NOTÍCIA
Para reduzir o analfabetismo - que atinge 80% da população - o Níger recrutou maciçamente, sob aconselhamento do FMI e do Banco Mundial, professores contratados com salário menor que o de seus colegas concursados. Uma solução milagrosa? Nem tanto
Publicado em 10/09/2011
Aos 31 anos, Idi tem tudo para ser feliz. Esse nigerino, aficionado por literatura francesa – cita, com aparente propriedade, os escritores Albert Camus, Jean-Paul Sartre e Émile Zola -, realizou enfim um desejo profissional que tinha desde
pequeno: tornou-se professor de francês, história e geografia no colégio de Gueye, na região de Zinder, no Níger, centro-oeste da África. No entanto, Abdou Idi não está feliz. Se por um lado se tornou professor, por outro não pôde integrar o corpo de funcionários do Estado. Como contratado, seu salário é mais baixo que o de seus colegas e seu status é desvalorizado. Essa evolução da condição de professor, presente em quase toda a África, é particularmente marcada no Níger, provocando o descontentamento em função da precarização do exercício docente.
Quantidade antes da qualidade
Relativamente pouco povoado (com 13 milhões de habitantes para 1.267.000 km2), o Níger é regularmente classificado entre os dois ou três países mais pobres do planeta. Situado no coração do Sahel, sofre a influência crescente da desertificação. Para completar as dificuldades, há uma intensa rebelião popular, a tuaregue, ao norte do país. A cobertura educacional fica entre as mais fracas do mundo. Duas em cada três crianças nigerinas não vão à escola. A discrepância de escolarização entre meninas e meninos não pára de crescer. O analfabetismo é colossal: 80% da população não sabe ler nem escrever.
As ONGs intervêm por meio da campanha "Um caderno e um lápis para as crianças do Níger". A solidariedade laica acaba de enviar 34 toneladas de material escolar às escolas. Mas essa ação não é suficiente. Para os grandes males, só mesmo os grandes remédios. Seguindo uma lógica – redução do Estado e privatização dos serviços – que as instituições internacionais aplicam sistematicamente nos países em desenvolvimento, o Banco Mundial preconizou recrutar professores em regime contratual. Corresponderia, no Brasil, a uma contratação que não garantisse ao professor a condição de funcionário público, privando-o de benefícios legais.
O raciocínio é de uma obviedade incontestável: por menores salários e ínfimas vantagens, é possível, com o mesmo orçamento, contratar um número muito maior de professores. No Níger, essa medida foi acompanhada de uma lei que obrigava os funcionários da educação com 30 anos de serviço a se aposentar. Os governos que aplicam essas medidas comemoram. "Os custos reduzidos ligados a esses novos professores permitiram ao Níger, entre 1998 e 2002, recrutar por volta de 10.200 contratados (…). A taxa bruta de escolarização passou de 31,5% em 1998 a 44,7% em 2003, ou seja, uma alta de 13% em cinco anos. Em 2002, 270 mil alunos a mais foram escolarizados graças aos professores contratados", diz um relato público.
Nesse país rural, a medida permitiu a abertura de escolas no campo. É o caso de Guidan Daweye, a 70 km de Maradi, capital da região de mesmo nome. Nesse grande burgo agrícola constituído de palhoças, Ibrahim Chaibrou, diretor e professor de matemática, aguarda a volta às aulas. Com quatro colegas, ele acolherá 281 alunos, dentre os quais 84 meninas. Vinte dias antes do início das aulas, o colégio vai tomando forma, no meio dos campos de milho, a partir de uma pequena construção de concreto que abriga os escritórios e um monte de postes de madeira de formas irregulares. Depois da colheita do milho, os postes serão erguidos e os galhos e folhas de milho, trançados, servindo de paredes e teto. Essas classes-palhoças são desmontadas todo ano antes da estação das chuvas. Contam-se 12 mil delas. Os novos contratos permitiram sua multiplicação: num país em que 60% da população vive em zonas rurais, o esforço não é desprezível.
Cifras enganosas
Mas, como vários de seus colegas, Abdou Idi está muito menos convencido do que os funcionários internacionais sobre o caráter positivo desse balanço. "Depois de dois anos na função, eu ganho 60 mil CFA por mês (por volta de 91,45 euros). Isso não corresponde às necessidades de uma pessoa. Tenho vontade de me casar, de ter filhos. Meu salário não permite." O professor não se mostra hostil à idéia de ser contratado, "mas no fim de alguns anos, quando demonstramos nossas competências, deveríamos ter o estatuto dos concursados, ter aumento de salário, os benefícios de plano de carreira".
