Escola reflexiva, realidade complexa, pedagogia da escuta, jogo e cultura infantil, produção de leitores: essas são algumas das idéias que nasceram no século 20 e hoje pautam as práticas dos docentes deste novo milênio. Conheça a seguir alguns de seus principais enunciadores
Publicado em 10/09/2011
Livros, dissertações e teses acadêmicas, publicações, web sites e blogs fazem com que a circulação de informações sobre educação atinja, hoje, um grau inédito. Não há mais desculpa, ao menos em relação a esse aspecto, para se manter distante de um assunto ou debate. Seja qual for o interesse, haverá modos de saciá-lo. A fartura de material à disposição embute, no entanto, um desafio: como navegar por esse oceano de referências sem ter, ao final, a sensação de que apenas se trombou com opiniões, conceitos e experiências, em jornada às vezes longa e trabalhosa que não produziu conhecimento?
A relação de pensadores apresentada neste dossiê de Educação pode ajudar o leitor a se orientar na compreensão mais aguda de temas-chave do cenário educacional no início do século 21. Altamente especializados em seus campos de atuação e pesquisa, eles se tornaram referência no Brasil durante as últimas duas décadas. Hoje, constituem uma espécie de novo marco: suas idéias – difundidas, em geral, não só em livros e artigos, mas também por meio de conferências, encontros e trabalhos de consultoria – contribuem para o desenvolvimento de práticas reconhecidas, em diversos países, como de vital importância para o alcance de novos parâmetros de ensino e aprendizagem, sintonizados com a mudança dos tempos.
Ao longo do século 20, a compreensão social da educação e o estudo dos processos de ensino e aprendizagem avançaram graças sobretudo às contribuições do psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), professor da Universidade de Genebra e autor de mais de cem livros, entre eles A construção do real na criança (Ática, 392 págs., R$ 34,90), A representação do mundo na criança (Idéias & Letras, 320 págs., R$ 45) e O juízo moral na criança (Summus, 304 págs., R$ 54,30), e do psicólogo russo Lev Vygotsky (1896-1934), cujas idéias – condensadas em A construção do pensamento e da linguagem (Martins Fontes, 496 págs., R$ 68,40) e A formação social da mente (Martins Fontes, 191 págs., R$ 39,80) – se tornaram conhecidas internacionalmente apenas depois de sua morte precoce.
As pesquisas de Piaget com crianças ajudaram a entender como se processa o desenvolvimento cognitivo, do nascimento até a morte, e elucidaram como se produz o conhecimento de acordo com mecanismos de assimilação mental do mundo e de posterior acomodação desses novos dados. Sua "teoria cognitiva" desvendou características fundamentais da psicologia infantil e está relacionada às pesquisas sobre as conexões entre pensamento e linguagem feitas por Vygotsky. Ambos possibilitaram que os estudos sobre educação atingissem outro patamar, menos mecanicista e mais sintonizado com os processos mentais da criança.
É a partir desses referenciais básicos que os autores reunidos neste dossiê ergueram suas pesquisas, a maior parte delas nas duas últimas décadas do século 20. Alguns deles representam correntes já bem estabelecidas, como as psicólogas argentinas Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, associadas a uma abordagem construtivista da alfabetização que se disseminou no Brasil. Da mesma forma, a experiência do pedagogo italiano Loris Malaguzzi nas escolas da região de Reggio Emilia se impôs, há algum tempo, como forte inspiração para a educação infantil do país, com a sua "pedagogia da escuta". Os conceitos de "escola reflexiva" e "comunidade de aprendizagem" trabalhados pela portuguesa Isabel Alarcão também já circulam com desenvoltura entre nós.
Didática e organização escolar são as áreas de pesquisa do espanhol Miguel A. Zabalza. O também espanhol Antoni Zabala, por sua vez, propõe que a escola promova hoje o que chama de "pensamento complexo", com um "enfoque globalizador". Da França vêm as contribuições de Anne-Marie Chartier para a formação de leitores, de Gilles Brougère para o estudo do jogo e da cultura infantil, e de Bernard Charlot para a compreensão das relações com o saber. As condições do trabalho docente aparecem nas reflexões do português Antonio Nóvoa.
