Cada vez mais, empresas que investem na área social, em especial na educação, se dão conta de que é preciso avaliar a efetividade das ações e apostar na organicidade, mais do que no marketing
Publicado em 10/09/2011
Quem chega à escola estadual José Leite Lopes, no bairro de classe média da Tijuca, no Rio de Janeiro, não faz idéia do cenário que encontrará: exposições multimídia de videogames, salas-ambiente computadorizadas, aulas que mesclam a produção de roteiros para audiovisuais ao desenvolvimento de conteúdos curriculares, conexões sem fio, enfim, um verdadeiro laboratório onde 600 jovens têm a disposição recursos tecnológicos entre os mais modernos de que se pode dispor.
O projeto, denominado Núcleo Avançado em Educação (Nave), é fruto de uma parceria entre o Instituto Oi Futuro e a Secretaria Estadual da Educação do Rio de Janeiro. Envolve universidades, como a PUC-RJ, organizações não-governamentais reconhecidas e educadores de renome como Antônio Carlos Gomes da Costa, um dos formuladores do Estatuto da Criança e do Adolescente, e está longe de ser uma aventura onde se gasta muito dinheiro em pirotecnia tecnológica, apenas para se colher notícias na imprensa.
Trata-se de um bom exemplo de amadurecimento dos investimentos empresariais em projetos de cunho social e embute uma boa notícia para a educação brasileira: as elites empresariais começam a direcionar seu poder de fogo para ajudar a tirar o Brasil da rabeira mundial da educação, pressionando governos, estabelecendo parcerias com o poder público, financiando iniciativas do terceiro setor e desenvolvendo projetos próprios.
Os números comprovam a tese. Conforme o estudo Ação Social das Empresas, publicado em 2006 pela pesquisadora Anna Peliano, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), 600 mil empresas brasileiras investiram, em 2004, cerca de R$ 5,3 bilhões em programas sociais (valores monetariamente atualizados em 2007).
Desse total, estima-se que ao menos R$ 2 bilhões anuais venham sendo aplicados em projetos na área da educação. Um volume de recursos crescente e superior ao investimento realizado na área por muitos estados brasileiros, que vem sendo injetado em projetos de alfabetização, formação de professores, difusão de novas tecnologias, enfim, em áreas estratégicas para o ensino.
"Nem tudo o que é mensuravel é importante, e nem tudo que é importante é mensuravel", lembra Fernando Rossetti, do Gife |
A tendência é de forte crescimento. O estudo do Ipea indicou ainda que 43% das empresas planejavam investir mais recursos em programas sociais. "A participação das empresas na área das políticas sociais vêm crescendo muito. Temos observado também nos debates e nas agendas o aumento da importância dessa parceria. Para isso, é preciso saber quem é o parceiro", explica a pesquisadora Anna Peliano.
Hoje, já estão em curso projetos que mostram amadurecimento, especialmente aqueles que se baseiam na parceria com o poder público, visando a multiplicação da escala dos recursos investidos.
Um bom exemplo desse novo enfoque é o Programa de Educação Afetivo-sexual: um novo olhar, iniciativa da Fundação ArcelorMittal Brasil, que tem o objetivo de oferecer educação preventiva no campo da sexualidade e da saúde reprodutiva, nos municípios que ficam no entorno das unidades de produção das empresas do grupo.
O programa, iniciado em 2000, envolveu 20 escolas públicas de cinco municípios. Hoje já são 118 escolas em dez municípios de três estados: Minas Gerais, São Paulo e Bahia. Em nove desses municípios, o programa foi incorporado à política municipal de ensino. Foram capacitados mais de 1500 educadores e profissionais da saúde para a ação que, segundo a empresa, já chegou a pelo menos 73 mil adolescentes.
Tão importante quanto o trabalho realizado é a forma de integração com o poder público. Isso também marcou a iniciativa da OI Futuro, no Rio de Janeiro. A escola onde foi implantado o projeto Nav é municipal, e funciona dentro da legislação, com todos os professores da rede. A Oi Futuro investiu em tecnologia e no projeto pedagógico que o sustenta. Por fim, cada uma das oficinas realizadas é mantida por uma entidade diferente – entre ONGs e grupos de pesquisa. O projeto é acompanhado por uma equipe de avaliação externa.
As iniciativas amadurecem, e a mais recente tendência do segmento empresarial mais organizado é propor formas de alinhamento dos programas. Nesse sentido, um grupo de empresários recebeu em São Paulo, no final de junho, representantes do Ministério da Educação para buscar o encontro entre os projetos sociais das empresas e as metas globais do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Na ocasião, o ministro Fernando Haddad sugeriu, por exemplo, que as empresas centrassem foco em ações nos municípios com piores indicadores do Ideb e colaborassem com o esforço que o MEC anunciou para a formação de professores. O encontro foi promovido por dois dos mais representativos movimentos empresariais com foco em educação – o Todos pela Educação e o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife).
Para o presidente do Todos pela Educação, o ex-secretário Estadual da Educação de Pernambuco Mozart Neves Ramos, trata-se de um passo muito importante. "Lembro que, quando secretário, visitei escolas onde havia quatro formas diferentes de trabalhos de alfabetização, em função de projetos superpostos", lembra-se.
