Tecnologia também contribui para decisões estratégicas das instituições de ensino
Publicado em 10/09/2011
Jânia do Valle: para as crianças, o mouse é como se fosse o lápis |
Uma senha, um login e uma saudade. Com essa combinação, os pais podem ver seus filhos pela tela do computador nos horários de recreação no Colégio Augusto Laranja, em São Paulo. É que existem duas câmeras no pátio e no parque da unidade de educação infantil que podem ser acessadas via web site da escola. "Essa medida trouxe um ganho muito grande para pais que viajam", avalia Jânia do Valle, diretora de informática do Augusto Laranja. "Certa vez, uma avó que estava em Israel queria ver o neto. A senha foi passada e ela conseguiu vê-lo brincando no parque", conta.
A instalação das câmeras, segundo Jânia, é a evolução de um serviço criado para tranqüilizar os pais dos pequenos alunos até seis anos de idade. "As crianças vêm para a escola a partir de um ano e meio de idade e os pais ficam receosos de deixar uma criança pequenininha, se ela vai chorar", relata. "Antes, passávamos mensagens para os bips. Mas nada tão fidedigno quanto uma imagem."
Esse é um dos exemplos de como a tecnologia marca presença no cotidiano no colégio, que tem duas unidades na capital paulista e cerca de 800 alunos. Da 5a série até o ensino médio, os professores contam com o diário ótico, equipamento no qual registram situações como ausência em sala de aula, indisciplinas e esquecimento de tarefas. Uma leitura ótica transforma essas observações em arquivos, que são colocados na internet. "O pai tem uma senha e pode ver como foi o dia do filho na escola", explica Jânia. O aluno também recebe uma senha para consultar as notas pela rede, antes de recebê-las em mãos, bem como para pesquisar e reservar os livros da biblioteca. Algumas aulas são dadas em uma sala com lousa eletrônica. "O professor pode gravar a aula e colocá-la na internet para o aluno não ter de ficar anotando", diz.
Paulo Magalhães: o aluno passou a ser mais exigente |
A próxima inovação tecnológica será um cartão eletrônico de merenda no qual o pai carrega um valor por semana e o aluno vai debitando conforme efetua as compras. A implantação está prevista para este ano. "O pai fica mais tranqüilo porque tem mais controle do que está gastando e a criança vai aprender a fazer as compras, a ver quanto tem na conta. Isso faz com que aprenda a controlar o dinheiro", avalia a diretora de informática. Ela aponta outro benefício do sistema. "O sanduíche natural, por exemplo, vai ter um determinado código. O cartão vai registrar e pela internet o pai vai saber o que o filho comeu. Isso contribui para desenvolver hábitos de alimentação mais saudáveis."
O que acontece no Augusto Laranja é um reflexo da tecnologia cada vez mais presente em diversas vertentes da vida social. "Os pais usam a tecnologia e, para as crianças, o mouse é como se fosse o lápis", observa Jânia. No âmbito educacional, a incorporação de tecnologias ampliou os hábitos de ensino e de aprendizagem, que hoje tem um manancial de recursos que vão muito além do giz e do quadro-negro. E isso não se restringe a quem está começando a vida escolar.
Ambiente corporativo
No Ibmec-SP, escola que prepara empresários e executivos, o uso do laptop é obrigatório desde 1999. "Cada vez mais, recebemos alunos mais orientados para o uso de tecnologia. O mundo está caminhando para essa direção. As empresas demandam o uso de sistemas e de softwares. Ao colocarmos a tecnologia à disposição, apoiamos o aluno num ambiente com o qual ele conviverá nas empresas", diz José Antonio Capito, diretor de operações do Ibmec-SP.
No novo campus da escola, a tecnologia está, literalmente, no ar. "Colocamos pontos de rede em todas as salas de aula e wireless para que seja possível acessar os sistemas da rede acadêmica de qualquer lugar do campus pelo laptop", explica. A arquitetura do local abriga uma infra-estrutura tecnológica que vai de sistemas de automação predial, rede de telefonia com Voz sobre IP (VoIP) até o controle de acesso à escola por meio de biometria. "Com a digital do aluno, evitam-se idas e vindas de cartões magnéticos ou extravios", conta Capito.
Mas não foram apenas os hábitos de ensino e aprendizagem que mudaram. A tecnologia promoveu mudanças profundas na gestão estratégica das instituições de ensino. O cenário do setor adquiriu novos contornos. "Há uma maior concorrência entre as instituições, que proliferaram. E os ‘provões’ mostram que a qualidade tem melhorado. O aluno passou a ser mais exigente também", explica Paulo Magalhães, diretor-geral da RM Sistemas.
