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Entre aspas

"Você recorre demasiado a metáforas e também exagera nas aspas! Deve pôr mais notas nos seus textos, citar autores, indicar bibliografia. Deve procurar ser menos metafórico."

Publicado em 10/09/2011

por José Pacheco




Assenti: é bem verdade que o faço. Quem escreve sobre educação numa linguagem limpa, sem aspas, arrisca-se a acabar os seus dias no divã do psiquiatra.

Por isso, com o objetivo de escapar ao linguarejar "objetivo", reincido no uso excessivo das aspas. Ofereço-vos um arremedo de "taxinomia" dos professores que passaram pela Ponte, nos últimos 30 anos, e uma sugestão de "trabalho para casa".

Na Ponte, como em outras escolas, há professores que tomaram consciência da obsolescência da escola "tradicional" e os que "nunca perderam tempo a pensar nisso".

Os primeiros dividem-se em dois tipos: os que tentam melhorar a sua prática, e estes são os "bem-intencionados"; e os que se fazem de desentendidos, que sabem que devem mudar mas não mudam, e estes são os "cínicos" (nesta tipologia, quase dispensaria as aspas, mas mantê-las-ei só para arreliar os críticos).

Os "bem-intencionados" subdividem-se entre "praticistas", "modistas" e "inovadores".

Os "praticistas" crêem que, para melhorar o seu desempenho, basta o "jeitinho" e a "experiência acumulada". Por sua vez, estes poderão ser divididos em dois subtipos: os que conseguem efeitos inconseqüentes, que pouco ou nada mudam no essencial – os "imediatistas artesanais"; e os que desistem de modificar a sua prática, porque "já não estão em idade para se meterem em aventuras" – os "desistentes crônicos".

Os "modistas" copiam "modas pedagógicas", enfeitam o "tradicional" com modernos artefatos, criam a aparência de novo, são uma espécie de "construtivistas não-praticantes". Subdividem-se em duas espécies: os "travestis pedagógicos", que se mantêm na segurança do ensino transmissivo oculto sob o manto diáfano de um cenário de modernidade; e os "militantes sazonais", que mudam de moda em conformidade com a que estiver mais "in", com a justificação de que o que tinham tentado fazer não resultaria "porque nem na Europa resultou".

Os inovadores são uma espécie rara. Poderemos considerá-la mesmo em vias de extinção. Dividem-se entre "neutralizáveis"e "resilientes".

Os "neutralizáveis" são os alvos preferidos dos "porquenãos"1 , que lhes destroem os projetos e, não raras vezes, a saúde mental. Os "neutralizáveis" são dignos de alinhar ao lado de um Ferrer fuzilado, ou de uma Louise deportada, numa "martiriologia" cujo rol só não se alonga, porque longe vai o tempo da inquisição que imolou Giordano e assustou Galileu.

Os "resilientes" lograram encontrar uma "gramática da sobrevivência dos projetos", que lhes permitiu escapar à sanha dos "porquenãos" e ludibriar o sistema.

Coloquei 33 palavras e expressões entre aspas, sem pretender figurar no Livro de Recordes do Guiness. Proponho que os leitores ponham ciência no lugar da metáfora, e um discurso limpo no lugar das aspas. A terminologia que utilizei carece de uma melhor definição de conceitos, por exemplo, com recurso aos "ideais-tipo weberianos". Será tarefa para alguém mais entendido que eu, que não passo de um "inovador resiliente" (aposentado) e mero "aprendiz de utopias" (e com estas aspas já vou em 36!…).


(1) Para que não me critiquem por não usar notas de rodapé, direi que estas aspas requerem uma explicação, que poderá ser achada nas cartas que enviei à minha neta. E, para que se saiba que também sei fazer referências bibliográficas, acrescento que a obra que contém referências aos "porquenãos" tem por título Para Alice, com Amor e foi publicada pela Cortez Editora.




José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)



josepacheco@editorasegmento.com.br

Autor

José Pacheco


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