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Quem conta um conto diminui
um ponto

Adaptações de clássicos não substituem original da obra, mas servem como ferramenta de incentivo à leitura

Publicado em 10/09/2011

por Vanessa Sayuri Nakasato


As adaptações de livros clássicos para jovens já foram vistas com uma certa dose de preconceito e uma série de argumentos reforçava tal percepção. Os puristas vaticinavam que ler obras no original é uma experiência insubstituível. Os ideólogos acusavam os adaptadores de aderirem ao pragmatismo de uma era marcada pela fragmentação e empobrecimento da cultura. A discussão ainda prevalece, principalmente, porque é muito comum se ouvir, em tom de crítica e acusação, que a juventude atual não lê.


Como sempre, todos os lados têm suas razões. Não é privilégio desta ou daquela geração a dificuldade em entender o mundo das letras, principalmente as clássicas. Nesse ponto, as adaptações ostentam seu principal mérito: são facilitadoras e, talvez exatamente por isso, ajudam a que novos leitores apareçam. Não é pouco. Mas também não é suficiente.


Os livros clássicos nunca foram muito fáceis de serem lidos. Por esta razão, os jovens das décadas de 60 e 70 já recorriam às adaptações. "Lembro-me de que todos os jovens dessa época eram comunistas. Mas nenhum conseguia ler a obra basilar do marxismo, O Capital", recorda o escritor Fernando Nuno. Havia outros livros que o interpretavam. No entanto, foi uma adaptação resumida da obra de Karl Marx, feita por Julian Borchardt, e lançada no Brasil pela Zahar Editores, que fez a cabeça da moçada – "de muita gente que, hoje, diz detestar adaptações", completa.


Nuno confessa que era um dos profissionais que odiava adaptações. Até a década de 80, os clássicos eram obras intocáveis para ele. Qualquer adaptação era comparável a uma mutilação. Só que vieram os filhos e, quando eles entraram na idade de ler, Nuno estava ansioso para que partilhassem o melhor do patrimônio literário da humanidade. Foi aí que ele se deu conta de que suas crianças não iriam compreender todos aqueles livros sagrados.


A partir de então, a adaptação deixou de ser um inimigo para se tornar um aliado. E ele  mesmo fez  questão de reler suas obras preferidas e adaptá-las. Ao longo desses anos, Nuno já adaptou 12 livros, cinco de William Shakespeare. Este ano, o Ministério da Educação comprou mais de um milhão de cópias de suas adaptações para distribuir às escolas públicas de todo o país.



Assim é, se lhe parece


A história de Nuno mostra que a aceitação por adaptações é possível, não só entre professores, como também entre pais e escolas. E, com certeza, a exigência das grandes editoras por qualidade nas adaptações contribuiu muito para isso (Ler pág. 27).Um exemplo no mercado editorial é o lançamento, neste ano, de duas adaptações de Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, uma IBEP (Lusíadas 2500, R$ 32, 192 págs.) e outra da Peirópolis (Os Lusíadas em Quadrinhos, R$ 33, 48 págs.).


No entanto, por melhores que sejam, os especialistas ressaltam: a adaptação só é válida e enriquecedora se ela for utilizada como um passaporte para a leitura do original. O professor não deve afirmar que a leitura da adaptação é suficiente, porque não é. A obra original possui elementos preciosos, como a linguagem usada, o contexto de uma época como pano de fundo, e os estilos do próprio autor, que são bastante particulares.


 "São detalhes, nada pequenos, que só podem ser vistos em uma obra original. Por melhor que seja uma adaptação, ela nunca traduzirá o livro por completo. Até porque existem palavras e expressões que são insubstituíveis", afirma Fábio Simonini. Professor de língua portuguesa e literatura do Colégio Nossa Senhora das Graças, de São Paulo, ele conta que trabalha adaptações com seus alunos, mas nunca abre mão do original.