Um dos livros de Nóvoa se dedica a um educador cujo trabalho está presente, em maior ou menor grau, na obra de diversos outros pensadores reunidos neste dossiê: o brasileiro Paulo Freire (1921-1997). Nenhum autor se aproxima da presença de suas idéias na escola brasileira. Mesmo o educador que eventualmente jamais tenha entrado em contato direto com seus livros – o que seria improvável, pois figuram nas bibliografias obrigatórias dos cursos de pedagogia e de licenciatura – convive com práticas (e talvez as aplique) desenvolvidas com base em conceitos propostos por Freire.
Suas pesquisas começaram a tomar forma na década de 50 – ainda em Pernambuco, onde se formou em Direito e trabalhou como professor de língua portuguesa e diretor do Serviço Social da Indústria (Sesi) – e se aprofundaram nos anos 60, com as primeiras experiências de alfabetização em comunidades distantes dos grandes centros. A aprendizagem da leitura e da escrita integra, segundo ele, um processo de conscientização que deve ser fundado no próprio cotidiano
do aluno e precisa capacitá-lo para lutar contra a opressão sociopolítica. É a "pedagogia da autonomia". Sem essa finalidade, o processo educacional serviria apenas para a manutenção de desigualdades e atenderia aos interesses das classes beneficiadas pelo status quo.
Freire propôs nova abordagem para as relações entre educadores e alunos, em que ambos se tornam agentes da produção de conhecimento a partir de um processo dinâmico de leituras do mundo. Exilado durante o regime militar, ele deu aulas na Universidade Harvard – sua obra tem intensa visibilidade nos EUA até hoje – e prestou consultoria a governos de diversos países do Terceiro Mundo. Na volta ao Brasil, em 1980, radicou-se em São Paulo, onde foi professor da Pontifícia Universidade Católica e da Universidade Estadual de Campinas, além de secretário municipal de Educação. Em sua gestão, foi concebido o projeto que anos mais tarde resultaria nos Centros Educacionais Unificados, os CEUs.
A apresentação dos pensadores selecionados traz indicações dos livros de cada um publicados no Brasil e ainda disponíveis em livrarias. Em relação a Freire, no entanto, seria preciso ocupar todo o espaço para dar conta do que o próprio educador escreveu e do que foi escrito sobre ele. Educação como prática da liberdade (Paz e Terra, 158 págs., R$ 30), Pedagogia do oprimido (Paz e Terra, 213 págs., R$ 35), Pedagogia da autonomia (Paz e Terra, 152 págs., R$ 10) e Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido (Paz e Terra, 245 págs., R$ 40,50) podem funcionar como porta de entrada para sua extensa obra.
Além disso, o Instituto Paulo Freire (
www.paulofreire.org
), a Biblioteca Digital Paulo Freire (
www.paulofreire.ufpb.br
) – mantida pela Universidade Federal da Paraíba -, o Centro Paulo Freire (
www.paulofreire.org.br
), a Cátedra Paulo Freire da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (
www.pucsp.br/paulofreire
) e o Centro de Investigação Paulo Freire da Universidade de Évora (
www.cied.uevora.pt
), em Portugal, entre outras instituições, se encarregam de promover reflexões sobre o seu pensamento.
Emilia Ferreiro
A criança como agente da produção de conhecimento
Discípula do psicólogo suíço Jean Piaget, seu orientador no doutorado que cursou na Universidade de Genebra (Suíça) e um dos mais influentes pensadores da educação no século 20, a psicóloga argentina Emilia Ferreiro abandonou seu país com o golpe militar de 1977. Depois de se estabelecer por mais um breve período na Suíça, decidiu instalar-se no México, onde vive até hoje, ligada ao Departamento de Investigações Educativas do Centro de Investigações e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional.
Ainda no final dos anos 70, começou a publicar, com o auxílio de diversos pesquisadores, extensa obra fundada na psicogênese do sistema de escrita (a construção da linguagem escrita na criança), de intensa repercussão na América Latina. Sua abordagem, construtivista, se inspirou nas idéias de Piaget e do psicólogo russo Lev Vygotsky sobre aprendizagem infantil. No lugar das cartilhas mecanicistas que enfatizavam as técnicas de ensino, Ferreiro propôs que o foco se voltasse para o aluno, encarado como o agente da sua construção de conhecimento. Dessa forma, ele deixou de ser considerado mero receptáculo de informações para que fossem levadas em consideração, como elementos fundamentais do processo de alfabetização, suas características socioculturais e a interação com os colegas.
