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Todos contra a evasão

Entrevista com María del Carmen Parrino | Edição 198 Uma das maiores especialistas em deserção acadêmica na América Latina, María Del Carmen Parrino afirma que todos precisam estar engajados na superação do problema, inclusive os professores por Marina Kuzuyabu | fotos Gustavo Morita Alunos universitários […]

Publicado em 20/05/2015

por Redação Ensino Superior

Entrevista com María del Carmen Parrino | Edição 198

Uma das maiores especialistas em deserção acadêmica na América Latina, María Del Carmen Parrino afirma que todos precisam estar engajados na superação do problema, inclusive os professores

por Marina Kuzuyabu | fotos Gustavo Morita

© Gustavo Morita

Instituições podem se articular com colégios para oferecer aulas de reforço e orientação vocacional

Alunos universitários abandonam a graduação pelos mais diferentes motivos. Quando o caso envolve uma mudança de cidade ou um problema de saúde, por exemplo, as instituições de ensino superior não têm o que fazer para contornar ou evitar a situação. Porém, a maioria dos fatores que deflagram a evasão pode sim ser controlada, afirma María del Carmen Parrino, professora da Universidade Nacional de San Martin, na Argentina, e pesquisadora do tema há mais de uma década. Nesse grupo estão a falta de recursos financeiros, a dificuldade de acompanhar o curso, a ausência de vínculos com colegas e professores e até a falta de vocação. Para todas essas causas, existem estratégias que podem ser empregadas pelas IES.

Mas a decisão de colocá-las em prática deve ser institucional, e não de um departamento específico, alertou a especialista em visita ao Brasil, onde se apresentou para uma plateia de gestores acadêmicos em evento realizado na Casa da Educação pelo Instituto Expertise em parceria com a Editora Segmento. De acordo com María del Carmen, os professores também têm de se envolver, principalmente porque são eles que têm contato diário com os alunos.

Considerada um problema mundial, a evasão apresenta uma taxa média de 30% nas IES de países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nos Estados Unidos, chega a incríveis 54%. Já no Brasil, os índices são de 27,4% nas IES particulares e de 17,8% nas públicas, segundo dados do Semesp. Pelo fato de as taxas serem elevadas, os investimentos necessários para reter os estudantes são certamente compensadores, como frisou a pesquisadora na entrevista a seguir.

Ensino Superior: Entre os distintos fatores que incidem sobre a evasão do estudante universitário, quais podem ser controlados pelas IES?
María del Carmen Parrino: Para entender por que um estudante abandona a universidade, é preciso revisar seus passos prévios, observar o que aconteceu antes de sua chegada à universidade. Isso é importante porque, quando ele ingressa no ensino superior, já chega com uma formação e dessa formação depende o que vai render em termos acadêmicos, embora também seja preciso considerar suas atitudes e interesses. Por isso, as ações devem começar já no ciclo de acesso, etapa que implica a realização de parcerias com escolas de ensino médio para solucionar problemas que se manifestarão mais tarde, quando estes alunos chegarem ao ensino superior. Com essa finalidade, as IES podem desenvolver programas de orientação vocacional ou apoiar atividades de reforço voltadas para as disciplinas mais críticas, como linguagens e matemática. Mas tudo isso deve fazer parte de programa institucional que envolva toda a comunidade acadêmica.

E o que fazer quando os alunos já ingressaram na instituição?
Com os alunos do primeiro ano, as instituições devem fazer dois tipos de acompanhamento: tutorial e estatístico. O primeiro se refere à oferta de programas de fortalecimento acadêmico voltados para as disciplinas mais difíceis, com maiores taxas de reprovação entre os alunos; à criação de centros de estudos; à realização de aulas preparatórias para os exames e demais ações que possam ajudar alunos com defasagem de conhecimento. Quanto ao acompanhamento estatístico, ele se refere à criação de uma base de dados que permita “calcular” os riscos de deserção e se aproximar dos alunos que apresentam isso de forma mais evidente. Há uma série de indicadores que podem ser acompanhados e isso deve ser feito prioritariamente no primeiro ano, mas se a escola puder manter essa base de dados nos anos seguintes, melhor ainda. A evasão também pode ser evitada com a criação de um sistema eficiente de bolsas que tenha distintas possibilidades, para distintos alunos, e que englobe desde o custeio do material bibliográfico, por exemplo, até o financiamento total dos estudos. O apoio social é outra linha de frente. Ele é importante para que o aluno não se sinta sozinho. Isso acontece quando a universidade estrutura grupos de trabalho ou de atividades literárias, esportivas, intelectuais que fomentem o vínculo do aluno com a instituição. Se o aluno logra estabelecer um vínculo com a instituição, será mais difícil que ele a deixe. Isso também pode ser feito com ações de apadrinhamento que envolvam, por exemplo, ex-alunos.

