NOTÍCIA

Ensino edição 227

A revolução do trabalho

O avanço vertiginoso da tecnologia está alterando paradigmas na produção e circulação de bens e serviços. Em resposta a essas transformações, os empresários agora querem profissionais versáteis, estratégicos e, principalmente, que sejam capazes de exercer funções que ainda serão criadas

Publicado em 04/04/2018

por Diego Braga Norte

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Os robôs vão roubar o meu emprego? Uma inteligência artificial vai ser a minha futura chefe? A profissão para a qual eu estou estudando vai acabar? Há alguns anos, essas e outras perguntas sobre os reflexos da chamada 4a Revolução Industrial pairam no ar, gerando incertezas. Mas algumas delas já têm respostas: o avanço tecnológico é um caminho sem volta, a indústria 4.0 já é uma realidade e todos os jovens que estão estudando hoje devem se preparar para mudanças drásticas em suas vidas profissionais. Atentas, muitas instituições de ensino superior também estão se adaptando para dar conta dessa nova formação exigida pelo mercado de trabalho em mutação — que procura profissionais inquietos, com autonomia para buscar soluções inovadoras e flexibilidade para se adaptar às mudanças.

O termo indústria 4.0 surgiu em 2011 durante a Feira de Hanover, na Alemanha, um dos maiores eventos do mundo dedicados aos avanços do setor industrial. Mas foi somente em 2016, com a publicação do livro A quarta revolução industrial, que o novo paradigma socioeconômico global se tornou amplamente conhecido.

Escrito por Klaus Schwab, economista alemão idealizador do Fórum Econômico Mundial de Davos, a obra detalha a velocidade, o alcance e o impacto – nos sistemas de produção – das novas tecnologias de informação, como Internet das Coisas, computação em nuvem, Big Data e inteligência artificial. O modelo de produção atual está mudando rapidamente em todos os níveis, muitas profissões estão em extinção e outras estão surgindo. Uma pesquisa de 2013 da Universidade de Oxford, no Reino Unido, revelou que 47% dos empregos nos Estados Unidos (o mercado de trabalho mais diversificado no mundo) irão desaparecer em 25 anos. Outros estudos semelhantes apontam na mesma direção.

Localizado no coração fabril da Grande São Paulo, em São Bernardo do Campo, o Centro Universitário FEI praticamente nasceu da necessidade de formar quadros técnicos para as indústrias da região. Há mais de 75 anos, a IES mantém íntimo contato com indústrias que atuam com tecnologia de ponta e, para permanecer atualizada, começou a desenvolver em 2015 o projeto Plataforma de Inovação.

“Vimos que não bastava mais ensinar o que havia de mais avançado. Era preciso tentar se antecipar às mudanças”, explica Gustavo Donato, coordenador da iniciativa. Sustentado por três vigas mestras — fortalecimento de uma cultura inovadora entre professores, técnicos e alunos; desenvolvimento de uma agenda do futuro; e remodelação dos currículos —, o projeto pretende mudar a cultura da escola e alterar a formação dos estudantes da FEI.

“Os alunos precisam desenvolver a criatividade e a autonomia acadêmica e profissional”, diz Donato. Para chegar a esse resultado, eles precisam resolver, na teoria e na prática, problemas reais ou dar respostas diferentes para questões já respondidas. A prática em sala de aula não gira mais em torno do livro-texto, uma ferramenta pedagógica obsoleta na opinião do professor. Citando pesquisas das Nações Unidas e dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o coordenador relata que “há no mundo algumas conhecidas megatendências e nós já sabemos hoje que nossa sociedade terá de resolver problemas relacionados com eficiência energética, saneamento, transportes e conectividade, por exemplo”.

Tendo isso em mente, professores orientam os estudantes a criar projetos acadêmicos e trabalhos de conclusão de curso relevantes, de preferência relacionados com os problemas que já afetam ou afetarão nossa sociedade. Os corpos técnico e discente da faculdade também cultivam nos alunos o espírito da inovação. “Esse conceito é mal compreendido. Inovar não é apenas inventar algo novo, mas também remodelar e repensar novas soluções para problemas já existentes”, explica Donato.

Visão do todo

Outra instituição com décadas de tradição no ensino de engenharias, o Instituto Mauá de Tecnologia já leciona tendo o conceito indústria 4.0 como uma de suas diretrizes. O professor Antonio Cabral, coordenador do curso de Engenharia de Produção, explica que o objetivo é desenvolver e implantar uma rotina de planejamento estratégico e multidisciplinar.

