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Valor agregado

Sistemas de ensino vendem material didático e capacitação para prefeituras

Publicado em 10/09/2011

por Rubem Barros


Cristina Swiatovski, da Editora Opet: diagnóstico do perfil pedagógico e educacional do município leva a plano de formação e treinamento para os educadores


Desde que foi implantado, em 1o de janeiro de 1998, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) trouxe novo desafio aos pequenos municípios brasileiros: como valer-se da nova distribuição orçamentária e oferecer ensino de qualidade?


Em muitos deles, como Cerquilho, cidade de 37 mil habitantes vizinha a Sorocaba, no interior de São Paulo, o caminho escolhido foi o de buscar parcerias com entidades privadas, ou sistemas de ensino, como passaram a ser conhecidas as marcas que se especializaram na venda de material didático acompanhada de assessoria pedagógica.


Há cinco anos, Cerquilho firmou parceria com a rede COC, que mantém o Núcleo de Apoio à Municipalização do Ensino (Name). "A solução foi adotada para que pudéssemos equiparar a qualidade da educação à da rede privada", justifica Maria Ivani Burani, secretária municipal de Educação. Oito escolas do ensino fundamental e uma de educação especial, antes estaduais, foram municipalizadas desde 1998. No total, contando as creches e o ensino de jovens e adultos (EJA), a rede tem cerca de 7 mil alunos.


"A vantagem da parceria é a padronização", diz Maria Ivani. "Com a apostila, o que se ensina em uma escola é o mesmo que nas outras." Ela aponta os resultados da rede na Prova Brasil, avaliação aplicada em 2005 pelo Ministério da Educação para alunos de 4a e 8a séries, como indicador de qualidade. Na 4a série, os alunos ficaram 50 pontos acima da média nacional em língua portuguesa e 46 em matemática (222 e 226, respectivamente, para médias de 172 e 180).
 
Assim como as outras 77 prefeituras atendidas pelo COC (total de 120 mil alunos), Cerquilho recebe material didático (livros teóricos e cadernos de atividades), avaliação, capacitação e treinamento dos professores e um portal de internet voltado aos docentes, com sugestões de aulas, relato de experiências e equipe para tirar dúvidas.


Neste ano, o sistema inaugurou um curso de educação a distância para graduação em pedagogia, ministrado por meio de teleaulas. Iniciado em agosto, tem 580 inscritos no Estado de São Paulo, área de atuação do COC. No ano passado, inaugurou o material para alunos do ensino especial.




Potencial de crescimento –

Na esteira do COC, outros sistemas também miram no ensino público. As redes paranaenses Opet e Positivo, com atuação em diversos estados, mantêm parcerias com 35 e 41 municípios, respectivamente. Outros grandes sistemas paulistas, como Anglo, Pueri Domus e Uno, também têm investido nos convênios com prefeituras, muitas vezes criando sistemas diferenciados daqueles que operam em parceria com escolas privadas. Calcula-se que neste ano, só no Estado de São Paulo, mais de 120 municípios utilizaram materiais didáticos desses sistemas de ensino. Os custos anuais por aluno variam de R$ 100 a R$ 300, de acordo com a série, os serviços contratados e a empresa.


"Acreditamos no potencial de crescimento desse segmento, pois 87% dos alunos brasileiros estão na escola pública. Ao mesmo tempo, temos um valor agregado a oferecer", diz André Caldeira, gerente de marketing do Positivo, que mantém o Sistema Positivo de Ensino (SPE) para a rede particular e o Sistema Aprende Brasil de Ensino (Sabe) para as prefeituras. Lançado em 2005, o Sabe está presente em mais de 400 escolas de 41 municípios e 11 estados.


Segundo Joseph Razouk Júnior, gerente editorial da área de sistemas de ensino do grupo, o Sabe oferece aos municípios pacotes ancorados em três itens: livros integrados, portal Aprende Brasil e assessoria pedagógica. "A diferença em relação ao SPE é que o material é adequado ao tempo didático das escolas municipais, cuja carga horária é menor em função de fatores como a merenda. O livro é mais enxuto, mas cumpre com toda a base legal exigida", diz. Outra diferença é que o portal traz uma área específica sobre legislação e conteúdos que, no caso do SPE, são distribuídos em CD-ROM.


