Pequenas reflexões acerca do método e do objeto
Publicado em 10/09/2011
Meninos e meninas: O tema de nossa aula hoje é a “vaca”. A vaca, vocês ainda não sabem o que é, porque essa matéria
ainda não foi dada. Somente sabemos os saberes que se encontram nos livros e são dados na sala de aula. É sobre esses saberes que se fazem as avaliações.
Como Descartes mostrou, a coisa mais importante na procura do conhecimento é o “método”. Método significa “caminho”. Se você pensa que tem um saber, é preciso que saiba o caminho que foi seguido para chegar até ele. O método é o caminho que se deve seguir para chegar a conhecer o objeto que se estuda.
Todo caminho tem um ponto de partida. Qual é o ponto de partida? Devemos começar pelo complexo – o puzzle pronto, montado, ou pelas peças, tomadas uma a uma?
É claro que as peças, tomadas uma a uma, são mais simples de serem compreendidas. É mais fácil compreender os acordes de uma sinfonia, tomados um a um, e os acordes, por sua vez analisados a partir das notas que os compõem, que a sinfonia inteira, de uma vez só. A inteligência procura o simples.
A mesma coisa pode ser dita de uma obra literária. É muito mais científico estudar Grande sertão – veredas a partir das palavras que a compõem – o que pode ser feito com facilidade com a ajuda da gramática e da análise sintática – que compreender a obra inteira. Ela é muito grande, muito complexa…
Esse foi o caminho usado pela ciência moderna. Imagine que a realidade é uma peça de mortadela. O que a ciência fez foi tirar fatias dessa mortadela em cortes verticais, oblíquos, horizontais para compreender o todo. É isso que faz a matemática, mãe de todas as ciências. Ela toma o complexo em suas múltiplas variações e o reduz a fórmulas simples, válidas em todas as situações. Não é isso que fazem a física, a química – que vai em busca das “peças” que compõem esse puzzle chamado realidade -, a astronomia, a biologia?
Aplicando-se isso ao nosso objeto, surge a pergunta: as vacas podem ser vistas em toda a sua infinita complexidade – milhões de partes, encaixes, movimentos, reações – comendo capim pelos pastos. Mas elas, nessas condições, não são objeto de conhecimento pela precisa razão dessa misteriosa complexidade. A complexidade é sempre misteriosa, está além da razão. Temos, então, por exigência do método, de procurar as partes simples da vaca, animal que será conhecido quando essas partes simples forem ajuntadas.
E onde encontramos a vaca em suas partes simples? Nos açougues. O açougue é o lugar onde se vêem, expostas na sua simplicidade, as partes simples das vacas: ossos, costelas, couro, miolo, bofes, fígado, rins, picanha, filé, coxão mole, coxão duro, músculos, lombo, rabo, língua, sem mencionar os chifres, que não são comestíveis.
Estudadas todas as partes da vaca, sua composição, tamanho, peso, conexões, vem então a segunda parte. Como num puzzle: tomam-se as milhares de peças e trata-se de encaixá-las umas nas outras para produzir o todo. O todo é a soma das partes. Da mesma forma, o que há de se fazer agora é tomar todas as partes da vaca e ir costurando cirurgicamente umas nas outras, nos lugares precisos. Ao final desse processo temos, então, reconstituída a vaca na sua totalidade. Compreenderam o método para se conhecer uma vaca?
Um menininho levantou a mão. “Professora: Conheço bem as vacas porque moro numa fazenda. Sou até amigo de uma delas, mansinha… E sei que elas são vacas só de olhar pra elas. Nunca usei o método que a senhora ensinou para conhecer as minhas vacas…”