Mesmo com pouca infra-estrutura, é possível sonhar com uma educação em que professores e alunos, unidos pela rede, combinem suas habilidades para aprender a aprender
Publicado em 10/09/2011
Quando vislumbra a escola do futuro, você logo imagina portas hexagonais inteligentes e uma esteira rolante que direciona os estudantes até suas classes e/ou atividades? Pensa em professores virtuais e alunos acompanhados de andróides, que armazenam lições de casa, livros eletrônicos e até se transformam em suas carteiras, como o carro espacial de George Jetson, da cultuada série futurista Os Jetsons, que, uma vez no escritório, virava sua pasta de trabalho?
Os especialistas, porém, são cuidadosos ao predizer o formato da escola do futuro, especialmente em face da falta de infra-estrutura que ainda assola a educação no Brasil. Afinal, dos 212 mil estabelecimentos de ensino que existem no país, segundo o Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação (Ipae), apenas 20 mil possuem laboratórios de informática e tão-somente 22,6 mil têm acesso à internet. Para piorar, 50,9 mil escolas dispõem de apenas uma sala de aula e 34,6 mil não têm sequer energia elétrica. É com base nessa realidade que se tenta desenhar o amanhã.
Visão de futuro, portanto, é ter as escolas equipadas. Esse anseio, contudo, não está num nível de utopia. Dinheiro para tanto existe, no entender do presidente do Ipae e da Associação Brasileira de Tecnologia Educacional, João Roberto Alves. Segundo ele, o Brasil conta com R$ 4 bilhões do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que foi criado com a privatização da telefonia para financiar projetos de informatização em escolas e hospitais públicos e é recolhido de cada conta telefônica desde 2000.
Na prática, porém, existem pendências do Ministério das Comunicações com o Tribunal de Contas da União, entre elas uma arrastada discussão sobre a regulamentação de um serviço público digital de telecomunicações, já que a Lei do Fust proíbe a aplicação do montante em serviços privados. Para Alves, nada que uma medida provisória não pudesse resolver. Mas parece faltar também interesse do governo, visto que os bilhões do fundo vêm servindo para o país ostentar superávit primário. "Enquanto isso, temos professores no século 18, tentando dar aula no escuro", indigna-se.
Diversidade
Feita essa ponderação, é possível projetar os horizontes da educação com, digamos, mais otimismo. Para a professora-adjunta e pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Maria Helena Bonilla, uma das coisas que despontam nesse cenário da invasão tecnológica é a não-centralidade de modelos. "A rede implica o diálogo com a diversidade, razão por que há necessidade de pensar numa escola que atenda a isso", defende ela, que é autora do livro Escola Aprendente: Para além da Sociedade da Informação (Quartet Editora).
Maria Helena aposta num formato de currículo hipertextual na nova educação. Nessa iniciativa, já usada em dois cursos de pedagogia da UFBA, um em Irecê e outro em Salvador, o currículo é aberto e se constrói ao longo da graduação, de acordo com as demandas do programa e dos alunos, além de estar articulado com a infra-estrutura tecnológica disponível na universidade e dentro do próprio município dos alunos. "Um curso de formação de professores não pode ficar confinado entre quatro paredes, precisa quebrar os limites do espaço temporal, extrapolar os muros da sala de aula", justifica.
A coordenadora do Laboratório de Investigação de Novos Cenários de Aprendizagem (Linca) da Escola do Futuro da Universidade de São Paulo (USP), Silvia Fichmann, igualmente acredita que o método capaz de corresponder às demandas educacionais do futuro será aquele em que o aluno terá responsabilidade por sua própria aprendizagem, com a mediação do professor e com a integração de atividades presenciais e a distância. Embora o estudante vá receber metas, com prazos determinados, seu ritmo será mais respeitado, destaca a educadora, que também coordena o Projeto Educação Telemar, de formação a distância de professores de ensino fundamental.