Os alunos do primeiro ano do ensino médio, para quem Simonini dá aula, estão lendo o original de A Divina Comédia, de  Dante Alighieri. "Eles estão apanhando. Mas é natural que os adolescentes sintam dificuldades por se tratar de uma obra complexa até mesmo para um adulto", analisa professor.


Para ajudar na leitura, Simonini conta que oferece aos alunos alguns facilitadores: faz a leitura compartilhada de diversos capítulos do livro, como a "Descida ao Inferno", e usa o software Power Point para mostrar aos estudantes por que tal trecho foi construído daquela maneira.


"Cabe ao professor ajudar o aluno a entender e a gostar a obra. Senão, ele vai achar sempre que o clássico é um bicho-de-sete-cabeças ou um objeto de erudição, algo inacessível para jovens e simples mortais", defende Simonini. Ele ainda estimula os seus alunos a desenhar, puxar setas no livro, interromper, pular páginas, capítulos, ler o final, voltar para o meio. A primeira leitura do original é para "conhecer o terreno". A segunda é para "entender e curtir".


Com seus alunos de 5a série, o professor trabalha de outro jeito. O gênero de texto para essa série é a mitologia grega. Antes de as crianças lerem as adaptações de Ilíada e Odisséia, de Homero, Simonini conta histórias sobre os mitos gregos e ensina aos alunos os principais nomes mitológicos, como Zeus e Afrodite, e por que eles eram importantes para um grupo social. "Isso ajuda na memorização", completa.



Este ano, suas turmas de 5a série estudaram as Fábulas de Esopo, aprenderam a contar a outras pessoas, e agora estão transformando o conteúdo numa fábula contemporânea, com personagens da cultura do Brasil. No caso de "O Lobo e o Cordeiro", por exemplo, o primeiro se transforma num lobo-guará e o segundo em um bicho-preguiça.
 

Cada um a seu modo



Partir do pressuposto de que o jovem é capaz de entender e gostar de ler é uma forma de apostar no sucesso e não fracasso da leitura. Contudo, é fato que os jovens reclamam da leitura obrigatória de livros clássicos. Em especial, quando os livros em questão estão na lista das obras exigidas para o vestibular. José de Alencar, Guimarães Rosa, Eça de Queirós e Gil Vicente são, por exemplo, alguns dos autores que, segundo professores, os adolescentes têm dificuldades para compreender.


Esse é um dos motivos que levam muitas escolas a adotar adaptações. O Colégio Líder, de João Pessoa (PB), é um deles. Há cinco anos, a escola tentou introduzir a leitura de alguns clássicos originais para os alunos de 5ª a 8ª séries. Não deu certo. Os jovens sentiram muita dificuldade em compreender a linguagem dos escritores, e a falta de entendimento acarretou, ainda, o aumento de rejeição por qualquer tipo de leitura.


A escolha do Líder pelas adaptações, segundo a diretora pedagógica do colégio, Maria do Socorro Ismael Gomes, não foi para "facilitar a leitura dos adolescentes, mas para adequar os textos à maturidade dessa faixa etária".


Entre os títulos utilizados em sala de aula estão as crônicas de Machado de Assis, Júlio Verne, as obras mais conhecidas de Shakespeare e algumas obras de José de Alencar. "Os resultados, embora lentos, têm sido positivos. Conseguimos diminuir a rejeição pelos clássicos e alguns alunos já estão lendo espontaneamente", comemora Maria do Socorro.


O Colégio Bento Benedini, de Ribeirão Preto (SP) adotou a mesma estratégia e usa livros adaptados com seus alunos do ensino fundamental II há quatro anos. Isso porque, explica o professor de língua portuguesa Marcos Almeida de Negreiro Ribeiro: "os adolescentes entre 11 e 14 anos não possuem repertório suficiente para assimilar o conteúdo de grande parte dos clássicos originais e a densidade do texto e as peculiaridades de épocas literárias ainda não estudadas pelos alunos de 5ª a 8ª séries acabam comprometendo o prazer da leitura".


