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NOTÍCIA

Arte e Cultura

A invenção realista

O grande potencial subversivo da obra de Graciliano Ramos está em sua capacidade de amalgamar em uma mesma forma fatos e ficção, imaginação e realidade objetiva

Publicado em 10/09/2011

por Gabriel Perissé

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Graciliano Ramos (1892-1953) é, nesse sentido, um dos maiores mestres da literatura brasileira. Seus livros têm a força da realidade, sem concessões. A ficção, paradoxalmente, constitui forma excelente de descrever o real. Graciliano nos ensina a olhar o nosso entorno de maneira corajosa, sem perder de vista a fabulação e a invenção.

Geografia obrigatória

Sempre há muitas portas de entrada na obra de um grande escritor. No caso de Graciliano, escolho o livro infanto-juvenil A terra dos meninos pelados. Foi escrito logo após ter saído da prisão, logo após aqueles dez meses e dez dias que seriam a matéria-prima de Memórias do cárcere, publicadas postumamente (1953). Em 1937, porém, ainda esmagado pelas experiências extremas da cadeia, Graciliano não estava pronto para as Memórias, e se deixou conduzir pelo maravilhoso e pela fantasia. A terra dos meninos pelados nada tem a ver com renúncia à visão de mundo visceralmente realista do autor. A imaginação, isso bem sabem os artistas, nos faz com­preender o mundo de uma forma radical, talvez com mais “exatidão” do que as ciências exatas…

O livro conta a história de um menino “diferente dos outros meninos”, que tinha a cabeça pelada e olhos com duas cores diferentes: o direito preto e o esquerdo azul. A falta de cabelos remete à situação do prisioneiro, despojado de tudo, no limiar da morte. O olhar duplo é o daquele que enxerga a realidade e a fantasia ao mesmo tempo: não se perde na fantasia, mas também não se limita aos dados da realidade imediata. O menino, que se chama Raimundo, é discriminado pela vizinhança. Fala sozinho, não porque enlouqueceu, mas porque está criando um mundo, a terra de Tatipirun, para onde se dirigirá.

O primeiro habitante que o menino encontra é um automóvel com olhos bicolores, que não atropela ninguém, mas voa. O segundo, uma laranjeira que lhe dá orientações. Quando Raimundo lhe pede que ensine o caminho, a árvore responde: “Vá seguindo sempre. Todos os caminhos são certos”. Mais adiante o protagonista encontra outros meninos, todos calvos e olhos iguais aos seus: um preto e o outro azul. E encontra também Caralâmpia, a princesa.

Em Tatipirun, o sol não se põe, a temperatura é amena, não chove, os meninos não adoecem nem envelhecem, o rio se fecha para as pessoas passarem, os animais falam, as cobras não picam, não há casas, o chão é macio, ninguém precisa usar sapatos, vestem-se com túnicas confortáveis, os habitantes descansam fechando um dos olhos e deixando o outro aberto.

Ali ele se sente bem, embora se lembre de vez em quando de que precisa voltar para estudar a lição de geografia! Um dos seus novos amigos pergunta se é necessário estudar essa matéria. Raimundo responde: “Sei lá! Dizem que é necessário. Parece que é necessário. Enfim… não sei”. E conclui, choroso: “É uma obrigação”. E por causa da obrigação, Raimundo volta para casa, prometendo “ensinar o caminho de Tatipirun aos meninos” de sua terra.

As lições de Tatipirun

São várias. Talvez a mais significativa é que todos os caminhos do conhecimento e do crescimento são bons. Cada lugar tem suas peculiaridades e belezas e sempre podemos aprender. No mapa da humanidade, as diferenças são riquezas a valorizar. A princesa de Tatipirun, Caralâmpia, diz ter conhecido uma terceira região, cujos habitantes possuem duas cabeças, oito olhos (quatro azuis e quatro pretos, distribuídos de dois em dois pelas testas e nucas), uma boca no peito, cinco braços e uma perna só.