Isso fez com que as instituições não só atentassem para a qualidade do ensino, como também se preocupassem em oferecer novos serviços aos alunos e, sobretudo, ter uma gestão mais eficaz. "É preciso estar sempre se reinventando, se renovando, melhorando para que continue a crescer e não perca para a concorrência. Em qualquer ramo do negócio, ter uma gestão otimizada, diminuir custos, ter agilidade já não é mais uma vantagem competitiva. É imprescindível. Virou condição sine qua non para estar no mercado", analisa a professora Elisa Wolynec, diretora da Techne Engenharia e Sistemas.
Rodrigo Guimarães: agora há velocidade nas informações estratégicas |
Diante de tais necessidades, os softwares de gestão, conhecidos como ERP (sigla em inglês de Enterprise Resource Planning), passaram a fazer parte das instituições de ensino. "Há cinco anos, metade das instituições de ensino superior no Brasil ainda não tinha software de gestão administrativa, o ERP. Hoje, raramente se vê uma IES que não tenha algum software de ERP instalado. Nas escolas de ensino básico, é um pouco menos, mas há muitas utilizando", relata Ryon Braga, presidente da consultoria Hoper Educacional. "Na parte de administração, praticamente todas as instituições têm softwares acadêmicos, que são para gerenciar o processo do aluno, a formação de turmas, a divisão de aulas dos professores e os lançamentos de notas e de faltas. Isso criou um mercado para as empresas de tecnologia muito rico", avalia.
E as soluções tecnológicas também tiveram de evoluir para atender às demandas do setor. Magalhães relata que, originalmente, o software de gestão tinha o objetivo de contribuir para que o gestor colocasse o foco no negócio. "Agora, a preocupação é também contribuir para um melhor atendimento do aluno. Na medida em que a instituição atende melhor o aluno, consegue captar mais alunos e fidelizá-los", observa.
Subutilização
Na Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), o sistema de gestão auxilia a tomada de decisões, como a de lançamento de novos cursos. "Com a compra do sistema, agora há velocidade nas informações estratégicas. Para saber quanto custa um curso, era preciso saber qual o rateio do professor para aqueles cursos, informação que não tínhamos", conta Rodrigo Guimarães, gerente de tecnologia e informática da Unicid. "Hoje temos. ‘Quantas horas o professor fez para o curso tal? Então a gente precisa cobrar tanto.’ O novo sistema permite uma decisão que é: ‘Esse curso é viável? Então, vamos continuar com ele. Se não for, quanto teria de ser cobrado para que desse a margem desejada?’", explica.
Elisa Wolynec: web sites feitos por pessoas de informática sem envolver ninguém de marketing e de gestão |
Quando a decisão é pelo lançamento do curso, as informações fornecidas pelo sistema também contribuem para o planejamento do marketing. "Vejo o perfil do curso, onde está esse público, qual é a verba destinada para divulgação. Quando eu vou conversar com o diretor do curso, já tenho condição de levar toda a estratégia de divulgação", comenta a gerente de comunicação e marketing Lúcia Ribeiro.
Apesar de crescentemente adotados pelas entidades de ensino, os sistemas de gestão ainda estão subutilizados, na opinião de Ryon Braga. "Alguns desses softwares de ERP têm módulos de BI (Business Intelligence) e raramente alguma instituição de ensino usa os relatórios que podem ser gerados para uma tomada de decisão", comenta.
O consultor dá um exemplo hipotético de uma instituição que esteja com planos de expansão. "No software, há os alunos cadastrados e os endereços deles. A instituição poderia constituir um relatório facilmente para saber de quais bairros da cidade eles estão vindo e onde trabalham. Na hora do cruzamento, pode surgir que a previsão inicial de colocação do campus está totalmente errada. Se pegar esse cruzamento com a demanda de clientes, outros bairros podem surgir como melhor opção para fazer essa expansão." Braga frisa que de nada adianta adquirir tecnologia sofisticada, se não for utilizada com inteligência gerencial.
Os benefícios proporcionados pela solução tecnológica podem ser significativos, mas estão longe de ser uma panacéia para os desafios gerenciais. "As instituições, em geral, tinham uma gestão não muito profissionalizada há uns cinco anos. A palavra de ordem era ‘vou comprar um ERP’ e isso iria resolver todos os problemas", conta Elisa. "Uma indústria automobilística, por exemplo, pode ter o melhor ERP do mundo, ter o melhor RH, ter a contabilidade automatizada. Mas se os sistemas de robótica, de mecatrônica forem inadequados para a montagem no chão de fábrica, a empresa vai naufragar."
Elisa afirma que o êxito de uma instituição está diretamente ligado à sua atividade essencial. "A forma de ensinar, a pedagogia que é introduzida, aí é que estão os diferenciais. Mesmo na educação básica, as instituições de sucesso têm um material pedagógico bom. Algumas, percebendo essa vantagem competitiva, criaram franquias ou cadeias de associados e vendem o material pedagógico que elas produzem, porque o segredo está aí", observa.
