Adolescentes se tornam mais independentes, responsáveis e comunicativos em período de estudo no exterior
Publicado em 10/09/2011
Jay Goman, o professor, prometeu ensinar o "segredo do beijo" no dia seguinte. Mas, como os alunos viriam a descobrir, não havia ali nenhuma espécie de malícia. The KISS Formula ("Keep It Simple and Straight forward", algo como "seja simples e direto") consistia apenas no exercício de escrever instruções cotidianas, como amarrar o tênis, fritar um ovo ou tirar fotografias.
A atividade integra o curso de inglês avançado do programa de intercâmbio cultural canadense Ridley College, coordenado pelo Canadian International Student Service (CISS). O objetivo é estimular o aprendizado do idioma, por meio de aulas diárias com professores nativos, atividades de integração entre jovens de diferentes culturas e excursões turísticas.
Durante três semanas, os adolescentes (entre 14 e 17 anos) ficam hospedados num colégio de nível secundário, com arquitetura do século XIX, localizado em St. Catharines – região de Ontário, a aproximadamente uma hora e meia de Toronto. Segundo Michael Reilly, diretor de marketing do CISS, a idéia surgiu em 1979.
Os 11 programas de verão desenvolvidos pela organização contam, atualmente, com a parceria de 25 países. Nas férias escolares do Brasil, entre 6 e 30 de julho, 60 alunos (e amigos) do colégio paulista Pueri Domus, acompanhados por três professores, tiveram a oportunidade de passar pela experiência em terras canadenses.
Logo na imigração, a conversa engasgada com o funcionário impaciente anunciava a exigência crescente de autonomia que os perseguiria dali para frente. Guilherme Abdallan Mundim, 14 anos, admite que tinha medo de não conseguir se soltar em outra língua. "Com o tempo, percebi que o inglês canadense é muito aberto e dá para entender direitinho", conta, animado.
Arrumar a cama antes do café da manhã, servido às 8h, era tarefa obrigatória. Semanalmente, as roupas sujas deveriam ser separadas por cor e enviadas à lavanderia. Lucas Tafner Zahed, 14, preferia lavar as suas no chuveiro mesmo. "Meus pais me ensinaram assim. Cada dia eu levo um bloco para o banho e esfrego com sabonete líquido, que é o que eu tenho." Num varal improvisado no quarto, as meias secavam ao vento da janela.
Quando era preciso comunicar-se com os meninos e meninas da Rússia, República Dominicana, Espanha, Grécia ou França, valia até mímica. "Se você for tímido e não falar com ninguém, perde a chance", diz Felipe Rama, 13. E até o simples ato de jogar bola, segundo Felipe Teixeira, 14, demanda o exercício constante do inglês para que os participantes consigam se entender.
Como em toda viagem sem os pais, os contratempos também precisavam ser contornados sozinhos. "É fácil reclamar e não fazer nada. Eu gosto de resolver, sem depender de ninguém. Não poderei contar com alguém para me proteger para sempre", justifica Pedro Marchi Mendonça, 14, argumentando que o olhar das pessoas muda quando percebem que você tem atitude. Por outro lado, é importante desenvolver a flexibilidade. "Eu ando bem mais tolerante, embora não deixe de me impor quando necessário", comenta Marina Dias Jacinto, 17.
Fazer-se compreender pelos vendedores e administrar o dinheiro (principalmente na hora de escolher os passeios extras e transitar entre as prateleiras sedutoras das lojas da cidade) completavam os desafios. "A gente tem que pensar que tudo o que está comprando; aqui custa o dobro do preço", insistia Marina com as meninas.
Mais difícil do que se adaptar às regras era acostumar-se com o tempero picante da cozinha do refeitório. "Nunca mais reclamarei da repetição do arroz com feijão em casa", diz Marcela Guzovsky, 14. Lais Aguiar, 14, vai ainda mais longe: "Nunca mais reclamarei de comida nenhuma. Agora, aceito qualquer coisa." Quem não fosse com a cara da única opção de prato disponível estava fadado a passar fome. "Frescura é frescura, fora do nosso mundinho não dá para ser mimado", opina Carolina Radziuk, 16. Lucas, porém, não se incomodou em recorrer aos Cup Noodles do mercado do bairro, cozinhando-os na água quente da torneira do banheiro.