Com método
Por conta da chamada brecha digital – é fácil se perder no ciberespaço -, a diretora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Eloiza de Oliveira, acha que o ensino do amanhã não prescindirá do rigor metodológico do ensino tradicional, mesmo com a esperada autonomia do aluno. A educadora prefere não citar modelos ideais, porém vislumbra projetos dialógicos, métodos ativos e muita construção do conhecimento. "Vejo uma acentuação do diálogo", resume ela, que coordena o curso de pedagogia a distância da Uerj e o Laboratório de Estudos da Aprendizagem Humana da instituição.
Num espaço de construção de conhecimento e, ao que parece, de currículos não-lineares e métodos inovadores, a única forma de articular um estudante com outro será em rede. "Assim, esse processo de aprendizagem precisa contar com muito bate-papo, com ambientes virtuais de aprendizagem, enfim, com vários canais para articular toda essa diversidade", enumera Maria Helena, da UFBA. Aliás, pensar em rede é a expressão de ordem na educação do futuro, diz a pesquisadora, razão pela qual a escola desde agora deve estar conectada tanto externamente, com outras instituições, quanto internamente, com sua população docente e discente articuladas entre si.
Silvia Fichmann: aluno responsável pela própria aprendizagem, com mediação do professor |
"A tendência é a de que as escolas e salas de aula de amanhã não estejam limitadas pelas paredes de prédios, mas venham a ser módulos de uma comunidade de aprendizagem conectada em rede com bibliotecas, centros comunitários, museus, universidades e residências", concorda a psicóloga Anna Christina Nascimento, que trabalha no Rede Interativa Virtual de Educação (Rived), projeto de desenvolvimento de conteúdos pedagógicos digitais da Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação (MEC).
Redesenho espacial
No ambiente físico da escola, contudo, essa concepção de aprendizagem terá de desenvolver-se num espaço aberto, em que o aluno se desloque e faça contato facilmente com os outros, no entender da professora-adjunta de Didática e Prática do Ensino de História da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (Feuff), Sonia Maria Nikitiuk, que conheceu de perto a experiência israelita de aplicação da tecnologia à educação. "A lógica de turma será diferente, mas continuará existindo, com estudantes agrupados por interesses ou por problemas a resolver e com a possibilidade de mudar de grupo", prevê.
Nesse formato, os computadores não poderão ficar fechados num laboratório. Deverão ir para a sala de aula e aonde mais forem necessários, como numa redação ou em uma instituição financeira. Além disso, caminha-se para a montagem de classes com mobiliário adaptável a diferentes situações de aprendizagem e lousa eletrônica, para a criação de espaços confortáveis para assistir a DVDs e a videoconferências, como prevê a educadora Silvia Fichmann, da Escola do Futuro da USP.
"Ninguém sabe bem a arquitetura que a escola vai ter se o computador estiver onde for preciso", assinala o consultor da área de educação do Senac-SP, Jarbas Barato, que trabalha com educação e tecnologia desde 1982. De qualquer maneira, as mudanças necessárias, segundo ele, deverão ser semelhantes às que o setor bancário experimentou. "Os bancos foram redesenhados com a entrada da tecnologia e a arquitetura interna das agências não passa nem perto do que era há 20 anos", observa.
Basta pensar no que já acontece em algumas áreas do ensino. Nenhum aluno desliza numa esteira rolante numa escola de arquitetura, mas dispor de laboratório de informática e condições de conexão são determinantes para seu funcionamento, de acordo com o avaliador do MEC e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), Francisco Segnini Jr. "Na FAU, os ateliês foram desativados e a toda hora os professores pedem mais tomadas nas salas para os alunos ligarem seus laptops, além de cabo de internet, embora a introdução do wireless tenha resolvido bem essa questão", descreve. Dar aula sem data show, então, é inadmissível, o que não acontecia apenas alguns anos atrás, continua o professor, que também preside uma entidade de apoio ao arquiteto e às escolas da área, a Fundação para a Pesquisa Ambiental (Fupam).
Levando essa realidade para um futuro que só promete maior evolução tecnológica, as instituições de ensino, já ao nascimento, precisarão sair do papel – ou da tela – projetadas para comportar a conectividade em cada ambiente, em cada canto. O pensamento em rede começa daí.
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