“Hoje os alunos que se preocuparem somente com os conceitos técnicos de seus respectivos cursos terão um futuro profissional muito limitado”, enfatiza. Para ele, a 4a Revolução Industrial impõe necessidades pedagógicas diferentes. Por exemplo, hoje não se fala mais em indústria automobilística, mas sim em mobilidade — um conceito muito mais amplo e complexo, que engloba a manufatura dos automóveis e também o uso racional e eficiente dos veículos motorizados, os sistemas de compartilhamento e os problemas de tráfego em grandes centros urbanos, por exemplo.

Cabral ressalta que o avanço das tecnologias da informação alteraram muitos paradigmas na produção e circulação de bens e serviços. Daí a necessidade de os estudantes pensarem no todo e não se limitarem às respostas já conhecidas. Neste sentido, os alunos são estimulados a participar com projetos em feiras e eventos para se aproximar das novidades e desafios do mercado de trabalho real, sempre um ou mais passos adiante que a academia. Os estudantes, juntamente com um grupo de professores, também criaram uma startup para ajudar pequenas e médias empresas a transformar suas atuais plantas em indústrias 4.0 de maneira mais econômica.

Laboratório da FEI: alunos preparados para atuar no modelo da indústria 4.0

Durante a última FEIMAFE (feira internacional com foco em Máquinas, Ferramenta e Sistemas Integrados de Manufatura), em 2017, os estudantes apresentaram seus resultados: a conectividade entre máquinas e equipamentos dos mais variados anos e modelos. No estande da Mauá, uma linha de montagem produzia um pequeno kit de escritório com máquinas e robôs fabricados entre as décadas de 1980 e 2000, mas todos adaptados para conversarem entre si.

Mudanças estruturais e sociais

Engana-se quem pensa que as alterações pedagógicas impostas pela 4a Revolução Industrial atingem somente graduações e especializações das ciências exatas, geralmente cursos com forte viés tecnológico. Novas tecnologias estão fundindo os mundos físico, digital e biológico de forma nunca antes experimentada pela humanidade. Para muitos teóricos, a velocidade, a amplitude e a profundidade desta revolução estão nos forçando a repensar desde coisas banais (como automatização de funções repetitivas em um serviço de teleatendimento) até estratégias complexas — como políticas de Estado e metas que traçam como um país planeja se desenvolver.

Em passagem por São Paulo em junho de 2017, o economista Klaus Schwab falou em entrevista que a 4a Revolução Industrial não é apenas um salto tecnológico, mas representa também profundas alterações econômicas e mesmo no tecido social. “Ela veio para mudar nosso comportamento, nossa forma de trabalhar, de nos comunicar, de nos organizar. Atualmente, nosso maior desafio é saber como vamos dominar essas tecnologias e direcionar as mudanças para o bem de todos e não apenas para seletos grupos”, disse.

Diante dos avanços e das novas exigências do mercado de trabalho, a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) promoveu mudanças em seus cursos de Administração, Direito, Economia e Relações Internacionais. “Há não muito tempo, bastava aos recém-formados saberem inglês e terem boas noções de informática para se diferenciar no mercado de trabalho. Hoje as exigências são muito maiores e diversificadas”, avalia Silvio Passarelli, diretor das faculdades de Economia e Administração de Empresas da FAAP. Chamado de Global Management, o novo programa criado dá abertura para os estudantes montarem suas grades curriculares de acordo com seus interesses e, assim, sair com uma formação multidisciplinar.

Além das disciplinas obrigatórias de cada curso, o aluno cumpre ainda outras 144 horas dos outros três cursos. Por exemplo, um estudante de Administração cursará as disciplinas mandatórias do seu curso, mais oito complementares nos demais cursos, podendo ser três em Direito, duas em Economia e três em Relações Internacionais.

A proposta vai ao encontro do que pensa Sérgio Branco, diretor do Instituto de Tecnologia & Sociedade (ITS), entidade que, de acordo com sua própria definição, desenvolve pesquisas e ações para “responder de maneira criativa e apropriada às oportunidades fornecidas pela tecnologia na era digital, e que seus potenciais benefícios sejam amplamente compartilhados pela sociedade”.

Advogado e professor de Direito, Branco crê que hoje muitos cursos superiores estão formando profissionais generalistas muito fracos, desperdiçando tempo e talentos — tanto dos alunos como dos professores. Para justificar sua percepção, ele cita a baixíssima taxa de aprovação do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), uma prova que exige conhecimentos generalistas e que todo ano raramente supera os 25% de aprovados.

“É preciso que haja uma ênfase maior na liberdade dos alunos para que eles próprios elejam o que desejam estudar e em que se aprofundar. É preciso desenvolver a autonomia nos jovens. No espaço de tempo de uma graduação, se não é possível formar generalistas bons, é viável formar especialistas melhores”, declara.

Autor

Diego Braga Norte


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