Se em casa o que eles mais querem é ficar com os amigos, Daniela Barros, 14, admite que no colégio sentia falta da família. "Nunca passei tanto tempo assim longe dos meus pais. É difícil conviver só com os colegas em períodos longos", desabafa. Nos momentos de aperto, resta a ajuda mútua, pois, como define Victória Panzan, 14, "está todo mundo no mesmo barco". "Daí, nasce a habilidade de conciliar melhor os tempos da vida", garante Felipe Rama.
Uma outra habilidade, ainda, se mostraria essencial: a da divisão. "Dois banheiros para todo mundo tomar banho e com a porta aberta foi complicado", lembra Juliana Rodrigues Ramos, 17. Ianara Chuvukian, 14, promete não torcer mais o nariz por repartir o quarto com a prima.
"O que a gente mais aprende é adequar-se às situações, porque as pessoas não vão se adequar a você", resume Analisa Caldas, 17. "Aprendemos, também, a cuidar das nossas coisas e nos cuidar. Em casa, sempre tem alguém que se preocupa com tudo. Aqui, se você dormir num chiqueiro, o azar é seu", acrescenta Victória.
As aulas de inglês, divididas em quatro níveis, abordavam desde o trabalho com adjetivos, passando pela criação de contos de fadas, até discussões polêmicas, como a concepção de beleza, o lugar da mulher na sociedade e a legalidade do suicídio. O interesse dos alunos sobre o que estudar era constantemente sondado e os conteúdos procuravam abarcar, sempre que possível, a cultura e a história canadenses.
No nível quatro, após os relatos rotineiros sobre o passeio do dia anterior, a leitura de artigos de jornal e o jogo de soletrar palavras, cada grupo teve de cozinhar um prato típico de seu país, com direito à caminhada ao mercado para a compra dos ingredientes. "O contato com outro idioma deve ser incentivado, pois estimula as funções cerebrais", explica Jay Goman, professor responsável pelas atividades mais inusitadas do programa.
Apesar de as meninas optarem por conhecer o Conservatório de Borboletas e os meninos preferirem o Jet Boating, a visita ao Wal-Mart, todo final da tarde, era o momento mais esperado por todos. "A empolgação não está em ir ao supermercado, mas sim em fazê-lo sem os pais, podendo comprar o que a gente quer, com o dinheiro que a gente tem", esclarece Luis Angel Valtirra, 14.
A família concorda que o investimento vale a pena. "Meu filho Guilherme voltou mais independente, comunicativo e seguro ao falar inglês", diz Elaine Abel. Para Denise Rapacci, Giovanna Madrulha – que sempre foi tímida e introvertida – ficou mais desinibida e confiante em si mesma. Sandra Nerguisian conta que a viagem deixou Gabriela mais calma e próxima.
Segundo o Centro de Educação Canadense (CEC), mais de 170 mil estudantes viajaram ao país para cursar os ensinos fundamental e médio desde 2000. O número representa aumento de 34% com relação ao período de 1995 a 1999. Este ano, o governo canadense estima que 15 mil jovens desembarcarão por lá em busca da qualidade do ensino.
Os investimentos em educação (como porcentagem do Produto Nacional Bruto) superam a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e colocam o Canadá em segundo lugar entre os países do G-8. Nos testes de leitura, ciências e matemática do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), os canadenses aparecem sempre entre os sete primeiros do mundo.
Os brasileiros interessados no intercâmbio cultural podem escolher entre o estudo intensivo de inglês/francês ou matricular-se num programa acadêmico integrado, que conduza a um diploma de ensino médio (high school), caso possuam conhecimentos suficientes do idioma. O convívio com as famílias canadenses propicia, ainda, contato privilegiado com os costumes e hábitos locais.
Cursos de curta duração, nas próprias high schools, também estão entre as opções disponíveis, valendo-se de metodologia dinâmica e interativa, já que o estudante passa a maior parte do tempo em atividades que demandam o uso da língua aprendida em sala de aula. Uma visita à 9ª edição da EduCanadá – que trará mais de 40 instituições de ensino a São Paulo (nos dias 16 e 17 de setembro), Ribeirão Preto (dia 19) e Salvador (dia 23) – pode ajudar a decidir.
A jornalista Beatriz Levischi
viajou ao Canadá a convite da Experimento Intercâmbio Cultural
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