Revista Ensino Superior | Augusto dos Anjos. E das ciências - Revista Ensino Superior
Personalizar preferências de consentimento

Utilizamos cookies para ajudar você a navegar com eficiência e executar certas funções. Você encontrará informações detalhadas sobre todos os cookies sob cada categoria de consentimento abaixo.

Os cookies que são classificados com a marcação “Necessário” são armazenados em seu navegador, pois são essenciais para possibilitar o uso de funcionalidades básicas do site.... 

Sempre ativo

Os cookies necessários são cruciais para as funções básicas do site e o site não funcionará como pretendido sem eles. Esses cookies não armazenam nenhum dado pessoalmente identificável.

Bem, cookies para exibir.

Cookies funcionais ajudam a executar certas funcionalidades, como compartilhar o conteúdo do site em plataformas de mídia social, coletar feedbacks e outros recursos de terceiros.

Bem, cookies para exibir.

Cookies analíticos são usados para entender como os visitantes interagem com o site. Esses cookies ajudam a fornecer informações sobre métricas o número de visitantes, taxa de rejeição, fonte de tráfego, etc.

Bem, cookies para exibir.

Os cookies de desempenho são usados para entender e analisar os principais índices de desempenho do site, o que ajuda a oferecer uma melhor experiência do usuário para os visitantes.

Bem, cookies para exibir.

Os cookies de anúncios são usados para entregar aos visitantes anúncios personalizados com base nas páginas que visitaram antes e analisar a eficácia da campanha publicitária.

Bem, cookies para exibir.

Notícias

Augusto dos Anjos. E das ciências

Para o poeta paraibano, autor de um único livro, "somos o que lemos e lemos aquilo que somos"

Publicado em 10/09/2011

por Gabriel Perissé

O poeta paraibano Augusto dos Anjos (1884-1914) produziu obra inconfundível, alimentada por uma cosmovisão que se formou em diálogo com significativas influências do século 19: o pensamento de Comte, Schopenhauer. Goethe e Hegel; as intuições de Baudelaire e Cesário Verde; as teorias de Charles Darwin, Ernst Haeckel e Herbert Spencer.

A sua poesia nos ensina, portanto, numa primeira aproximação, que nós somos aquilo que lemos e lemos aquilo que somos. Somos "produzidos" por nossas escolhas intelectuais. Aprendemos a pensar e a escrever com a ajuda de outros pensadores e escritores. Os autores que escolhemos como mentores atuam, de fato, sobre a nossa mente, sobre a nossa própria maneira de ser. Augusto dos Anjos é um caso notório de assimilação criativa das leituras que realizava. Só por essa razão já podemos considerá-lo um mestre. Um mestre que nos mostra, na prática, como nasce um autor. Eu, seu único livro, é a síntese do contato que estabelecia com outros "eus"…

Por outro lado, o poeta era professor em sentido estrito, exercendo a docência profissionalmente. Em 1911, no Rio de Janeiro, lecionou geografia, corografia e cosmografia no Ginásio Nacional (atual Colégio Pedro II). E era atuando como professor que o escritor podia sobreviver e dedicar-se à sua estranha poesia, que foi muito mal acolhida pela intelectualidade da época.

O poeta-professor, cuja obra não é fácil enquadrar em algum movimento literário – chamam-no por isso de neoparnasiano, neo-simbolista, pré-modernista… o que pouco ou nada significa -, soube incorporar aos seus versos o vocabulário filosófico e científico de seu tempo, dando-lhe um sentido mais amplo.

"Psicogenética", por exemplo, estudo da aquisição das formas de pensamento pelo indivíduo, transforma-se em "lugar" de onde vem a idéia, essa luz misteriosa que encontra no corpo humano mais um obstáculo do que um canal, e chega enfraquecida, quase morta à "língua paralítica":


Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!
(A idéia)

Augusto dos Anjos parecia fascinar-se não só pelo significado mas também pela sonoridade das palavras científicas, muitas delas proparoxítonas: "cinocéfalos", "hidrópicos", "plastídulas", "teleológica", "morfogênese", "anatômicos", "genésico" e muitas outras. São palavras solenes, talvez um tanto pernósticas, que exigem diminuirmos o ritmo da leitura para saborearmos a sua importância. São, aliás, convite à pesquisa etimológica, criando um vínculo entre conhecimento científico e escavações lexicais.


