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Arte e Cultura

Poemas em sala de aula

O "vírus da gripe literária"

Publicado em 10/09/2011

por Rubem Alves

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Epitáfio é uma frase que se grava numa lápide, contando algo sobre o enterrado. Já escolhi a minha. Não é original. É a mesma de Robert Frost: “Ele teve um caso de amor com a vida…”

Mário Quintana, sabendo que a morte o esperava em alguma esquina, escolheu a sua: “Eu não estou aqui…” Já imaginaram? Caminhando pelo cemitério, as lápides se sucedendo graves e fúnebres. “Aqui jaz…”, “Aqui jaz…” De repente os olhos batem na frase “Eu não estou aqui”, que é o mesmo que “Aqui não jaz…” É possível evitar o riso? É possível evitar amar quem assim brincou com a própria morte?

Mário Quintana era um menino que brincava com coisas graves. Sofreu. “Da primeira vez que me assassinaram perdi um jeito de sorrir que eu tinha. Depois, a cada vez que me mataram, foram levando qualquer coisa de minha.” Mas passado o sofrimento, primeiro ele se vingou: “Todos esses que aí estão atravancando o meu caminho, eles passarão… Eu passarinho…” Ler Mário Quintana é pular de galho em galho, como passarinho.

Pois eu ia pulando de galho em galho como passarinho. E quanto mais alegre eu ficava, mais triste eu ficava. É que eu estava lendo sozinho. E a alegria na solidão é triste. Eu queria mesmo era estar numa roda de gente, professores e alunos, compartilhando alegria.

Aí eu pensei uma idéia doida: “Não seria possível que toda aula, de física, química, história, matemática, fosse iniciada com um poema ou um curto texto literário?” Por que não? Esses cursos de reciclagem… Pressupõe-se que um professor mais bem informado ensina melhor. Tenho minhas dúvidas. Conheço enciclopédias ambulantes que não conseguem ensinar coisa alguma. Que tal, então, seminários de literatura e poesia para professores que não são professores de português? Como isso iria fazer bem para a sua saúde! Começar pelo Mário Quintana passarinho, que escreve curtinho e faz rir. Depois, e eu juro, mas juro mesmo, que um professor que leia o livro do escritor moçambicano Mia Couto,
Na Berma de Nenhuma Estrada

(“berma”, beirada de estrada ), vai ser contagiado pelo vírus da “gripe literária” e vai sair por aí, contagiando outros. Na próxima vou falar sobre o Mia Couto, pra contagiar vocês…

Veio-me então uma idéia original: aos professores se oferecem freqüentemente cursos de atualização e reciclagem, nas matérias de sua especialidade. A idéia é que eles serão melhores professores se tiverem mais informações! Duvido…  A minha idéia original é que houvesse para todos os professores cursos… Não! Poesia e literatura não se aprendem em cursos – “samba não se aprende no colégio”, disse Noel Rosa.  Não sei que nome dar: experiências coletivas com a literatura, que só acontecem quando há prazer, espanto, deslumbramento, susto, beleza, riso.

Primeiro, para os professores ficassem mais ricos por dentro. Segundo, para que as aulas de todas as matérias se iniciassem com dez minutos de poesia. Aí os alunos aprenderiam que literatura não é algo que acontece em certas horas de certos dias. Ela é como o ar; está misturada com a vida toda. Quem lê o Mário Quintana aprende isso.


Rubem Alves é educador e escritor

E-mail: rubem_alves@uol.com.br

Autor

Rubem Alves


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