Qualidade no atendimento
Além da excelência demonstrada nas salas de aula, a boa gestão também contribui para o desempenho da entidade. "O fato de ter uma gestão mais eficaz vai ajudar na redução de custos, que pode ser repassada para o valor da mensalidade, tornando-a mais competitiva. Essa é uma cadeia lógica", explica Braga. Os impactos também se fazem notar no marketing. "Ao ter um gerenciamento melhor, o aluno fica mais satisfeito. E o aluno satisfeito é um importante elemento de marketing de atração de novos alunos."
Em termos de prestação de serviços, Magalhães, da RM, aponta como tendência daqui para a frente o aumento da disponibilidade de serviços de auto-atendimento pela web. "O melhor atendimento está associado à redução de custo. Quando o aluno fica na fila, ele perde um tempão e a escola precisa ter alguém ali para atendê-lo. O auto-atendimento é uma forma de unir o útil ao agradável", comenta.
Braga, da Hoper, avalia que o software de gestão já virou commodity, não é mais um diferencial competitivo. Ele considera que a diferenciação passará a ser a tecnologia aplicada ao processo de ensino-aprendizagem. "No ensino superior, algumas instituições estão começando a utilizar o modelo da aula estruturada", acredita Braga. Ele avalia que isso "nada mais é do que ter uma ferramenta tecnológica que possibilita aos professores colocarem no portal da instituição o conteúdo da aula com antecedência". O consultor explica que "com o login e a senha, o aluno do curso de administração, por exemplo, clica em ‘teoria geral de administração’ e tem as aulas inteirinhas dessa disciplina: os exercícios que o professor deu, link para outros sites, referências bibliográficas, artigos. Ele chega na aula pronto para discutir com o professor".
Braga salienta como essas inovações mudaram o ambiente da sala de aula: "Imagine o modelo antigo em que o professor enchia o quadro-negro, o aluno copiava tudo para depois começar a discutir." Para ele, hoje há "um outro nível de aproveitamento, não só de tempo, como da dinâmica da aula e da experiência do professor. Este deixa de ser um retransmissor de informações para poder ajudar a construir as correlações do conhecimento do aluno". E completa: "Quando todas estiverem usando, haverá um ganho de qualidade enorme no setor de ensino superior ".
DEVER DE CASA
Mesmo depois de formado, o aluno do Ibmec-SP pode continuar como membro da comunidade que existe no portal da instituição e dispor de uma série de serviços. "É um espaço em que as empresas podem colocar as vagas disponíveis. E o aluno pode postar o seu currículo, manter contato com os colegas e obter informações sobre os eventos na escola", explica José Antonio Capito, diretor de operações. O objetivo é bem definido: "A gente busca manter o relacionamento com o aluno durante a vida acadêmica e, depois, que ele se relacione conosco ao longo da sua vida", diz.
Para o presidente da consultoria Hoper Educacional, Ryon Braga, uma das maiores lacunas no uso da tecnologia está justamente no marketing. Ele conta que os softwares de database marketing e os de CRM (sigla em inglês para Customer Relationship Management) passaram a figurar no setor educacional há cerca de dois anos. "São ferramentas importantes ligadas à gestão, o CRM, então, é crucial. Porque o marketing educacional tem como carro-chefe o marketing de relacionamento. Se não há um software para gerenciar esse relacionamento com aluno, ex-aluno e prospect, não há uma estrutura de marketing de relacionamento."
E um simples contato telefônico para a escola pode representar uma oportunidade de ter mais um aluno em sala de aula. "Existem instituições que durante o processo seletivo recebem 10 mil telefonemas, mais algumas centenas de visitas e não cadastram, não adicionam a informação a um banco de dados, não mandam material, não se relacionam", conta Braga.
Os web sites das entidades, que podem ser canais importantes para um primeiro contato, também pouco auxiliam na captação, na opinião de Elisa Wolynec, diretora da Techne Engenharia e Sistemas. "Na maioria das instituições, eu me irrito quando entro no web site", diz. "Tem link quebrado, página fora de ar. Como captar alunos desse jeito?", questiona. Segundo ela, o site tem de refletir o que é a instituição, a missão dela e fornecer claramente as informações sobre os cursos.
A partir de uma navegação por mais de uma centena de web sites de instituições no Brasil, Elisa analisou as falhas mais freqüentes. Uma das que mais chamou a atenção foi a falta de segmentação do público-alvo. "Eles misturam informação do aluno com informação para o prospect, com informação para o docente e aquilo fica uma salada", comenta. A perda de oportunidades de estabelecer contatos foi outro aspecto ressaltado. "Analisamos os sites das cem maiores instituições privadas. Apenas algo em torno de 10% delas cadastravam o aluno que entrava no site. Não havia mecanismos de convidar o visitante a se cadastrar, a receber um folheto." Ela avalia que "com isso, os web sites são feitos por pessoas de informática sem envolver ninguém de marketing, nem da área de gestão". Foram percebidos descuidos ainda mais gritantes. "Houve caso de achar quatro versões do logotipo da instituição. Como vai fixar a marca?", pergunta.