A oferta de aulas de reforço para alunos com dificuldade é mais comum no ciclo da Educação Básica. Mas você listou essa ação como uma estratégia para combater a evasão no ensino superior. Adultos também precisam desse tipo de apoio? Essa é uma prática tradicional na Argentina?
Não, isso é algo recente na Argentina. Explicar essa questão implicaria entrar em outros campos, como o da psicologia. Mas, de maneira geral, podemos ver a questão da seguinte forma: os jovens dilataram seus tempos. A adolescência se prolongou, assim como o período de formação das famílias. Todas essas mudanças sociais se refletem em outras áreas, entre elas a vida acadêmica, com o surgimento de novas necessidades, como esta do acompanhamento.

E quais são os dados que precisam ser monitorados no acompanhamento estatístico?
Esse acompanhamento deve ser iniciado quando o estudante se matricula. As IES já fazem isso quando coletam, no ato da inscrição, informações sobre formação, composição da família, escolaridade dos pais etc. Esta série de dados pode ser complementada ao longo do tempo com outas informações. Eu proponho fazer uma biografia do tipo acadêmico para registrar, para cada um, que tipo de estudante ele é – se é estudioso, se apresenta dificuldades – e qual foi sua trajetória prévia. Isso o define não totalmente, mas em muitos aspectos. Sobre o conjunto de indicadores que mostram possibilidades de evasão, destacaria o absenteísmo e o nível de rendimento como aqueles que permitem deduzir rapidamente se o aluno abandonará ou não o curso. Em relação ao desempenho acadêmico, podem ser observadas a média de disciplinas concluídas por ano; a pontuação média nas disciplinas aprovadas; a relação entre disciplinas reprovadas e aprovadas; entre outros dados.

Por que o problema da evasão deve ser tratado institucionalmente com o apoio de todos os membros acadêmicos?
A evasão deve ser combatida de forma institucional e com a participação de distintas áreas e dos distintos integrantes da comunidade acadêmica. Somente assim é possível sensibilizar todos os profissionais e estimulá-los a agir contra o problema da perda de alunos. Os professores têm papel importante porque são as pessoas que estão em contato direto com os alunos, além de serem figuras de referência.

Você investigou as tensões entre estudo e trabalho e como elas impactam a permanência do aluno no ensino superior. Como no Brasil essa questão também é importante, poderia nos apresentar sua classificação de perfis de estudantes e suas vulnerabilidades?
Nesta pesquisa, identifiquei quatro perfis distintos de alunos que estão no ensino superior: o ‘estudante trabalhador’, que se refere àqueles que pertencem mais ao mundo do trabalho e, em menor medida, à vida universitária; o ‘estudante em trânsito’, que é aquele que se identifica com a condição de ser estudante, mas não se vê como um universitário com um futuro profissional pela frente. Ele está em trânsito porque enxerga a vida acadêmica como uma continuidade do ensino médio. Já o perfil ‘universitário com futuro profissional’ se projeta na profissão e estuda para conquistar uma carreira. Somente 12% das pessoas que estão nesse grupo se evadem. E tem ainda o ‘estudante com identidade em construção’, que é aquele que não se identifica nem como estudante, nem como universitário e tampouco como profissional. Ele está realmente atravessando uma etapa de identificação. Quanto às vulnerabilidades, tem a do tipo ‘institucional’, que impacta aqueles que sentem desconformidade com a instituição, sofrem com a falta de apoio social e têm como prioridade o trabalho; a ‘acadêmica’, quando os estudantes têm carência de hábitos de estudo, dificuldade para acompanhar o curso e/ou desconformidade com a carreira e a instituição escolhida, e, por fim, a ‘econômica’, que se manifesta quando há forte necessidade de priorizar o trabalho, embora o aluno não tenha qualquer restrição com a IES.

Por que a evasão tornou-se um problema mundial?
A evasão é um problema mundial porque as mudanças produzidas na educação e, particularmente, no ensino superior foram as mesmas em vários países. Ela é resultado da massificação do ensino superior e de outros fatores causais que variam conforme o país, a região, o sistema de educação e as próprias instituições de ensino.

Você listou uma série de projetos que podem ser desenvolvidos. Esse investimento compensa do ponto de vista financeiro?
É preciso fazer uma conta, mas acredito que compensa, sim.  Não são todos os alunos que são alvos desses programas. Então, cabe às IES fazer uma avaliação de quem necessita de apoio e direcionar as ações a eles. Se fizer uma conta com a perda dos estudantes que se evadem ano a ano, acredito que compensa implementar essas ações.

Autor

Redação Ensino Superior


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