Em disputa pelo monopólio da jovialidade, adultos e mais novos têm lugares e papéis justapostos ou invertidos
Publicado em 10/09/2011
Julio Groppa Aquino |
Responsabilizar os mais novos pelos reveses do mundo é, talvez, um dos perjúrios mais flagrantes da presente geração de adultos, principalmente dos profissionais da educação. Uma prática revanchista e insidiosa que só o cinema, às vezes, parece disposto a recusar. Daí que, quando retratada de modo não moralista, a juventude costuma render roteiros cinematográficos memoráveis. Três deles, em particular, aguçam a sensibilidade de quem ainda dela dispõe: Ken Park, Aos treze, e Elefante*. Em comum, narram a saga de personagens, diriam, severamente desajustados. Mais tarde, descobrir-se-á que seus atos nada são além de uma caixa de ressonância dos descaminhos da vida adulta, da qual são protagonistas de cabresto.
Por meio de tais obras, obtém-se um painel hiper-realista da situação de vulnerabilidade que, em maior ou menor grau, acomete as novas gerações; situação traduzida numa crueldade non-stop, auto e heteroimpingida, que ultrapassa em muito a imagem de antagonismo geracional supostamente típica dos tempos juvenis.
Marcadas por um mimetismo caricatural das imposturas dos adultos, as existências ali retratadas despontam como o negativo fotográfico de uma parcela crescente de jovens deixados à própria sorte e, concomitantemente, de um universo adulto atravessado por pendências morais insolúveis para com aqueles.
O que há de singular nos três filmes é o fato de que estaríamos diante menos de uma juventude degenerada, e mais de um quadro de desagregação das práticas sociais que antes ofereciam e, ao mesmo tempo, delimitavam as possibilidades de subjetivação aos mais novos. Estes não mais se inspiram no modelo adulto, tampouco se rebelam contra ele, mas reproduzem compulsoriamente suas mazelas. Disso decorre que há em curso um processo de diluição das fronteiras que distinguiam as experiências características do jovem daquelas do adulto, redundando numa deriva subjetivante aos que chegaram depois.
Em disputa pelo monopólio de uma certa jovialidade de máxima extensão, mais velhos e mais novos vêem seus lugares e papéis justapostos, às vezes invertidos – donde a vivência juvenil tornada uma espécie de simulacro de determinadas experiências limítrofes do mundo adulto (mormente aquelas ligadas ao sexo, às drogas e à violência), segundo as quais o viver passa a ser calculado por sua intensidade, e não mais por sua durabilidade. Encarcerados num presente reiterativo, só lhes resta uma subtração aflitiva das experiências sensoriais, matéria bruta de um viver volátil e instantâneo. Um império dos sentidos particular.
Admitamos, pois, que não há sustentabilidade para a juventude – e, conseqüentemente, para o mundo público – sem uma certa antevisão de futuro que congregue alguma coerência e estabilidade, mínimas que sejam. Sem elas, cai por terra também o imprescindível embate narrativo entre as gerações, aquilo que costumava chamar-se educação. Quem viver verá.
Ken Park (de Ken Park, 2002, Califórnia Filmes);
Aos Treze (de Katherine Hardwicke, 2002, Fox);
Elefante (de Gus Van Sant, 2003, Warner)
Julio Groppa Aquino
Professor da Faculdade de Educação da USP –
juliogroppa@editorasegmento.com.br