O desenvolvimento da leitura e da escrita, segundo o raciocínio de Ferreiro, começa muito antes da escolarização, o que precisa ser lembrado e trabalhado no processo formal de alfabetização. Um dos maiores desafios para a aplicação de suas idéias, no entanto, são as diferenças entre alunos da mesma turma, que se traduzem, segundo as pesquisas da autora, de acordo com o domínio dos níveis estruturais da linguagem (pré-silábico, silábico e silábico alfabético). As atividades interativas organizadas pelo professor, com base em práticas sociais, devem contemplar a reflexão sobre a escrita. Entre as principais estratégias do processo, a adoção da perspectiva de um sujeito analfabeto contribui para que o educador compreenda o significado, para a criança, da língua escrita.
Ana Teberosky
A psicogênese do sistema de escrita
Integrante do grupo de pesquisa formado por Emilia Ferreiro quando retornou à Argentina depois de seu doutorado com Piaget na Suíça, em 1971, a psicóloga argentina Ana Teberosky fez o doutorado na Universidade de Barcelona (Espanha), onde trabalha hoje como professora do Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação. Sua trajetória, muito próxima à de Ferreiro, está igualmente ligada ao desenvolvimento de teorias sobre a psicogênese do sistema de escrita.
Teberosky é outra forte referência, portanto, desde a década de 80, quando a abordagem construtivista começou a circular com intensidade nos sistemas educacionais latino-americanos. Nesse universo, língua e leitura são examinadas como integrantes de um processo que se constrói por meio da interação entre educandos. Boa parte de seu trabalho consiste em apontar, com base em pesquisas na área de psicolingüística, práticas pedagógicas cotidianas que possam explorar as diversas características sociais da escrita e que possibilitem aos alunos compreender por que aprendemos a produzir textos.
A produção sistemática de textos na escola, segundo Teberosky, não deve apenas ser gráfica, sobretudo no início do processo de alfabetização. Ela sugere, por exemplo, que textos orais, em forma de relatos, podem ser construídos pela criança e transformados em escrita por adultos, desde que o professor seja capaz de trabalhar com ela a partir de estruturas narrativas, provocando situações dramáticas em que seria necessário imitar personagens e, com isso, trabalhar pela ampliação do vocabulário e a complexidade das sintaxes.
Além de sua extensa obra e das conferências que ministra em diversos países, outro veículo para a influência de Teberosky sobre a formação de educadores é o doutorado em Psicologia da Educação mantido pela Universidade de Barcelona e por outras cinco instituições de ensino da Catalunha. O objetivo do programa é formar tanto pesquisadores quanto profissionais capazes de aplicar ações psicoeducativas em situações individuais e de grupo e em instituições.
Miguel A. Zabalza
"Novo ensino", seus métodos e conteúdos
O pedagogo e psicólogo espanhol Miguel Ángel Zabalza Beraza formou-se nos anos 70 pela Universidade Complutense de Madri, onde trabalhou como professor. Desde o início dos anos 80, permanece ligado à Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Santiago de Compostela, na qual exerceu diversas funções administrativas. Especialista em didática e organização escolar, é presidente da Associação Iberoamericana de Didática Universitária.
O Ministério da Educação do Chile contratou Zabalza como consultor para a reforma curricular dos cursos de formação de professores, fruto de suas pesquisas sobre o que chama de "boas práticas docentes". Elas incluem, por exemplo, o uso sistemático de diários, tanto no processo de formação profissional quanto no de pesquisa qualificada das práticas cotidianas. "A progressiva heterogeneidade dos estudantes obriga a repensar a questão dos métodos docentes e também dos conteúdos", afirma em entrevista ao sítio de internet da Universidade de Santiago de Compostela.
Na avaliação de Zabalza, os professores universitários se converteram em "gestores dos processos de aprendizagem" de seus alunos. Para isso, além das competências tradicionais, precisarão dominar "o uso de recursos técnicos, a aplicação de novas metodologias didáticas que facilitem aprendizagem mais profunda e integradora", e ainda "saber organizar os processos de forma que os estudantes adquiram competências".
