Utilizamos cookies para ajudar você a navegar com eficiência e executar certas funções. Você encontrará informações detalhadas sobre todos os cookies sob cada categoria de consentimento abaixo.
Os cookies que são classificados com a marcação “Necessário” são armazenados em seu navegador, pois são essenciais para possibilitar o uso de funcionalidades básicas do site....
Os cookies necessários são cruciais para as funções básicas do site e o site não funcionará como pretendido sem eles. Esses cookies não armazenam nenhum dado pessoalmente identificável.
Cookies funcionais ajudam a executar certas funcionalidades, como compartilhar o conteúdo do site em plataformas de mídia social, coletar feedbacks e outros recursos de terceiros.
Cookies analíticos são usados para entender como os visitantes interagem com o site. Esses cookies ajudam a fornecer informações sobre métricas o número de visitantes, taxa de rejeição, fonte de tráfego, etc.
Os cookies de desempenho são usados para entender e analisar os principais índices de desempenho do site, o que ajuda a oferecer uma melhor experiência do usuário para os visitantes.
Os cookies de anúncios são usados para entregar aos visitantes anúncios personalizados com base nas páginas que visitaram antes e analisar a eficácia da campanha publicitária.
Os perigos da instrumentalização
Publicado em 10/09/2011
Na coluna anterior procurei explorar os paradoxos decorrentes de uma concepção de ‘qualidade de educação’ que a vincula de forma imediata e fundamental a supostos meios de ascensão social e econômica, como a aprovação em exames vestibulares concorridos. Ao assim fazer, argumentava, destitui-se a experiência educativa de um sentido formativo próprio em favor de sua transformação em simples meio para a obtenção de um fim econômico que, paradoxalmente, não é buscado por qualquer valor intrínseco, mas como um novo meio para outros fins…
Caso se tratasse de um mero equívoco lógico e conceitual, suas consequências não ultrapassariam as empobrecidas discussões acadêmicas. Mas, impregnada em nossas representações e práticas escolares, essa concepção instrumental do papel da educação tem penetrado de forma perversa o cotidiano das escolas e os rumos das políticas públicas de educação. Tome-se como exemplo a identificação direta e imediata que se faz entre o desempenho em testes de rendimento da aprendizagem (Saeb, Enem, Saresp) e ‘qualidade da educação’. É evidente que a ‘qualidade da educação’ deve se materializar em aprendizagens que ampliem os conhecimentos dos alunos e ofereçam novas formas de atribuir sentido a suas experiências no mundo. É igualmente evidente que a posse de instrumentos confiáveis nos permite medir de forma relativamente fidedigna a posse de uma informação ou o grau de desenvolvimento de uma capacidade ou competência. O mesmo não se pode dizer do sentido educativo de uma experiência, como ler e interpretar uma poesia com seus alunos.
Experiências educativas não são mensuráveis por testes supostamente capazes de traduzir em grandeza matemática o rendimento da aprendizagem, embora possam ser estimadas a partir das experiências e expectativas de professores e alunos. De modo geral, professores e alunos sabem discutir e ajuizar sobre a excelência ou a pobreza de uma aula ou atividade. São potencialmente capazes de avaliar, ainda que só de forma retrospectiva, o impacto formativo de uma experiência ou o valor de um tipo de convivência que se estabelece no cotidiano das relações escolares. Abdicar dessa capacidade de julgamento crítico – e mesmo de seu dever – já deve ser considerado como indício de um grave fracasso no que concerne à qualidade de um processo educativo. E, no entanto, essa parece ser uma das consequências da adoção generalizada e acrítica desse tipo de teste como parâmetro único ou maior da ‘qualidade de educação’.
Mas há outras. Corremos o risco de transformar as atividades escolares em meros exercícios de treinamento para testes. De passar a adotar materiais didáticos menos pela convicção de seu valor cultural do que por sua suposta eficácia na preparação dos alunos para essa modalidade de avaliação. Se caminharmos rumo a uma escola na qual professores se vejam privados da oportunidade de criar critérios, julgar, escolher e se responsabilizar por suas escolhas, pouco adiantará nossa retórica acerca de objetivos educacionais como a autonomia, a responsabilidade e o espírito crítico. Parodiando Antonio Vieira, o ensinar que é falar, faz-se com a boca; o ensinar que é formar faz-se com a mão. Para instruir, bastam palavras; para formar o caráter são necessárias obras.
José Sérgio Fonseca de Carvalho
Doutor em filosofia da educação pela Feusp
jsfc@editorasegmento.com.br