Conferência mostra que ainda é necessário investir em avaliações sobre o impacto das novas tecnologias na aprendizagem escolar
Publicado em 10/09/2011
As tentativas se espalham mundo afora. Um documento produzido em 2006 pela Comissão Europeia em TICs avalia que há três tipos de estudos sendo conduzidos naquele continente. O primeiro, dedicado à avaliação em termos de infraestrutura e acesso, concentra-se na disponibilidade de computadores, número de computadores por escolas e nível de conectividade, entre outros. O segundo, considerado um nível acima do anterior, busca identificar e medir o uso da tecnologia no ambiente escolar e também seu uso doméstico, ambos com fins educacionais. Por último, há poucos que estudam se há ou não uma relação de causa e efeito entre tecnologia e educação. Para justificar a falta de produção nessa área específica, o documento cita a dificuldade encontrada pelos pesquisadores para isolar a tecnologia de todas as outras variáveis que incidem sobre a aprendizagem do aluno.
"Se a tecnologia está dentro de um conjunto de fatores que afetam o desempenho, como posso dizer que ela faz diferença?", questiona Ocimar Alavarse, professor da Feusp. Como fatores que moldam a aprendizagem, Ocimar cita o nível socioeconômico das famílias (e, consequentemente, do aluno) e o trabalho do professor. Para ele, além da tarefa de isolar a tecnologia como variável, é também preciso definir o tipo de uso que está sendo feito do computador. Por exemplo: há uma proposta pedagógica por trás da ferramenta? "O pesquisador precisa ir à escola para entender isso. Apenas um dia de estudo não dará essa resposta. Para a interferência externa ser diminuída, é preciso ficar no mínimo duas semanas ali", avalia.
A professora Leila Iannone, consultora da Unesco, acrescenta outros elementos que dificultariam o trabalho dos pesquisadores. A grande flutuação do corpo docente no sistema público é o primeiro deles. Muitos professores pedem afastamento, remoção ou licença das escolas onde trabalham. "Se você começa um projeto piloto, provavelmente na segunda etapa uma parte do corpo docente será perdida", explica. Outro problema é que, como a cultura avaliativa é recente nessa área, muitos apostam na avaliação ao final do processo e não do processo em si. "No Brasil, ainda é novo avaliar o passo a passo", diz.
Tentativa
Durante o Congresso, Miguel Nussbaum e Patricio Rodríguez, da Escola de Engenharia da Pontifícia Universidade Católica do Chile, apresentaram os resultados de um estudo que realizaram com mais de 200 alunos de nível socioeconômico baixo, provenientes de escolas públicas espalhadas pelo país. A dupla estudou a inserção do Eduinnova nos colégios. O programa é comandado por Nussbaum na PUC desde 2005 e aposta no trabalho colaborativo em grupos pequenos de alunos através de computadores interconectados. O objetivo era avaliar a eficácia do modelo pedagógico, a efetividade da intervenção e a eficiência do programa (no que diz respeito à fidelidade da intervenção, ao custo e ao impacto na aprendizagem dos alunos).
Na primeira etapa da pesquisa, realizada em 2002, os professores avaliaram a eficácia do programa com alunos de 1º e 2º anos do ensino fundamental de uma escola em Santiago. "Em uma aula de matemática, os alunos aprendiam a contar por meio de cartas numeradas. Eles se dispersavam e era difícil para o professor controlar a sala de aula. Quando o computador entra na sala, serve como uma espécie de andaime. O professor pode trabalhar com mais grupos porque eles ficam mais concentrados", explicaram. Na segunda etapa, foram analisadas aulas de física em salas de ensino médio de cinco escolas durante os anos de 2004 e 2005/2006. Nos dois momentos, alunos que usaram a tecnologia e que não usaram tecnologia foram submetidos a avaliações que mediam o quanto haviam aprendido. A partir do cruzamento desses dados, os pesquisadores chegaram aos resultados ("tamanhos do efeito"). Uma das conclusões é que os alunos de professores com alto nível de adoção do Eduinnova produzem melhores resultados de aprendizagem em relação àqueles que têm um nível menor – o tamanho do efeito passa de 0,41 para 0,56 (a escala usada pelos pesquisadores foi de 0,2 a 0,8). Em outras palavras, um mínimo de 13,09% e um máximo de 19% do total de alunos desses grupos ficaram acima da média nas notas dos testes aplicados pelos pesquisadores. "Também pudemos perceber nesse momento que o papel do professor é fundamental, já que aqueles que não se apropriaram adequadamente da tecnologia não tiveram bons resultados", explicam.