Seu diagnóstico do ensino universitário espanhol encontra pontos coincidentes com o cenário brasileiro. "Um dos problemas dos professores é que estamos envolvidos em muitas coisas. Estamos divididos entre a docência, a pesquisa, a gestão, atividades de extensão cultural e de assessoria ou atuação profissional direta. E, junto com essa proliferação de âmbitos, a atividade docente exige cada vez mais atenção e tempo. O ‘novo ensino’ consome muito mais tempo do que a aula tradicional. Ocupa mais espaço na agenda dos professores. Não sei se conseguiremos manter tantas existências."
Isabel Alarcão
Escola reflexiva, a "comunidade de aprendizagem"
Formada em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, a portuguesa Maria Isabel Lobo de Alarcão e Silva Tavares trabalhou durante sete anos como professora de ensino médio e orientadora de estágios antes
de cursar o mestrado em Currículo e Ensino na Universidade do Texas (EUA). De volta a Portugal, dedicou-se a cursos de formação de professores de línguas na Universidade de Aveiro, da qual foi reitora no período 2001-2002. Ali, trabalha desde 1993 no Centro de Investigação Didática e Tecnologia Educativa na Formação de Formadores.
Alarcão fez também o doutorado em Educação na Universidade de Liverpool, aprofundando pesquisas sobre didática, principalmente no campo da formação docente, e supervisão. Com base nas idéias do filósofo norte-americano Donald Schön (1930-1997) sobre teoria e prática da aprendizagem, que levaram ao conceito de "professor reflexivo", ela formulou a proposta da "escola reflexiva", que caracteriza uma instituição em processo de constante aprendizagem.
Nela, haveria discussão permanente a respeito do projeto pedagógico e da missão social a ser cumprida. Alunos, professores, gestores e comunidade de apoio à escola participariam todos de um ecossistema educativo que, além de "preparar para a vida", já se constituiria em vida social. Teoria e prática se alimentariam mutuamente. "Uma escola reflexiva é uma comunidade de aprendizagem e um local onde se produz conhecimento sobre educação", diz Alarcão. A qualificação de equipes pedagógicas capazes de desenvolver um projeto como esse e o conceito de inclusão constituem peças-chave de suas pesquisas. Todos os professores inseridos em uma comunidade de aprendizagem devem ampliar seus conhecimentos, com o auxílio dos supervisores pedagógicos, para adquirir visão ampla de todos os processos envolvidos no ambiente escolar.
Loris Malaguzzi
A arte e a "pedagogia da escuta"
Ao final da Segunda Guerra Mundial, a criação de escolas comunitárias de educação infantil na região de Reggio Emilia – cidade com pouco mais de 100 mil habitantes no norte da Itália, a 60 km de Bolonha – desencadeou o processo que levou o pedagogo italiano Loris Malaguzzi (1920-1994) a desenvolver o conceito da "pedagogia da escuta". Ali, não há a divisão em disciplinas formais; projetos sustentam todas as atividades pedagógicas. Os próprios alunos os propõem e os executam com o uso de diversas linguagens, enfatizando o papel da arte na produção do conhecimento. Outros países da Europa, bem como das Américas, da África e da Oceania, adotaram como referência para a educação infantil as idéias de Malaguzzi.
De acordo com a tradição estabelecida em Reggio Emilia, a criatividade das crianças é estimulada por expressão artística multifacetada. As artes plásticas, o audiovisual, a música e as demais artes performáticas são empregadas para dar conta de um universo, o do conhecimento, que combina saberes de todas as áreas. O trabalho dos educadores, na forma de parceria com as crianças, deve ser orientado pela busca incessante da descoberta e da construção do conceito de civilidade, em comunidade de aprendizes pautada pela interdependência e pelo contínuo ajuste de procedimentos e metas.
Filho de ferroviário, Malaguzzi estudou Magistério, formou-se em Pedagogia na Universidade de Urbino e especializou-se em Psicologia pelo Centro Nacional de Pesquisa de Roma. Além da trajetória como educador, foi jornalista, roteirista e diretor teatral. Militante do Partido Comunista Italiano, assumiu em 1963 a direção das escolas municipais de Reggio Emilia (ele nasceu em Correggio, na mesma região). Manteve-se no cargo até a aposentadoria, em 1985, quando começou a percorrer diversos países, fazendo conferências e montando exposições. Em 1991, a revista semanal norte-americana Newsweek considerou a Escola Diana de Reggio Emilia como a mais "vanguardista" do mundo no campo da educação infantil.