O nome da princesa Caralâmpia remete à psiquiatra alagoana Nise da Silveira que, quando menina, remexendo nas provas dos alunos de seu pai, descobriu que um garoto com o sobrenome Caralâmpio fora reprovado por ele. Nise perguntou-lhe por que alguém com nome tão bonito sofreria aquela punição. O pai achou graça e passou a chamá-la de “Caralâmpia”. Graciliano, seu conterrâneo e amigo, chamava-a assim também, e esse apelido tornou-se sinônimo de compreensão com os reprovados pela sociedade, pela escola, pela vida.

Caralâmpia, espécie de mestra das crianças de Tatipirun, procura compreen­der o outro, o diferente, o monstruoso. Pois este é o problema maior. Raimundo não é considerado apto a viver com os seus dessemelhantes. Foge para outro lugar, um lugar ideal em que todos fossem iguais a ele. Mas Caralâmpia está fascinada pelo diferente, e Raimundo termina por entender que problemáticos são os meninos normais de sua terra, ou que se consideram normais pelo fato de terem cabelos e seus olhos serem da mesma cor. Para adaptar-se à realidade adversa, Raimundo terá de amadurecer. E quando zombarem dos seus olhos e de sua cabeça pelada, ensinará aos zombadores a geografia secreta de Tatipirun.

Raimundo renuncia à evasão, volta à sua realidade cotidiana, mas volta com novas disposições. Tornou-se contador de histórias, transformando seu sonho pessoal em narrativa. Tatipirun é uma terra diferente, com outra lógica, outra beleza. Entenderão os garotos que o outro não é necessariamente ridículo?

Os dois mundos de Raimundo

Não existe fantasia pura. O escritor transfigura o real e nos entrega uma nova realidade, a da ficção, com a qual nos reaproximamos do mundo. No seu livro Viventes de Alagoas (1961), Graciliano publicou uma crônica intitulada Dr. Pelado, médico e poeta popular nascido no século 19, que se chamava justamente Raimundo Pelado, “um grande mulato risonho e fornido, de bela cor vermelha, mãos rijas, dentes fortes e olhos vivos”.

Este Pelado verdadeiro era igualmente um pródigo contador de histórias:

Existiam na vida dele muitos casos interessantes: viagens complicadas ao Rio, à Bahia, ao Recife. Tinha visto o Imperador e outras figuras enormes, tinha tido uma discussão notável com certo chefe de polícia de capital graúda. Sua Majestade era pessoa muito simpática. E o chefe de polícia ficara absolutamente arrasado, fato que provocava o espanto dos caixeiros e dos fregueses, nas lojas.

Que Graciliano “usasse” o Raimundo Pelado de verdade para criar o seu personagem “de mentira” confirma o quanto é frágil a separação entre fato e ficção. O Pelado histórico tinha também um duplo olhar. Vivia em duas dimensões, a prática e a fantástica. Um olho para a sobrevivência material e outro para a poesia. Quando precisava ganhar dinheiro, percorria cidades do interior do Nordeste com textos e gravuras de Chernoviz (médico polonês radicado no Brasil que se dedicou à medicina popular) e medicamentos os mais variados para as moléstias da população carente:

Regressava ao cabo de seis meses, largava a ciência e dedicava-se inteiramente à sua ocupação natural, a poesia.
Graciliano foi encarado como subversivo pela ditadura Vargas. Mas o seu comunismo não era o mais perigoso. Aliás, mestre Graciliano fazia restrições ao modelo stalinista e mantinha-se distante de exaltações ideológicas. Seu verdadeiro potencial subversivo (e educador) estava na invenção realista de outros mundos. A precisão com que nos fez ver as vidas secas, o cárcere desumano, a infância das crianças nordestinas, o destino de quem é vítima do ciú­me mórbido (Angústia, 1936), ou de quem se afunda na vertigem da ambição desmedida (São Bernardo, 1934) é a precisão de um estilo em que a objetividade enfatiza o poder transformador da imaginação.

Autor

Gabriel Perissé


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