Inquietações exclamativas


A incorporação dos termos científico-filosóficos é o modo pelo qual Augusto dos Anjos expressa suas inquietações mais profundas, sua consciência com relação à fragilidade do corpo humano, à brevidade da vida, à sua ameaçada existência de indivíduo. Não é chamativo que, ao lado do gosto pelas proparoxítonas, o título da coletânea seja um monossílabo, um mísero "eu"?

À visão científica, que tende a encarar friamente a realidade como um conjunto de fenômenos naturais – a doença, a morte, o apodrecimento do corpo -, o poeta associa perplexidade e medo. Andando à noite pelas ruas de Recife, assombrado com sua sombra magra (cf. As cismas do destino), o professor percebe que o conhecimento não pode ser frio e distante. Eis uma aula de ciências magistral, em que se misturam sentimento e objetividade. Na poética augustiana, é possível falar numa "ascensão barométrica da calma" (As cismas do destino). E se evidencia que as leis físicas, a que estamos submetidos, não impedem o sofrimento do ser humano. Os doentes não são coisas materiais apenas. Estas…


[…] dos bacalhaus o óleo não bebem,
Estas não cospem sangue, estas não tossem! (Os doentes)

Sinal inequívoco de que o "eu", apesar de minúsculo, não se deixa enganar pela neutralidade do conhecimento, é o uso obsessivo do ponto de exclamação. Nas 131 páginas da primeira edição do Eu contam-se mais de 550 exclamações! O ponto de exclamação (ou "ponto de admiração") relativiza a idéia de que podemos ser absolutamente objetivos.
O conhecimento, mesmo que controlado pelos critérios mais rigorosos, levará à admiração. Compreender fenômenos, testar hipóteses, privilegiar a matemática, a física, a química e a biologia na busca das verdades, nada disso impede o espanto, quando essas verdades se manifestam. Ou melhor: seria muito desumano se as descobertas científicas não nos conduzissem à admiração!

O soneto
Agonia de um filósofo

reúne sete exclamações:


Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto
Rig-Veda. E, ante obras tais, me não consolo…
O Inconsciente me assombra e eu nele tolo
Com a eólica fúria do harmatã inquieto!


Assisto agora à morte de um inseto!…
Ah! todos os fenômenos do solo
Parecem realizar de pólo a pólo!
O ideal de Anaximandro de Mileto!


No hierático areópago heterogêneo
Das idéias, percorro como um gênio
Desde a alma de Haeckel à alma cenobial!…


Rasgo dos mundos o velário espesso;
E em tudo, igual a Goethe, reconheço
O império da substância universal!

O velário, toldo com que se cobriam circos e anfiteatros na Antiguidade, representa a nossa ignorância. Desvelados os mundos, manifesta-se a substância universal, substância na qual se fundem sujeito e objeto, noção tão cara à concepção de mundo do biólogo alemão Ernst Haeckel, orientado pelos mestres Goethe (séculos 18-19) e Spinoza (século 17).


O último verso


Num de seus poemas mais conhecidos, Buda moderno, Augusto dos Anjos estabelece o diálogo final entre ciência e consciência, entre o doutor e o poeta:


Tome, Dr., esta tesoura, e… corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?

A dissolução da vida não deve mais preocupar o poeta. Seu misticismo moderno consiste em reconhecer como incontestável o movimento da natureza: a podridão é regida por uma dinâmica superior aos indivíduos. Tudo o que existe se pulveriza. Mas o poeta, criador ele também de uma realidade, a literária, aprendeu que nela resiste algo de imorredouro. E por isso escreve:


Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpértuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!



Gabriel Perissé

é doutor em filosofia da educação (USP) e professor da Universidade Nove de Julho (SP) (



www.perisse.com.br



)

Autor

Gabriel Perissé


Leia Notícias

pexels-thisisengineering-3861969

Inteligência artificial pede mão na massa

+ Mais Informações
pexels-george-milton-6953876

Mackenzie cria estratégia para comunicar a ciência

+ Mais Informações
Doc Araribá Unisagrado

Projeto do Unisagrado na Ti Araribá faz 26 anos e ganha documentário

+ Mais Informações
pexels-andrea-piacquadio-3808060

Mais de 100 IES foram certificadas com selo de incentivo à Iniciação...

+ Mais Informações

Mapa do Site

Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga. Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga.