Secretária de Educação paulista refuta críticas ao modelo de remuneração por desempenho e diz que muitas delas têm viés ideológico, enquanto sua escolha se deve a resultados de pesquisas
Publicado em 10/09/2011
Maria Helena: as 500 piores escolas vão ter tudo a mais |
Ex-presidente do Inep na gestão FHC e ex-secretária de Educação do Distrito Federal, a professora Maria Helena Guimarães de Castro assumiu a direção da educação paulista com o desafio de restaurar a qualidade do ensino público no Estado. Para isso, começa a introduzir medidas diversas, algumas quase consensuais, outras bastante polêmicas, como a adoção da remuneração por desempenho. Credita a escolha a evidências de pesquisa e aposta num indicador similar ao Ideb nacional, com metas de desempenho por escola.
Em que estágio se encontra o processo de avaliação proposto no ano passado tendo como meta a melhoria da qualidade da educação nas escolas estaduais?
Mudamos a metodologia do Saresp, aplicado em novembro de 2007, para permitir a comparação a cada ano e entre as séries e com a escala nacional do Saeb. É uma escala única de português e outra de matemática, a partir da 4ª série. A segunda mudança foi a introdução da avaliação externa. O Saresp era uma avaliação diagnóstica, o próprio professor aplicava na sua turma. Na hora em que definimos uma avaliação que servirá a outras finalidades – para prestar contas, comparar o desempenho e definir critérios de remuneração variável – não podíamos manter uma avaliação só diagnóstica. A terceira coisa que fizemos foi um estudo – com auxílio dos consultores Naércio Menezes, da USP, e Francisco Soares, da UFMG. Pegamos a base de dados do Saresp de 2005 e fizemos uma adaptação à escala do Saeb nacional para fazer alguns ensaios, exercícios de como seria possível definir um indicador do tipo Ideb. É diferente do Ideb nacional do ponto de vista dos critérios utilizados, mas o conceito é igual. Em cima dos resultados de 2007, aplicaremos o modelo definido com base no Saresp 2005. Aí teremos as metas para cada escola.
Como é o modelo?
Vai considerar o fluxo escolar e o Saresp, que a rede já conhece e entende, cujos resultados ficam prontos agora em fevereiro. Outra coisa: o Ideb considera a média da escola na 4ª série e na 8ª série na Prova Brasil. Não vamos trabalhar com média, e sim com a distribuição dos alunos nos níveis de desempenho. Saberemos, pela meta, quantos estão abaixo do básico, quantos estão no básico, quantos no adequado e quantos estão no nível de excelência, acima do adequado. A meta será definida com base na distribuição dos alunos nessa escala, de maneira que a escola saiba quantos alunos tem em cada estágio e o que terá de fazer no próximo ano para diminuir os que estão abaixo do básico, aumentar os que estão no adequado e assim por diante. Cada escola terá uma meta. O que interessa é que todos evoluam dentro do grau em que estão. Nisso, o nosso modelo é diferente do nacional, embora siga a mesma métrica e os mesmos compromissos com a melhoria da qualidade, a mesma régua do Saeb e da Prova Brasil, o que permite compará-lo com o Ideb.
Em que mais difere do Ideb?
Poderemos mostrar para a escola o que ela precisa melhorar do ponto de vista pedagógico. A escola não sabe o que significa a média. Vamos chegar para a escola e dizer como estão todos os alunos, o que não aprenderam, o que é preciso fazer para que melhorem. Para a compreensão, do ponto de vista pedagógico, será muito mais fácil. Esse é o indicador de qualidade da escola. Também vamos considerar a assiduidade e a estabilidade da equipe. Isso terá um peso ainda não definido. O que sabemos é que o desempenho [dos alunos] valerá 70%, e 30% serão distribuídos por assiduidade, estabilidade da equipe e eficiência de gestão.
E o que entrará como critério para definir a eficiência de gestão?
Ainda não está fechado. Defendo que isso esteja articulado com um novo modelo de gestão da escola. Isso significa mais autonomia do diretor, uma mudança na carreira, mais recursos diretos na escola, várias questões em que precisaremos avançar. Estamos criando um grupo de trabalho para a revisão da carreira. Só depois dessa revisão teremos condições de avaliar a gestão. Por ora, a gestão considerará a assiduidade, a estabilidade da equipe e um fator ainda em análise, que é o dinheiro direto para a escola. Estamos aumentando o volume desses recursos e as responsabilidades da escola em relação a manutenções hoje feitas sem norma predefinida. Também pensei em fazer uma pesquisa para avaliar o grau de satisfação dos pais em relação à gestão do diretor. Isso ainda não está fechado.
