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Uma solução ilusória

Pesquisa aponta que pais e alunos acreditam no uso de computadores para melhorar a qualidade do ensino. Para especialistas, discurso midiático e desejo de mudança se aliam na construção desta percepção

Publicado em 04/11/2014

por Débora Pinto

Cursando o 1º ano do ensino médio em uma escola estadual, o aluno Jeferson Souza da Silva, 17, nunca utilizou tablet, computador ou internet como recurso em sala de aula. Mesmo assim, é categórico ao afirmar que essas tecnologias são de extrema importância para uma educação de qualidade. Concordando com Jefferson, outros alunos e pais de alunos fizeram com que “mais tecnologia/computadores” figurasse como a terceira dentre as três principais soluções para a melhoria do ensino na Pesquisa Sobre a Qualidade de Ensino nas Escolas Públicas do Estado de São Paulo, produzida pela Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), em parceria com o Instituto Data Popular e divulgada em março de 2014.

A importância dada por pais e alunos ao uso de aparatos tecnológicos reflete inicialmente um desejo de mudança, avalia a professora Maria Izabel Azevedo Noronha, presidenta da Apeoesp e idealizadora da pesquisa. “A escola de hoje muitas vezes encontra dificuldades para gerar interesse e engajamento. Por isso, sobretudo para quem não está envolvido nos meandros do sistema educacional, fica um sentimento de falta de sintonia”, explica a professora.

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“Acredito que esse especial destaque à tecnologia ocorra pela ideia de que seu uso pode ser uma via de atualização – e de que isso, por si só, poderia trazer melhorias”, completa. Maria Izabel lembra que alunos e pais citam, como as duas principais soluções para o ensino, “atividades curriculares/cursos/palestras e eventos”. Em segundo lugar, pais apontam “qualificação dos professores” e os alunos, por “mudança no método de/formato das aulas”.

A força da mídia
Enquanto o modelo escolar vigente é questionado, exemplos de educação de qualidade são amplamente divulgados pela mídia apontando como principal fator exatamente a presença de computadores e equipamentos afins em contexto escolar. O espectro mais amplo, que envolve questões como infraestrutura, metodologia de ensino, formação de professores e o envolvimento com a comunidade recebe pouco destaque em comparação ao que é dado aos recursos tecnológicos.

“A verdade é que todas essas ferramentas são muito novas e ainda não existem estudos que comprovem sua real eficiência no que diz respeito à melhoria no ensino. É equivocado imaginar, portanto, que possam ter qualquer papel salvador. Claro que há iniciativas capazes de gerar mudanças interessantes, criando novos paradigmas e provocações. Mas a centralidade real do processo está, mesmo, é com os professores”, afirma o professor Gilberto Lacerda dos Santos, coordenador do Ábaco – Grupo de Pesquisas Interdisciplinares sobre Tecnologias na Educação, da Universidade de Brasília (UnB).

Porém, como aponta a pesquisa da Apeoesp, para muitos pais e alunos a visão sobre a importância da tecnologia na escola é diferente. “Hoje em dia o celular é praticamente uma extensão da mão de jovens e até de crianças, e a internet é usada o tempo todo. Querer melhorar a qualidade do ensino sem levar isso em conta me parece um contrassenso. Não é só a tecnologia, claro. Mas acho que ela pode ser muito importante”, reflete Luzia Aparecida Moliterno de Moares, mãe de Veruska Moliterno de Assis, 17 anos, matriculada no 3º ano do EM na Escola Estadual Marta Teresinha Rosa, em Mauá (SP).

Na mesma direção, o jovem Jefferson Souza da Silva, citado no início da reportagem, imagina que a escola perfeita tem “laboratórios e quadra, mas, principalmente, tecnologia”. “Se todos pudéssemos usar laptop no lugar de cadernos, estaríamos como as escolas mais modernas e aprenderíamos mais”, acredita.

Para a socióloga Maria da Graça Setton, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e autora do livro Mídia e Educação (Editora Contexto), percepções como as de Luzia e Jefferson são tão abundantes exatamente por conta do discurso midiático massivo, que coloca a tecnologia como uma espécie de fetiche do processo educacional. Segundo Setton, o mito da tecnologia na escola como sinônimo de modernidade é muitas vezes associado à ideia de que a escola pública é atrasada – e necessariamente pior do que a escola particular. “A grande imprensa e a publicidade acabam criando e disseminando esse fetiche, juntamente com empresas de tecnologia que fazem projetos dentro de escolas. Não é de estranhar, portanto, que pais e alunos acabem adquirindo a visão equivocada de que o computador deve ser priorizado”, analisa.

Para a professora, trata-se ainda de criar uma imagem simplificada para um processo complexo, já que a melhoria do ensino envolve diversos agentes, incluindo a própria comunidade.

Não se trata de afirmar, por outro lado, que os recursos tecnológicos são prejudiciais. “Eles são ferramentas que podem auxiliar muito, dependendo do contexto e da maneira como se inserem no processo pedagógico. E a escola deve sempre buscar os melhores meios, visando construir a autonomia dos alunos”, enfatiza o professor Gilberto Lacerda dos Santos. A professora Maria da Graça Setton concorda e completa: “Independentemente da tecnologia utilizada – seja o computador, o vídeo ou um projetor – o fundamental é que a escola tenha clareza de seu projeto pedagógico, das motivações e objetivos para aquela utilização. Definido este projeto, a direção deve comunicá-lo da forma mais clara aos alunos e pais para assim, aos poucos, desconstruir a ilusões como a de que os computadores podem solucionar algo”, aponta.

Autor

Débora Pinto


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