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Os desmandos do apostilamento

Práticas do ensino apostilado impõem modelo de conduta homogêneo aos professores, que deixam de pensar por si próprios

Publicado em 10/09/2011

por Julio Groppa Aquino

Recentemente, circularam notícias dando conta de que a nova onda no ensino fundamental público, mormente o paulista (129 dos 645 municípios já aderiram), é a terceirização pedagógica, por meio da aquisição de "kits de ensino" oferecidos pelos sistemas privados. O pacote é composto por apostilas para os alunos, treinamento para os professores e, sobretudo, promessa de maior controle dos resultados para os gestores.

Não se trata aqui de subscrever, mais uma vez, o atestado de impotência dos profissionais da educação pública ante o apelo implacável da privatização educacional (agora desde o interior das salas de aula), mas de moderar o afã em torno da prática do "apostilamento".

Idealizado como corretivo tanto para a malemolência docente quanto para a dispersão discente, o ensino apostilado propõe-se a disciplinar e normalizar os usos e costumes de sala de aula, imprimindo-lhe um ritmo cadenciado, aligeirado, fabril, de modo que não reste tempo hábil para o vago e moroso trabalho do pensamento, este cativo da interrogação (às vezes, da refração), jamais da reiteração compulsória.

A título de maximização dos percursos programáticos, a logística do ensino apostilado é a do estresse calculado, via compactação e compartimentalização dos informes conteudistas, cuja difusão se dá a toque de caixa, geralmente na forma de resumos, esquemas, sínteses. Envoltos pela aura clássica da memorização/reprodução, professores e alunos arremedam as informações enciclopédicas dispostas nas apostilas, embaralhando-se numa sucessão de ecos sem fim e sem propósito.

Nada mais avesso aos ditames pedagógicos contemporâneos segundo os quais as relações com o saber, se significativas, deveriam portar um caráter edificante, jamais imitativo. Em outros termos, perplexidade e conflito mais do que esclarecimento e harmonização. Para tanto, ensinar poucas coisas para ensiná-las bem – eis o que até o mais ralo bom senso sabe de antemão. Por que, então, insistir no oposto?

Quanto à profissionalidade docente, o resultado é um só: a supressão da independência intelectual, das diferenças de estilo, da liberdade de ação enfim.

Seus, agora, executores enfileiram-se de acordo com um modelo homogêneo de conduta, o qual deveria ser acatado sem pestanejar, sob pena de provarem o fardo do desvio e, no limite, do expurgo. Anuência imposta, vêem seu vigor e entusiasmo serem subtraídos ao máximo – sobretudo, aqueles em início de carreira, portadores das feições ideais para a empreitada, estas já carcomidas entre aqueles com mais tempo de estrada e menos porosos às antigas novidades que o ensino apostilado decreta.

Hesitações discentes abafadas, dissonâncias docentes caladas, a autonomia de ambos eclipsada: eis o saldo ético-político do ensino apostilado, um dos símbolos magnos dos tempos neoconservadores que rondam as práticas pedagógicas atuais.

JULIO GROPPA AQUINO Professor da Faculdade de Educação da USP
julio.groppa@editorasegmento.com.br

Autor

Julio Groppa Aquino


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