A meta de cada escola será estabelecida apenas pela Secretaria?
A meta será definida com critérios totalmente objetivos: as taxas de aprovação e reprovação, o número de alunos, a evasão, o desempenho no Saresp. São os dados coletados todos os meses pelo sistema de informação da secretaria. O Saresp, que é anual, passará, a partir deste ano, a ser feito no mês de outubro. Todos os anos faremos provas de língua portuguesa e matemática e intercalaremos as áreas de ciências da natureza e de ciências humanas, uma a cada ano, pois isso nunca foi avaliado. Devemos começar com ciências da natureza neste ano, para todas as escolas.
Qual a contrapartida do Estado para ajudar as escolas a atingir as metas?
O primeiro grande incentivo é a formação em gestão da escola, que a secretaria já está fazendo. Temos várias ações previstas para este ano, como organizar melhor a escola, perfil de liderança, o papel da direção junto à comunidade, a importância da participação dos pais. E temos um programa de capacitação pela Rede do Saber que trabalha todos esses aspectos. A secretaria no ano passado entrou no Pró-Gestão, no ano anterior também, quer dizer, tem uma série de programas só nessa linha. O segundo fator é um estímulo financeiro para o diretor permanecer pelo menos três anos em cada escola para construir um projeto pedagógico, se integrar à comunidade. Ano passado já criamos uma nova gratificação para os diretores de escola com esse objetivo. Também criamos uma função gratificada para o professor coordenador pedagógico. Selecionaremos 12 mil coordenadores pedagógicos. A intenção é selecionar os professores mais experientes do quadro do magistério, que têm um perfil de liderança junto a seus pares. Agora teremos um coordenador pedagógico para cada segmento – 1ª a 4ª série, 5ª a 8ª série e ensino médio. Outra coisa, o coordenador pedagógico agora terá uma carga de 40 horas, 30 na escola mais 10 horas de carga de aula.
E a fixação do professor na escola?
Acabamos de fazer uma revisão do adicional por local de exercício, de tal modo que esse bônus ajude e estimule os professores que trabalham em áreas mais vulneráveis. Havia critérios muito antigos, distorcidos, porque a realidade do Estado mudou, e agora definimos um critério de acordo com as informações do índice de vulnerabilidade social da Fundação Seade. O bônus agora beneficiará principalmente a Grande São Paulo, que é onde há os maiores problemas em matéria de vulnerabilidade social e de violência.
E a questão curricular?
Vamos fazer um concurso para ampliar o número de supervisores, que farão o monitoramento da implantação da nova proposta curricular. Implantamos novos conteúdos curriculares básicos, articulados à matriz de avaliação do Saresp, para todas as escolas. Os diretores sabem o que está na matriz de avaliação, os conteúdos básicos que os professores deverão garantir aos alunos no processo de aprendizagem. Esses conteúdos estão organizados em materiais para as séries iniciais no Ler e Escrever, por bimestre.
E como chegar a um acordo com a Apeoesp, que quer plano de carreira em vez de remuneração por desempenho?
A remuneração variável é um incentivo importante, a rede reconhece isso, não é verdade que todos os professores concordem com o atual critério de bônus, que existe no Estado desde 2000, apenas com o critério da assiduidade. Há muita queixa, porque a maioria dos professores não falta, e há uma minoria que falta. Só que quem não falta carrega o trabalho daqueles que faltam. E isso acaba sendo um critério que não incentiva ninguém, porque os que faltam e os que não faltam ganham o mesmo bônus. A forma de contabilizar não permite distinguir aqueles que se esforçam mais. Temos feito reuniões com diretores, supervisores e ATPs do Estado inteiro, e isso é bem aceito. A rede entende que esse critério de remuneração é mais justo, que de fato vai representar um incentivo para melhorar a qualidade.
Mas dentro da mesma escola todos vão receber o prêmio, inclusive aqueles que faltarem mais?
Vamos fazer uma ponderação disso. A equipe inteira atingiu as metas, então todos recebem, menos quem faltou muito. Aqueles que faltarem acima de uma determinada regra não receberão o bônus, ou receberão menos de 50%, 40%. Com a relação à Apeoesp, há um ponto em que concordo com eles: combinamos de criar uma comissão de revisão de carreira. São duas coisas diferentes: uma coisa é remuneração variável de acordo com o desempenho. Outra é a revisão da carreira, que está precisando melhorar. Vamos montar um grupo de trabalho.
