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Bandeiras ao vento

Documento com vistas ao Plano Nacional de Educação contempla pontos defendidos há muito tempo, como o aumento do financiamento público. Mas a aprovação das propostas no Congresso não deve ser fácil

Publicado em 10/09/2011

por Rubem Barros





Faixas e cartazes na abertura da Conae 2010: movimentos sociais presentes para defender velhas bandeiras



As bandeiras foram hastea­das com pompa e circunstância. Após um processo de um ano e meio, que mobilizou quase um milhão de pessoas em municípios e estados brasileiros, culminando com a reunião de quatro mil pessoas entre os dias 28 de março e 1º de abril, na Conferência Nacional de Educação (Conae 2010), ocorrida em Brasília, tomou corpo a proposta de um novo Plano Nacional de Educação (PNE). Muitas das bandeiras em questão são defendidas há tempos por setores da educação nacional, notadamente aqueles vinculados às diversas etapas do ensino público. Eles, ao menos até o momento, podem ser considerados os grandes vencedores das discussões levadas a cabo na Conferência.

O documento contendo as deliberações da Conae 2010 deveria ser apresentado à Comissão Organizadora Nacional nos dias 5 e 6 de maio, com previsão de estar impresso  e disponível na internet para a população em geral até a metade do mesmo mês. Nele estarão contidas as decisões que os participantes do processo esperam ver materializadas no PNE 2011-2020, que o governo federal deverá apresentar ao Congresso Nacional até a metade do ano. Entre elas, a decisão de instituir um sistema nacional de educação, tal como havia sido proposto já para a Constituição de 1988, mas que, à época, acabou por resultar na redação do artigo 211, que prevê o regime de colaboração entre União, estados e municípios, mas sem um sistema integrado. Este, aliás, era o mote da Conferência.


Embate com o setor privado


Mas foram aprovadas outras questões que prometem ser mais polêmicas ou difíceis de aprovar no Congresso Nacional, onde os lobbies dos setores que não se fizeram representar na Conae – principalmente os representantes da educação privada, Básica e superior –  são bem mais poderosos do que sua disposição para enfrentamentos em ambientes que julgam hostis. As principais são o veto à destinação de recursos públicos para convênios com instituições privadas como creches e escolas especiais (o ProUni foi considerado exceção); o aumento do investimento público em educação para 10%, a partir de 2014; o veto para a formação inicial de professores a distância; a instituição da eleição para diretores de escolas públicas e o aumento dos percentuais de participação de União, estados e municípios no financiamento público. Outras questões mais recentes no campo educacional, como a instituição de uma lei de responsabilidade educacional para os gestores públicos e a implantação do Custo Aluno-Qualidade, também foram aprovadas.

Uma das organizações cuja participação pode ser considerada bastante exitosa foi a Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Das emendas ao texto-base que apresentou, todas foram aprovadas. A única questão de importância que apoiou, apesar de não formular, foi a proposta de instituir um comitê gestor para gerir o Sistema Nacional de Educação, que não vingou. Para Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha, um dos grandes méritos da Conferência foi a maturidade das discussões em torno das propostas, principalmente pelo fato de se ter buscado amarrar os custos das ações ao financiamento. "A Conae trouxe inteligência à questão do financiamento, ao determinar a vinculação dos recursos e o aumento dos mínimos constitucionais", avalia. O dirigente lembra também a aprovação da destinação de 50% do Fundo Social do Pré-Sal para a educação, com 30% desse valor sendo destinado ao ensino superior e 70% à Educação Básica, percentuais que acabaram sendo aceitos até mesmo pela União Nacional dos Estudantes, que aceitou a ideia de que, caso os níveis fundamental e médio não melhorem, faltará estoque de alunos para o superior.

No caso do movimento Todos pela Educação, a avaliação geral da Conferência também foi positiva, mas relativizada por algumas questões: o processo de constituição de delegados (leia texto à página 50) e a avaliação de que muitas das decisões da Conae tiveram um caráter acentuadamente corporativista. Ressaltando que essas questões não tiram a legitimidade da Conferência, Mozart Ramos, presidente-executivo do movimento, listou os pontos que considerou positivos e negativos. Entre os primeiros, citou o Custo Aluno-Qualidade – "ganha grande legitimidade como forma de chegarmos a um financiamento adequado para buscamos a equidade"; a reafirmação da valorização docente, por meio do piso e da carreira do professor; e a constituição do Sistema Nacional através de um tripé formado por planos articulados, regime de colaboração e lei de
responsabilidade educacional.

