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Os materiais que usamos em nossa morada são extensões de nosso corpo
Publicado em 10/09/2011
A inteligência tem uma orientação ecológica. Ecologia é uma palavra derivada da palavra grega oikia, que quer dizer "casa". No início, a pesquisa é bem prática e imediata: a busca dos materiais para fazer a casa. Resolvido o problema inicial, a pesquisa se amplia. O corpo precisa conhecer os arredores, rios, montanhas, matas, porque, para sobreviver, não pode ficar metido na sua toca. Esse espaço é o "quintal" da casa. É preciso conhecer os sinais do tempo. A sobrevivência no verão é diferente da sobrevivência no inverno. É preciso conhecer os hábitos dos bichos e dos peixes, para serem caçados e pescados. É preciso conhecer as propriedades alimentícias e medicinais das plantas. Pelo conhecimento, o espaço da casa se amplia. O homem pode sair de sua casa sem se perder. Pode sair de sua casa para sobreviver. Mas ele volta sempre.
A concha que o nosso corpo mole produz, assim, não é feita só com materiais físicos. É feita com conhecimento. Por vezes esse conhecimento fica mais duro que as conchas dos moluscos – havendo sempre o perigo de que ela se transforme numa prisão, como uma concha que não se abre. Conheço muitas pessoas assim.
A inteligência é uma corda esticada entre dois pontos. De um lado, a necessidade: construir a casa. Do outro, os materiais disponíveis. As primeiras casas foram grutas. Gruta é uma casa pronta. Não precisa ser inventada. É só entrar dentro dela. Mas nos lugares onde não há grutas foi necessário construir grutas artificiais. A inteligência dos esquimós produziu o iglu, concha maravilhosa feita com blocos de gelo. Lá dentro é quentinho. Curioso que dentro de uma concha de gelo faça calor! Nos países frios, os pássaros se abrigam dentro dos iglus naturais que a neve faz sobre os arbustos. Os esquimós jamais pensariam em construir casas de madeira ou de lona porque esses materiais não são encontrados no mundo em que vivem. E os beduínos, no deserto, jamais poderiam imaginar um iglu. No deserto não há gelo. Nem fariam uma casa fixa: são tribos errantes. Suas casas são tendas de pano que podem ser desmontadas e transportadas. Populações que moram à beira de rios sujeitos a enchentes logo perceberam que suas casas deveriam ter pernas de pau: inventaram as palafitas. Que coisa interessante seria estudar, com as crianças, os vários tipos de casa. A necessidade de construir casa é universal. Mas dessa necessidade surgem as mais diferentes "ciências" do mundo, em função dos materiais usados para a construção das casas.
Casas são extensões do corpo – prolongamentos dos nossos órgãos. Anote isto: o corpo é egoísta; pensa e age no sentido de viver. Por isso, pensa e age praticamente. O que não é prático, ignora – esquece.
Os materiais com que a casa é construída – paredes, teto, portas – são extensões dos meus ossos e músculos. As janelas são extensões dos pulmões e dos olhos. O fogão de lenha, em sua função de aquecer, é uma expansão da pele. Mas na sua função de cozinhar ele é uma extensão da boca (o gosto bom da comida) e do aparelho digestivo: comida cozida ajuda a digestão. A casa está cheia de uma infinidade de objetos que usamos constantemente. Faça, com os seus alunos, um inventário desses objetos, da caixa de fósforos ao computador! Cada um desses objetos é um mundo. Cada um deles é produto de invenção. Cada um deles está cheio de inteligência. Uma casa que provoca a inteligência deve estar cheia desses objetos.
Rubem Alves
Educador e escritor
rubem_alves@uol.com.br