Duas das reivindicações da Apeoesp são a instituição da figura do professor adjunto e a vinculação dos cursos de formação continuada à ascensão na carreira. Como as vê?
Quanto ao professor adjunto, não temos um estudo sobre isso, não tenho opinião formada. Quanto à vinculação entre cursos de formação continuada e ascensão na carreira, vamos estudar na comissão que fará a análise da revisão da carreira. Acho possível, mas não seria qualquer curso. Teríamos de definir a carga horária, um modo de certificação, prevendo talvez cursos de formação continuada que contassem como uma especialização, uma pós-graduação lato sensu, algo que tivesse algum peso na carreira.
Críticos da remuneração com base no desempenho dos alunos, como o professor Luiz Carlos de Freitas, da Unicamp, dizem que esse processo toma a educação por fenômeno de causa e efeito, quando é multivariada. E que os prêmios têm efeito por tempo limitado e provocam problemas como fraudes, exclusão e posterior desmotivação do professor.
Estou me baseando em evidências científicas. O professor Luiz Carlos de Freitas tem uma visão ideológica do processo. Não estou tratando de ideo- logia, e sim de uma visão sistêmica da educação. A isonomia salarial não está resolvendo o problema central da melhoria da qualidade da Educação Básica. Não adianta ter um salário igual para todo mundo, independentemente do que seja esse salário. Isso está demonstrado em pesquisas de diferentes países – Inglaterra, Estados Unidos, França, Alemanha, Itália, Espanha, Portugal. Diversos países da América Latina estão implantando remuneração variada. Nos Estados Unidos, cada Estado está fazendo um modelo, a Coréia já implantou, a China, socialista, está implantando.
Mas o salário não é importante?
Claro que é. Ninguém discute a importância do salário, da valorização do magistério. Mas não há uma relação direta entre salário e desempenho, como não há uma relação direta entre ter computador ou não na escola e desempenho do aluno, nem entre idade do professor, entre nível socioeconômico do professor e desempenho do aluno, quer dizer, é um conjunto de estudos. Exatamente porque se trata de um conjunto de fatores que influenciam a escola, a remuneração variável é apenas uma medida a mais
No Chile, levou-se em conta o nível socioeconômico dos alunos de cada escola, para não acentuar o desnível entre elas. E em São Paulo?
Isso está contemplado na própria meta. Vamos supor que uma escola hoje está no ponto 3, e outra está no ponto 6, numa escala de 0 a 10. Por que essa escola está no 3? A análise do Saresp, do Saeb, da Prova Brasil, demonstra isso com clareza: são escolas onde os alunos, em geral, são filhos de pais com baixa escolaridade, alta rotatividade de professores, escolas vulneráveis do ponto de vista socioeconômico, mais afetadas por indicadores de violência, que estão em áreas de ocupação urbana desordenada, com turmas mais lotadas. Isso representa 4% do total das nossas escolas.
E como isso se reflete no indicador?
Dentro desse indicador, que considera evasão, distorção idade-série etc., essa escola terá uma meta menor – por exemplo, terá de passar de 3 para 3,2 no ano, enquanto a que está no 6 terá uma meta um pouquinho maior. Ou melhor, a velocidade será um pouco menor. A média da escola já embute todos os fatores socioeconômicos que afetam a aprendizagem. Como vamos considerar o desempenho do conjunto da escola com relação a ela mesma – não estamos comparando a de 3 com a de 6, e sim ela com ela -, esses fatores são variáveis que serão controladas pela meta, que é igual para todos. Não estamos estabelecendo metas para escolas de 5ª ou de 4ª classe, isso é um horror. Todas poderão chegar lá – a distância, o ritmo serão diferenciados, como é o Ideb. A escola não está assim porque quer, ela retrata sua situação socioeconômica. Então, não preciso ter uma tipologia diferenciada, preciso trabalhar diferentemente com essas escolas. Por isso, as 500 piores escolas terão tudo a mais. Teremos um plano de ação, feito com o resultado do Saresp. Terão mais adicional por local de exercício, melhor infra-estrutura, o diretor terá mais recursos para dar conta de seu dia-a-dia, o apoio pedagógico será maior, teremos equipes específicas para trabalhar o projeto pedagógico. Essa escola demorará mais para ter um desempenho razoável, mas vai chegar lá.