"Entre os pontos negativos, não concordo com a regulamentação do setor privado, pois o setor público depende muito do setor privado e não tem fôlego para assumir as suas funções. O setor público tem de supervisionar a qualidade e atuar quando ela não está sendo exercida. Também discordo das restrições ao ensino a distância. Quando não existe o profissional específico da área, é melhor usar as tecnologias do que remendar", avalia Ramos.


Temor desfeito


Para Romualdo Portela, especialista em financiamento da Faculdade de Educação da USP e delegado da Conferência pelo Centro de Estudos Educação e Sociedade (Cedes), de Campinas, o temor de que a Conae tivesse um caráter "meio oficialista" foi dissipado. "Os segmentos estavam bem organizados", diz. Atuante no eixo 1 da Conae, relativo à sua área de especialidade, Portela aprovou as decisões, com exceção daquela que tomou o ProUni como uma medida emergencial para o acesso ao ensino superior, não o incluindo na restrição aos repasses de verbas públicas para a educação privada, como aconteceu com as creches e a educação especial. "Nesse caso, acho que o princípio geral que norteou as outras decisões foi contrariado", diz.


Trâmites


Portela também ressaltou o fato de que as decisões tomadas na Conae ainda têm um longo percurso até que se efetivem em lei. "O setor privado quase não participou, não disputou posições. Na hora que o plano for para o Congresso, eles vão intervir de forma pesada", avalia.

Ao que parece, o setor privado preferiu organizar-se em paralelo para fazer suas propostas ao próximo PNE. Tanto é assim que fez realizar, em meados de abril, em Florianópolis, o III Congresso Brasileiro de Educação Superior, cujo tema era "O setor privado como ator e parceiro na construção do Plano Nacional de Educação 2011-2020". Entre os palestrantes, dirigentes de universidades com forte presença no mercado, como Anhembi Morumbi e Anhanguera Educacional, e nomes que defendem a importância do ensino privado no país, como o sociólogo e ex-presidente do IBGE, Simon Schwartzman.

Mozart Ramos lembra que os mecanismos de participação da sociedade estão se ampliando. E, nesse sentido, destaca a importância de entidades que ficaram de fora da Conae 2010 entrarem nas discussões daqui para a frente. "O próprio Sistema S não quis participar. Mas você só consegue fazer com que as coisas mudem se participar do debate", diz. 

O fato é que, após a consolidação do documento final da Conferência, contendo todas as suas decisões, ele será distribuído a todos os poderes e entidades ligadas ao processo. Segundo Arlindo Queiroz, coordenador-geral de Articulação e Fortalecimento dos Sistemas da Secretaria de Educação Básica do MEC e responsável pela subcomissão de sistematização da Conae, algumas das decisões podem ser adotadas administrativamente por estados e municípios. O núcleo central das medidas, no entanto, deverá ser discutido entre os Ministérios da Educação, Fazenda e Planejamento e, depois disso, ganhar formato de Projeto de Lei (PL) para ser enviado ao Congresso.
Para Daniel Cara, um fator predominante para que o texto final do PL mantenha de forma consistente as decisões da Conferência será a negociação do ministro Fernando Haddad com a área econômica do governo. Afinal, é lá que deságuam não só as demandas da área da educação, mas de todas as outras áreas sociais – e, de quebra, os pedidos do Legislativo e do Executivo.


Hora da saliva


O coordenador da Campanha acredita que as negociações no Congresso comecem ainda neste mês de maio. Mas sabe que, por se tratar de ano de Copa do Mundo de futebol e de eleições, eventos que costumam parar o país, é preciso celeridade na tramitação para que o PL não pare no Congresso. "Estamos nos preparando para ter o mesmo grau de dificuldade que tivemos para a aprovação do Fundeb. Mas nossas posições vão estar legitimadas socialmente por um encontro que reuniu Estado e sociedade civil em diversas etapas", avalia Daniel.