A primeira coisa que chama a atenção de Ocimar Alavarse é a falta de familiaridade que esses alunos poderiam ter com a tecnologia. Como o nível socioeconômico é mais baixo, o uso do computador pode ter sido uma novidade para eles. "Se a pesquisa tivesse sido feita com alunos que conhecessem mais a ferramenta, será que a concentração teria sido tão grande?", pergunta. Para Alavarse, o papel do professor como mediador do uso da ferramenta mostra que a tecnologia em si mesmo não resolve o problema da aprendizagem. "Precisamos potencializar o que o computador pode fazer e, para isso, a presença do professor é fundamental. Isso vale para o livro também: é o docente que organiza o uso", afirma.
ENTREVISTA
Um dos especialistas presentes na Conferência da Unesco era Hugo Nervi, da Faculdade de Educação da Universidade das Américas, no Chile. Durante os anos de 2005 e 2009, ele trabalhou na área de competências em TIC e desenvolvimento curricular no Centro de Educação e Tecnologia do Ministério de Educação (Enlaces). A instituição é responsável, entre outras coisas, pelo aumento do acesso à internet nas escolas, política sobre a qual Nervi fala na entrevista abaixo.
No Chile, a tecnologia tem grande alcance nas escolas. Como se configura o uso das ferramentas?
Houve uma inversão muito grande nos últimos quatro anos. Aumentou-se em três vezes a presença da tecnologia nas escolas. De uma relação de 27 alunos por computador, hoje temos 8 alunos por computador. Você tem acesso ilimitado, com a presença de lousas digitais e projetores. Contudo, toda essa infraestrutura corre o risco de não ser usada. Se não existir um plano de uso e de liderança para o emprego da tecnologia na escola, e uma formação docente adequada, a tecnologia não será empregada.
Mas a tecnologia foi incorporada ao currículo da formação dos professores?
A tecnologia entrou na formação inicial dos professores no sentido de orientar, por exemplo, o desenvolvimento de habilidades instrumentais e proporcionar o conhecimento das ferramentas de processamento de textos e de planilhas. O que não falta hoje no Chile é a investigação da inovação pela inovação. Por exemplo: um projeto que elabore o uso de vídeos e jogos no desenvolvimento da leitura em crianças de 8 e 9 anos. Não é isso que buscamos na formação inicial docente. Não queremos professores investigadores de tecnologia. Queremos professores que se apropriem dela como ferramenta de trabalho. Nesse sentido, a integração curricular deveria acontecer em todas as áreas de sua formação. Na formação geral, nas suas especialidades e na formação prática. Assim, os alunos conhecerão a tecnologia com valor pedagógico. A tecnologia tem de formar parte da trama do currículo de formação docente. Em que momento estamos hoje? Há projetos locais em que a inovação é produto de iniciativas pontuais.
E como a escola pode fazer um plano para o uso da tecnologia?
Quando o Ministério da Educação optou por aumentar o acesso, não pretendia entregar a tecnologia irresponsavelmente, como uma medida social. A ideia era apoiar o uso das ferramentas na aprendizagem. A escola recebe tecnologia apenas se justifica seu uso em um projeto educativo. É preciso dizer como e em que ela vai ser utilizada, além estabelecer maneiras para medir seu impacto. Uma coisa está atrelada à outra. Há um formulário on-line que deve ser enviado ao Ministério. É um acordo de uso.
Como podemos explicar a aposta em tecnologia dos governos latino-americanos, se não havia avaliações de impacto amplas?
Há muitas saídas para avaliar o impacto hoje em dia. Pode-se avaliar para medir o impacto na aprendizagem, verificar o uso, medir a apropriação das ferramentas pelos professores. São avaliações distintas. As políticas de cada país têm metas específicas. São elas, as metas específicas, que devem ser avaliadas. Não podemos dizer que não há, em toda a América Latina, resultados de impacto na aprendizagem. Sim, há. Há resultados a partir de projetos locais. O que falta é uma reflexão sobre que tipo de pedagogia a tecnologia gera, para dizer que há uma mudança na aprendizagem.