveram os pesquisadores, mas o país nada lucrou.

As escolas mantêm-se ensimesmadas, rotinadas num modelo jesuítico que penetrou bem fundo. Os professores mantêm-se dependentes de inúteis medidas de política educativa, ou na ilusão da última moda pedagógica.

Escutei esse desabafo de uma professora, consumidora compulsiva de compêndios de auto-ajuda pedagógica e freqüentadora assídua de congressos: A gente já pôs os alunos em filas, em círculo, em grupo. Agora, vamos ter de voltar a pô-los em filas? Ou eu vou vender banana?…

Pobre professora! À semelhança do Álvaro, de tanto levar flechada, não tem mais onde furar…


José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

josepacheco@editorasegmento.com.br

Autor

José Pacheco


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