O ministro Haddad também é visto como fiel da balança por Mozart Ramos, para quem é preciso que o texto do PL deixe "os interesses corporativos" e se atenha aos "interesses da nação". "O ministro tem mostrado capacidade de articulação. Esperamos que ele corrija algumas coisas para que tenhamos um plano de Estado, e não de governo ou reivindicatório", finaliza.

Para aprovar um dos pontos centrais – o investimento de 10% do PIB na educação a partir de 2014 – Haddad terá de usar essa capacidade de articulação tanto no interior do governo como no Congresso. Afinal, com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 59 (PEC 59) no ano passado, o presidente da República não poderá vetar o valor aprovado pelo Congresso. Esse veto, exercido pelo ex-presidente Fernando Henrique em relação ao  PNE 2001-2010, que estabelecia um investimento de 7% do PIB, foi o que desmontou o plano anterior. Resta saber se na hora H de estabelecer vinculação tão grande do orçamento da União a educação ainda estará nas prioridades do governo e dos membros do Legislativo.

Crítica à representação

Apesar da participação na Conferência como membro suplente da comissão organizadora, o presidente executivo do movimento Todos pela Educação, Mozart Ramos, questionou o que classificou como "construção desigual das representações", em função do número de delegados que diferentes organizações levaram à Conae.

"Tivemos apenas cinco delegados, enquanto outros que tiveram 150 ou 200 puderam articular seus interesses", avalia o dirigente, para quem esse fato favoreceu algumas tomadas de decisões que classificou como corporativas. Disse que não pôde fazer a crítica desse processo na comissão, pois apenas o titular comparecia às reuniões do grupo organizado pela Secretaria Executiva-Adjunta do Ministério da Educação.

Para Paulo Wiederkehr, assessor especial do ministro, a representação foi fruto de uma decisão de consenso na comissão, composta por 35 de 50 entidades que participaram do processo. Quatro setores puderam constituir delegados: pais, estudantes, gestores e trabalhadores da educação. "Procuramos equilibrar a representação. Se tivéssemos usado o critério quantitativo, só a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) iria ter uns 70% dos delegados, pois tem mais de 2 milhões de afiliados", rebate.

Novos mecanismos

Ainda que no início do século passado já tenham ocorrido outros encontros intitulados Conferência Nacional de Educação, a edição realizada neste ano é a primeira que congrega representantes de todas as etapas da educação e que foi aberta a todos os segmentos da sociedade. E essa articulação, caso seja seguida de decisão da própria Conae, vai se tornar mais frequente: deverá ocorrer a cada quatro anos, acompanhada ainda da constituição de um Fórum Nacional de Educação e de fóruns estaduais e regionais. No caso do fórum nacional, funcionaria como um órgão constituído por representantes da sociedade civil, com a função de dialogar, colaborar e de ser uma instância de assessoramento consultivo do sistema nacional de educação. Além disso, seria encarregado de convocar e coordenar a Conae.

"As decisões tomadas na Conae devem levar a políticas governamentais. Mas quem cobra isso, quem monitora, quem vai estar lá vendo se aquela pauta de propostas está sendo tocada dois anos depois? Entendemos que há uma lacuna entre uma conferência e a outra, e esse papel seria do fórum, que é um canal de articulação com a sociedade, de mobilização e acompanhamento, porque é parte do próprio sistema", explica Maria Elizabeth Ramos, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e presidente do Conselho do Fundeb do Recife.

A proposta do fórum foi aprovada na Conferência, não vingando apenas a ideia de se constituir um comitê gestor do mesmo. Em princípio, os membros do fórum devem ser eleitos quando da realização das próximas conferências. No caso do primeiro, a proposta é que seus membros sejam da comissão organizadora da Conae 2010.

Elizabeth Ramos alerta que, para a lógica do sistema dar certo, é preciso criar indicadores, instrumentos de acompanhamento do PNE, além de outros que forcem estados e municípios a fazer seus planos a partir do nacional.

"Não é uma coisa tão absurda. O MEC pressionou com o PDE e o PAR para que houvesse um tipo de plano de ação articulada. Hoje, para muitos municípios é quase um plano municipal, pois não tinham nenhum histórico de ter feito algo parecido com um plano", defende.

Autor

Rubem Barros


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