O Sistema Uno é outro que adota versão diferente, o Uno Público. A principal diferença, explica Mario Ghio, diretor da empresa, está na capacitação. "Elegemos como foco de trabalho redes de até 5 mil alunos e cidades de até 25 mil habitantes. Esses municípios têm necessidades mais claras, como adquirir material didático e capacitar professores e diretores", explica.
O Uno Público tem hoje parcerias com cinco municípios e projeta chegar a 25 em 2007, sempre seguindo esse perfil. Para Ghio, o grande diferencial do sistema é a formação profissional continuada oferecida aos docentes por meio de convênios com instituições como a Universidade de Brasília. "Capacitação para usar o produto todo mundo faz", diz.


A assessoria pedagógica à rede e a produção de material específico sobre o município são dois dos fatores apontados por outras redes para que o material e o conjunto de serviços seja diferente do destinado a escolas particulares.


"Partimos de um diagnóstico do perfil pedagógico e educacional do município e, a partir daí, traçamos um plano de formação e treinamento para os educadores", diz Cristina Swiatovski, diretora da Editora Opet, que há sete anos trabalha com a Coleção Cidadania, voltada ao ensino público. "Cada caso é um caso. Em redes mais avançadas, saímos da área de conteúdos e buscamos trabalhar a auto-estima do professor, por exemplo." No total, os professores dos municípios parceiros têm 64 horas/ano de assessoria pedagógica.


A produção de um material específico sobre o município é outra das preocupações da Opet, que trabalha com cidades cujas redes, em média, têm em torno de 3 mil alunos. "Valorizar a história de cada lugar é importante inclusive para ajudar a manter a população na cidade e estimular seu desenvolvimento, sob uma ótica de cidadania, que é a proposta de nosso material", completa Cristina.


Os pequenos municípios também são os principais parceiros do Anglo, que começou a atuar no setor público no início da década e hoje está presente em dez cidades paulistas. As redes atendidas têm, em média, de mil a 1,5 mil alunos. "Nunca havíamos pensado em atuar nesse segmento, pois nosso material é caro", conta Guilherme Faiguenboim, diretor-geral do Anglo. "Mas fomos procurados por um prefeito que era ex-aluno e começamos. Para dar certo, é preciso que haja um envolvimento das prefeituras, o que é mais fácil em municípios menores. Neles, o prefeito é mais próximo da população, consegue sentir se estão gostando ou não do serviço."

O material oferecido é o mesmo destinado a escolas privadas. Além dos cadernos para alunos e professores, portal de internet, sistema de teleconferência e visita semanal de assessores pedagógicos, o sistema promove workshops com autores e pedagogos. No site, há também um blog aberto a idéias e exemplos dos professores.




Guilherme Faiguenboim, do Anglo: envolvimento das prefeituras é facilitado em municípios menores


Depois de quatro anos testando seu projeto-piloto em três municípios paulistas, a Pueri Domus Escolas Associadas é outra rede que aposta no setor público. Lançou neste ano o Educação para o Desenvolvimento (EDH), programa que, segundo Lilio Paoliello, diretor de conteúdo, busca um meio-termo entre os referenciais construtivistas utilizados pela rede e a necessidade de organizar os conteúdos a serem trabalhados, percebida nas experiências-piloto.


"O professor se sente mais seguro com o material organizado com base nos conteúdos. Mas, na parte destinada diretamente a ele, incentivamos que trabalhe as ‘hipóteses’ trazidas pelos alunos para a construção do conhecimento", exemplifica. Em disciplinas como história, geografia e ciências, diz ele, a utilização desse pressuposto é mais fácil. No caso de história, o EDH se propõe a produzir um encarte específico para o município. Como os outros sistemas, o EDH também oferece assessoria pedagógica para os docentes e portal de internet com plantão de dúvidas.