Professor na escola Karkada-II de Zinder, Maman Guerba ensina há 11 anos e passa, na visão das instituições internacionais, por um abastado. "Eu ganho 100 mil CFA. Minha mulher não trabalha, temos duas filhas e um menino. A mais velha tem 7 anos. Os finais de mês são difíceis." A família não pode comprar uma geladeira e, em seu apartamento alugado, não há ventilador para a pequena de 2 anos, o que não seria luxo num país onde a temperatura freqüentemente ultrapassa os 45 graus. Por isso, ele não consegue compreender essas decisões que fazem economia à custa dos funcionários, os quais não são realmente privilegiados. "Esse aumento dos contratados acaba numa degradação global do ensino. No início da minha carreira, tive dois anos de formação. Vários contratados não têm nem 45 dias e, ainda, não é em tempo integral! É dramaticamente insuficiente. Resulta daí uma imagem degradante do professor perante a opinião pública. Os moradores das cidades o vêem fazer das tripas coração para sobreviver. Percebem uma falta de segurança para ensinar e tendem a respeitá-lo menos. Se não tiverem confiança, não vão mais entregar seus filhos, os quais eles vão manter em casa para o trabalho no campo."
Não se transmite mais experiência
Secretário-geral do SNEN, sindicado que agrupa mais de 95% de professores nigerinos, Kassoum Issa endossa as recriminações de Abdou Idi e Maman Guerba. Ele desaprova esse aumento dos contratados que diz respeito tanto às escolas primárias quanto aos colégios. Os contratados seriam hoje 29.864 para 11.200 concursados. "Isso se deve a essa lei catastrófica de aposentadoria compulsória ao fim de 30 anos de carreira, felizmente aumentada em março de 2007. Não é raro só haver contratados num estabelecimento escolar. Por isso, a experiência não se transmite. Além disso, a quem os contratados mal-formados podem pedir conselhos? Isso é teoricamente a tarefa dos conselheiros pedagógicos de cada região. Mas os estabelecimentos escolares estão dispersos na zona rural, as estradas são muitas vezes impraticáveis e, pior, os conselheiros não têm meio de transporte."
Kassoum Issa enfatiza o caráter enganoso das cifras antecipadas pelos relatórios internacionais: eles não levam em conta o número elevado de contratados que abandonam suas funções. "Seus alunos são largados e não vão mais à aula, mas, como estão inscritos, ficam contabilizados entre os escolarizados." O sindicalista aponta também o mau resultado dos alunos no histórico escolar e nos vestibulares. E concordam com ele os ditos relatórios oficiais que se vangloriam das contratações: "O nível de conhecimento dos alunos é fraco. No primário, uma grande proporção está em situação de fracasso escolar". Essas relações concluem pela necessidade de "prestar atenção seriamente às condições de trabalho, ao plano de carreira dos professores e à valorização social de sua profissão".
Um catálogo que se pensaria ter sido tirado do sindicalista, co-assinado por Abdou Idi e Maman Guerba.
O cercado, escola maternal à africana
No Níger, quase 49% da população tem menos de 15 anos. O caráter obrigatório da escolarização das crianças de 4 a 16 anos permanece muito teórico. Nesse contexto, o Estado nigerino centrou seus esforços sobre as crianças de 7 a 12 anos. Somente 1,4% das crianças de 3 a 6 anos são escolarizadas em estruturas pagas e do tipo maternal, chamada aqui de "primeira infância". Anima Ganda decidiu assumir o problema. Essa antiga diretora nacional do ensino de primeiro grau, vítima da lei compulsória da aposentadoria após 30 anos de serviço, colocou em prática uma ONG pela organização nigerina para a promoção da primeira infância, o cercado das crianças.
Na maioria situados nos campos, cada um deles acolhe 20 crianças. Três mulheres asseguram a animação educativa: uma avó, uma mãe de família e uma moça. "Nós queríamos misturar as gerações", explica Anima Ganda. A avó é importante para a transmissão da cultura oral, para os contos. A mãe, para a sabedoria dos mais velhos e o conhecimento da educação das crianças. A moça, por sua energia e seu voluntarismo." As três mulheres, benévolas, alternam-se todos os dias. O alcance educativo do projeto é plural. Os primeiros beneficiários são as próprias crianças. As voluntárias, três dias a cada cinco, ou seja, 15 na escala da cidade, beneficiam-se de uma formação dada pela organização. O cercado, se permite à mãe africana dedicar-se aos trabalhos domésticos e à agricultura, desincumbe também a irmã mais velha de vigiar o irmãozinho: assim, ela também pode ser escolarizada.
Mas a aventura do cercado das crianças é também a de uma cooperação norte-sul bem-sucedida. Nos anos 80, várias professoras africanas receberam uma formação de ciclo pré-escolar dada em Orléans (França). Algumas delas se encontraram em Ouagadougou, em 1996. Foi aí, em Burkina Faso, que tiveram a idéia de uma organização tradicional da comunidade rural, conceberam os cercados de crianças, os quais agora se espalham pela África do Oeste.
(Tradução: Mônica Cristina Corrêa)