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Se os jovens não gostam de ler é porque nunca ouviram a leitura feita por um possuído
Publicado em 10/09/2011
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Rubem Alves |
Ela me olhou e disse: "Encontrei um lindo poema em Fernando Pessoa". Fiquei contente, gosto muito de Fernando Pessoa. Aí ela começou a ler. Epa! Senti-me mal. As palavras estavam certas, mas ela tropeçava, parava onde não devia, não tinha ritmo nem música. Não, aquilo não era Fernando Pessoa, embora as palavras fossem suas. Senti o mesmo que já sentira em audições de alunos principiantes. Percebi, então, que a arte de ler é exatamente igual à arte de tocar piano – ou qualquer outro instrumento.
Como é que se aprende a gostar de piano? O gostar começa pelo ouvir. É preciso ouvir o piano bem tocado. Há pianistas que já nascem com o piano dentro deles. O piano é uma extensão dos seus corpos. E há os "pianeiros", como eu, que me esforcei sem sucesso para ser pianista. Diferentes dos pianistas, os "pianeiros" têm o piano do lado de fora. Esforçam-se para pôr o piano do lado de dentro, mas é inútil. As notas se aprendem. Mas isso não é o bastante. Os dedos esbarram, erram, tropeçam – e aquilo que deveria ser uma experiência de prazer se transforma numa experiência de sofrimento para quem ouve e para quem toca. Um pianista, quando toca, não pensa nas notas. A partitura já está dentro dele. Ele se encontra num estado de "possessão". Nem pensa na técnica, é um problema resolvido. Ele simplesmente "surfa" sobre as teclas seguindo o movimento das ondas.
Pois é assim que se aprende o gosto pela leitura: ouvindo-se o artista – o que lê – interpretar o texto. Uso a palavra "interpretar" no sentido artístico, teatral. O "intérprete" é o possuído. É ele que faz viver seja a partitura musical silenciosa, seja o texto teatral ou poético, silencioso na imobilidade da escrita. Disse Shakespeare no 2o ato de Hamlet: "Não é incrível que um ator, por uma simples ficção, um sonho apaixonado, amolde tanto a sua alma à imaginação, que todo se lhe transfigura o semblante, por completo o rosto lhe empalideça, lágrimas vertam dos seus olhos, suas palavras tremam, e inteiro o seu organismo se acomode a essa mesma ficção?". Se os jovens não gostam de ler é porque não tiveram a experiência de ouvir a leitura feita por um possuído.
Há de se dominar a técnica da leitura como se domina a técnica do piano. Acontece que o domínio da técnica é cansativo e freqüentemente aborrecido. Antigamente, o aprendiz de piano tinha de gastar horas nos monótonos exercícios de mecanismo do Hannon. Mas mesmo os grandes pianistas que já dominaram os essenciais da técnica têm de gastar tempo e atenção debulhando as passagens complicadas que não podem ser pensadas ao ser tocadas.
Mas só têm paciência para suportar o aborrecido da técnica aqueles que foram fascinados pela beleza da música. Estuda-se a técnica por amor à interpretação, que é o evento orgiástico de possessão. Por isso tenho sugerido a escolas e prefeituras que promovam "Concertos de leitura" para seduzir os ouvintes à beleza da leitura. Não custam nada. Uma única coisa é necessária: o artista, o intérprete… Um concerto de leitura poderia organizar-se assim: Primeira parte: Poemas da Adélia Prado. É impossível não gostar dela… Segunda parte: "O afogado mais lindo do mundo", conto de Gabriel García Márquez. Terceira parte: Haicais de Bashô. Todo mundo gostaria e sairia decidido a dominar a arte da leitura.
Rubem Alves – Educador e escritor
rubem_alves@uol.com.br