Para Nilson Curti, diretor-superintendente do Sistema COC, o grande diferencial que o Name oferece é a seqüência de programação. "Com isso, fica mais fácil de as famílias acompanharem o que os filhos estudam", acredita. Quanto ao uso do material didático, Curti lança mão de uma comparação culinária sobre a apropriação dos conteúdos pelos professores: "Todo material didático é como receita de bolo. Na primeira vez, você segue o que está escrito. Na segunda, põe uma pitada a mais, de acordo com a sua experiência."




Cuidado na avaliação –

Instabilidade político-administrativa dos municípios, falta de processos que incorporem professores e gestores das redes nas decisões, ausência de pareceres especializados, contratos sem cláusulas de garantia para correção de rota e ausência de métricas adequadas para avaliação da eficácia de projetos educacionais ao longo do tempo. Esses são alguns problemas que devem ser levados em consideração por gestores educacionais municipais antes de assinarem contratos de prestação de serviços para as redes públicas.


"O gestor deve avaliar com muito cuidado o que é oferecido", alerta Bernadete Gatti, coordenadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas. "Não se pode confiar só naquilo que diz quem oferece. É preciso solicitar o parecer de um consultor independente, que faça uma análise em profundidade dos textos, serviços e mídias. Essa reflexão é fundamental, pois não se trata da compra de um carro. É uma ação estruturante do trabalho, um investimento de natureza cultural que preparará os professores para atuar dentro de um certo modelo."




Lilio Paoliello, do Pueri Domus: incentivo para que as "hipóteses" trazidas pelos alunos ajudem na construção do conhecimento


O simples fato de comparar diferentes propostas de ensino já constitui um ganho para as redes municipais, defende Paoliello. "Muitas vezes, esse processo faz o município chegar à conclusão de que têm condições de estabelecer um projeto próprio", diz.

Outro problema é a implantação pura e simples de projeto fechado sem que o corpo docente seja consultado. Quando feita dessa forma, a adoção muitas vezes resulta em uma rejeição ao projeto, e o professor acaba pouco se valendo do material em sala de aula. "Por isso, deve-se fazer consultas a representantes docentes de vários níveis", alerta Bernadete.


Para a pesquisadora, os materiais dos sistemas – que ela recomenda chamar de modelos, para não confundir com o sistema público e o sistema privado de ensino – pode contribuir para resolver diversas questões em municípios pequenos, que não as solucionariam sozinhos. "Do ponto de vista dos professores que não têm formação adequada, um material estruturado, se for de boa qualidade, pode ser muito útil", acredita.


Outro ponto que os gestores devem levar em consideração é a análise minuciosa das cláusulas contratuais, de forma a garantir a possibilidade de rompimento do contrato, em situações extremas, ou sua alteração, de acordo com as necessidades locais.

As prefeituras também devem estabelecer mecanismos de avaliação das parcerias, seja diretamente com as empresas contratadas ou com terceiros. "Se não houver melhora do desempenho dos alunos, é porque não está bom", diz Mario Ghio. O Uno Público trabalha em parceira com a Avalia Educacional, empresa que realiza mensurações anuais dos sistemas implantados nos mesmos moldes do Saeb. "É preciso associar desempenho com outros fatores, o que permite interferir para melhorar o conjunto", completa Ghio.


Para Bernadete Gatti, os municípios que quiserem uma análise dos programas e do impacto devem fazê-la por um período mais longo. Recomenda-se cruzar fatores como condições básicas de implantação, grau de penetração e aceitação, desempenho de professores e alunos, sendo que a avaliação dos últimos deve ser realizada com provas ancoradas no material utilizado por ao menos três anos e posterior comparação com sua performance no Saeb, Saresp, Prova Brasil ou outras avaliações disponíveis.


"Mas o ideal mesmo seria se o Ministério da Educação avaliasse esses materiais, como fez com o livro didático", sugere.


"Depois disso, as editoras fizeram várias adequações e os títulos disponíveis melhoraram bastante."

Autor

Rubem Barros


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