Ao mesmo tempo, o encontro de objetivos poderá fazer avançar a qualidade do trabalho filantrópico no Brasil, pois aqui também, como em tudo o mais no país, convivem o avanço e o retrocesso.
Assistencialismo e sustentabilidade
John Edwin, da ONG Paidéia, ressalta que é preciso que agentes sociais e empresários cheguem a um consenso sobre o que avaliar |
A primeira grande distinção que se faz nos investimentos sociais privados é se eles se voltam para questões pontuais, como organizar uma coleta de alimentos ou doação de livros – e, portanto, estão mais próximos da ação filantrópica -, ou se estão a serviço de um projeto socioeducativo, que "ensine a pescar", na conhecida versão do ensinamento confuciano.
No Brasil, ainda predominam as iniciativas assistencialistas. Segundo o estudo do Ipea, pelo menos metade delas são voltadas para a alimentação e o abastecimento. "Ainda é forte a cultura assistencialista. Os doadores financiam os ‘bandaids’ das questões sociais, ao focarem nos efeitos e não nas causas", afirmou Marcos Kisil, diretor presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), em recente encontro de investidores sociais, realizado na Bahia pelo Gife.
O Gife congrega 80 associados que aplicaram, apenas em Educação, R$ 124 milhões, em 2006. Foi criado principalmente para oferecer aos associados uma forma de formação de pessoal, de socialização de experiências e de ferramentas de planejamento estratégico.
Sim, porque se engana quem pensa que as empresas transferem para a filantropia também aquilo que fazem de melhor – a gestão. Quando aplicam em projetos sociais, chega a ser um paradoxo a despreocupação da maior parte das companhias com tudo aquilo que caracteriza sua atuação no segmento privado: planejamento, avaliação, maximização da relação entre resultados e recursos investidos.
Uma tabulação especial feita por Anna Peliano, divulgada neste ano, revelou, por exemplo, que apenas 16% das 600 mil empresas que investem no social fazem avaliações documentadas dos seus projetos. "Acho que esse número ainda está superestimado, na medida em que as empresas consideram que um controle contábil pode ser avaliação", avalia a pesquisadora. Ou seja, a imensa maioria das empresas não sabe se o que foi gasto teve resultados efetivos, o que precisa ser corrigido ou até mesmo se valeu a pena.
Para o secretário geral do Gife, Fernando Rossetti, esse será um passo necessário, mas menos simples do que pode parecer. Uma das dificuldades é o grande número de variáveis envolvidas em um projeto social. É difícil isolar, por exemplo, qual o peso da influência de diferentes fatores, como o crescimento econômico, projetos públicos e das ações privadas, considera. "Há uma velha máxima, que diz: nem tudo o que é mensurável é importante, e nem tudo que é importante é mensurável", exemplifica.
Mas, para ele, a principal dificuldade reside ainda no planejamento. Afinal, só consegue avaliar bem quem fez um diagnóstico inicial preciso para possibilitar uma comparação posterior.
No mundo empresarial, já se trabalha no desenvolvimento de ferramentas técnicas na área. Uma das mais sofisticadas, na avaliação de Rossetti, é a desenvolvida pelo Itaú Social, baseada em detalhados cálculos econométricos.
Para Mozart Ramos, do Todos pela Educação, investimento não deve visar retorno de imagem |
Mas há críticos que vão ainda mais longe. Para o consultor John Edwin, presidente do Conselho da Organização Não-Governamental Paidéia, que atua em projetos educativos, a questão da avaliação é secundária, diante da grande dificuldade de interlocução entre empresários e agentes sociais.
"São culturas muito diferentes, e sentimos absoluta necessidade de definir quais são os pressupostos e quais os resultados finais desejados", diz. Segundo ele, é freqüente que os representantes das empresas e os educadores cheguem à mesa com visões completamente distintas sobre o problema, as necessidades e as soluções. "Depois, avalia-se o quê?", questiona. "Sem essa negociação das partes para criar um entendimento, fica difícil avaliar", conclui.
Para Rossetti, a única saída é criar pontes entre todas as partes envolvidas. São inúmeros os preconceitos, de lado a lado. "Há, por exemplo, em todo o mundo, a visão de que as empresas só visam o marketing; no Brasil, soma-se a isso um grande preconceito contra o lucro", analisa.
Para o diretor do movimento Todos pela Educação e ex-secretário da Educação do Pernanbuco, Mozart Neves Ramos, as empresas que só investem em filantropia buscando retorno de imagem tendem a perder força. Até porque, concorda Rossetti, os consumidores possuem um repertório cada vez mais elaborado e se tornam capazes de distinguir quem está fazendo só marketing e quem visa de fato a transformação social.
Na avaliação dele e de outros especialistas do setor, a conjuntura histórica contemporânea contribui para que as empresas tenham maior sensibilidade social. Segundo essa visão, há uma questão maior que envolve a própria sobrevivência das empresas. "Os empresários mais conscientes sabem que sem desenvolvimento igualitário não há futuro para ninguém", diz Mozart Neves Ramos.