Antonio Nóvoa
Formação continuada e desenvolvimento de competências
Formado em Ciências da Educação pela Universidade de Lisboa, mestre e doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Genebra (Suíça), o português Antonio Nóvoa é autor de diversos livros sobre a condição do docente, como Vida de professores, Profissão professor, Os professores e sua formação, Dicionário de educadores portugueses e As organizações escolares em análise, todos ainda inéditos no Brasil. Escreveu também Paulo Freire – Política e pedagogia, que examina o trabalho e as idéias do educador brasileiro.
Hoje, Nóvoa é professor titular da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa e conferencista em diversos países. Seu trabalho é voltado para o estudo do conceito de "professor reflexivo" como paradigma dominante no campo da formação docente. A identificação das práticas de reflexão – que, lembra ele, sempre existiram na profissão – possibilita, em um segundo momento, algo mais importante: o desenvolvimento das condições em que elas podem se desenvolver.
A formação continuada, na análise de Nóvoa, deve ter como pólo de referência a escola, cujos professores decidiriam com autonomia os meios para realizá-la. Ele propõe que a capacidade de organização seja encarada como uma das competências necessárias ao professor na atualidade. O que chama de "organização do trabalho escolar" envolve o domínio de métodos de ensino e aprendizagem, bem como de administração da sala de aula e da própria instituição.
Outra competência estaria relacionada à "compreensão do conhecimento", que levaria o professor a reelaborar conteúdos para aplicação didática. Para Nóvoa, o Brasil teria descuidado da "fase de transição" na formação de professores – período em que saem da universidade e começam a lecionar, freqüentemente em condições difíceis. A resistência criada por muitos nesses anos iniciais de profissão impediria seu pleno desenvolvimento.
Gilles Brougère
Jogo e cultura infantil
Especializado no universo dos brinquedos e da produção cultural infantil, o filósofo e antropólogo francês Gilles Brougère é professor de Ciências da Educação da Universidade Paris 13 e integra o Grupo de Pesquisa sobre Recursos Educativos e Culturais da instituição, além de responder pelo Departamento de Estudos Superiores Especializados em Ciência do Jogo. Suas pesquisas examinam as relações entre jogo e educação, a construção social do brinquedo no mundo contemporâneo, as dimensões culturais da educação infantil e a aprendizagem informal.
Os brinquedos baseados nas séries de televisão Mestres do Universo e Power Rangers foram alguns de seus primeiros objetos de pesquisa. Brougère concluiu que, diferentemente do que o senso comum então apregoava, as crianças têm o desejo autêntico de reproduzir o que vêem na TV, sem nenhuma espécie de imposição; o que as motiva é a satisfação de constatar a própria capacidade de reproduzir.
A distância entre a cultura infantil contemporânea e a escola se deve, na sua análise, ao desconhecimento e preconceito de educadores. Esse comportamento reforçaria, para a criança, a diferença entre a primeira, que fornece prazer imediato, e a segunda, que a desviaria desse desejo. Brougère lembra que mesmo os produtos de natureza comercial envolvem uma complexidade simbólica para a infância que não pode ser desprezada pelos adultos.
A melhor estratégia para projetos educacionais dispostos a lidar com esse cenário, sugere ele, é a de se basear no interesse da própria criança para o desenvolvimento de atividades que superem o mero consumo do entretenimento de massa, produzindo conhecimento que corresponda aos objetivos pedagógicos. A estrutura de jogos competitivos, por sua vez, seria importante para a criança por levá-la a trabalhar com um arquétipo de oposição – o que não impede, porém, que as situações vividas por grupos em disputa sejam cooperativas.
Anne-Marie Chartier
Formação de leitores e produção da escrita
Formada em Filosofia e doutora em Ciências da Educação, a francesa Anne-Marie Chartier começou a trabalhar em 1974 no Instituto Nacional de Pesquisa Pedagógica, como professora do Departamento de Didática especializada em matemática para o ensino básico. Ela continua vinculada à instituição, agora na condição de pesquisadora voltada para as aprendizagens elementares (ler, escrever e contar), para a leitura e a produção da escrita nos ensinos fundamental e médio, e para a história da formação de professores. É também professora do Instituto Universitário de Formação de Professores da Academia de Versalhes.
A obra de Chartier se dedica à história da escolarização da escrita, aos métodos de ensino da leitura na França e em outros países da Europa Ocidental, e à história cultural das práticas de ensino. Suas idéias sobre a formação de leitores se multiplicam também por causa de suas conferências e encontros com professores e pesquisadores em diversos países, inclusive no Brasil. O papel do educador como mediador de leitura, crucial na educação infantil e no ensino fundamental, é um dos pontos-chave de seu trabalho. Ela não acredita, por exemplo, que apenas a cultura literária do professor seja suficiente para obter bons resultados.
Chartier considera importante a distinção entre leitura literária (que exige mais pré-requisitos do aluno) e leitura informativa, e procura articular teorias e práticas de leitura e escrita, em ambientes escolares e não-escolares, em conexão com práticas sociais e culturais. Embora suas pesquisas se debrucem sobre a realidade educacional francesa, incluindo o estudo de métodos de alfabetização utilizados no país desde o século 16 e a criação da disciplina "Francês" no final do século 19, elas são encaradas em outros países como referência valiosa para a reflexão e o desenvolvimento de estratégias locais.
Antoni Zabala
Realidade complexa, pensamento complexo
Formado em Filosofia e Ciências da Educação pela Universidade de Barcelona, na qual trabalhou como professor do Instituto de Ciências da Educação, o catalão Antoni Zabala foi um personagem fundamental na reforma do sistema educacional espanhol, planejada e executada no período de redemocratização do país, depois do final da ditadura franquista (1939-1975). A experiência o levou a prestar consultoria para governos e instituições da América Latina.
Especialista em planejamento e implantação de currículos, ele preside o Instituto de Recursos e Pesquisa para a Formação – empresa que reúne uma editora de livros e revistas especializada em educação, e uma unidade de "serviços integrais de formação", presencial, semipresencial e a distância – e dirige a revista Aula de Inovación Educativa.
Fiel às idéias do educador francês Olivier Decroly (1871-1932), para quem "a necessidade gera o interesse", Zabala acredita que a organização de conteúdos e a metodologia didática devem ser escolhidas para atender ao objetivo final de formar cidadãos em uma perspectiva democrática. Para que os alunos possam enfrentar a complexidade da realidade contemporânea, ele propõe que a escola promova o "pensamento complexo" sob "enfoque globalizador".
As competências, segundo ele, são desenvolvidas com base em "constructo" que integra, de forma simultânea, os conhecimentos, os procedimentos e as atitudes. Apenas os conhecimentos não bastam: saber quais são os pontos cardeais não significa saber orientar-se. "A educação só tem sentido quando está a serviço de ideais", disse ele em entrevista à Educação. "Quanto mais distantes estejam esses ideais da realidade, maiores devem ser os meios de que tem de lançar mão a escola. Há que se ter em conta que não há educação sem utopias. Utopias que nunca serão alcançadas, mas sem as quais é impossível identificar o caminho que o processo educativo deve percorrer."
Bernard Charlot
Relações com o saber
Professor de Ciências da Educação da Universidade Paris 8, o filósofo francês Bernard Charlot é doutor em Educação e integra o Comitê Internacional do Fórum Mundial da Educação, do qual foi um dos fundadores. Suas pesquisas são voltadas para as relações com o saber e, em especial, dos alunos de classes populares com o saber escolar. Foi professor visitante no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe, em Aracaju, e consultor da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil, além de presidente da Associação Francesa dos Professores e Pesquisadores em Educação.
O desafio da escola, segundo Charlot, é fazer com que o aprendizado permita ao adolescente construir sua identidade. É a atividade intelectual do próprio aluno, no entanto, que determinará a aprendizagem. A importância do professor se relaciona ao efeito que pode gerar nessa atividade, diretamente proporcional à sua capacidade de compreender que a lógica do aluno (para o qual seu papel é aguardar a transmissão de conhecimentos) costuma ser diferente da lógica da escola (que espera do aluno mobilização intelectual para a produção de conhecimento). Cabe ao professor, segundo ele, romper esse quadro de expectativas e "construir" o aluno na criança e no adolescente.
Charlot acredita que a escola deveria, inicialmente, trazer questionamentos e, só mais tarde, o conhecimento propriamente dito. Para que os saberes adquiram algum sentido, seria preciso incentivar a atividade intelectual, promover a auto-estima – sobretudo das classes populares, em geral baixa – e trabalhar para que crianças e jovens possam associar o saber ao prazer, em vez de dissociá-los.