Para Ribeiro, o ensino fundamental é a melhor fase para o leitor ter contato com as adaptações. Por dois motivos, diz ele: "Em geral, é nesse período que o gosto pela leitura é desenvolvido e as adaptações servem como chamarizes para a obra original". E, reforça Ribeiro, as histórias clássicas trazem personagens fortes, enredos marcantes e nunca saem de moda. "Qual criança não se encanta ao conhecer Moby Dick [Herman Melville], Romeu e Julieta [Shakespeare], ou  A Volta ao Mundo em Oitenta Dias [Júlio Verne]?", exemplifica.


No Colégio Bandeirantes, de São Paulo, as adaptações são utilizadas também nas aulas de história. Os alunos do segundo ano do ensino médio leram, este ano, A Rainha Margot, de Alexandre Dumas, da Cia das Letras. Após ler a adaptação, segundo Cinilia Gisondi, professora de história, eles apresentaram maior facilidade em entender a formação das monarquias nacionais, utilizando o caso da França como modelo. E estabeleceram uma relação entre temas históricos importantes como a Reforma Protestante, as Guerras de Religião e a Formação do Estado Absolutista. Os estudantes contextualizaram a intolerância religiosa, a questão do público e do privado, o papel da mulher ao longo do tempo, entre outros elementos que permitem um paralelo entre passado e presente.


Cada um a seu modo, os exemplos e as experiências das escolas, seja nas aulas de língua portuguesa, literatura, história ou mesmo com o auxilio do teatro e do cinema, reforçam que o importante é criar, desde cedo, o hábito de ler. E a escola pode complementar este estímulo. Nas palavras da professora de língua portuguesa do Colégio Vicentino Santa Cruz, de Campo Mourão (PR), Vanilda Bisi: "Não entender não justifica desistir de ler uma obra. O conteúdo desses livros é muito rico, e é apenas tentando, e uma hora conseguindo, que o aluno vai descobrir isso".




Por que  são clássicos?


Que a literatura clássica é fundamental para a formação de um indivíduo todo mundo sabe. Educadores, especialistas e bibliófilos não cansam de falar. Mas o que esses livros têm de tão especial? Por que se transformam em clássicos?


A obra clássica, segundo o escritor italiano Ítalo Calvino, "nunca termina de dizer aquilo que ele tem para dizer". É um grande campo de onde é possível extrair centenas de informações e multiplicidades. Entretanto, cada lugar do mundo e cada geração a lê sob diferentes prismas. O que o torna imortal são os valores implícitos nele. Um livro clássico pode ter quinhentos ou cinqüenta anos. Ele independe da idade. É como se elas fossem espelhos, onde a humanidade pudesse fazer a leitura de si mesma: suas agruras, seus anseios, sua moral, seus medos, seus segredos, sua identidade.


"Ler os clássicos amplia o conhecimento geral, melhora o entendimento do contexto histórico, aprimora o vocabulário e desafia a inteligência", afirma Cinilia Gisondi, professora de história do Colégio Bandeirantes, em São Paulo.




História bem contada


Quem ouve uma boa história tende a ler mais. É assim que a diretora do Ação Educativa do Instituto Tomie Ohtake, Stela Barbieri, entende o prazer que alguém pode adquirir por livros e histórias tradicionais. Ela deve isso ao pai e à avó, que, em sua infância, lhe contavam muitas histórias e causos. "É preciso fazer uma apresentação apaixonada. É isso que aguça a curiosidade do aluno pela leitura. O gosto pela leitura se dá pela paixão que a pessoa adquire por esse universo", enfatiza Stela.


Criatividade também é um item essencial. Para que os alunos aprendam a gostar de literatura clássica – e não temam o texto original -, Stela aconselha o professor a gerar modos de atrair os estudantes. Fazer leitura compartilhada, comparações entre os livros adaptado e original, mostrar ao aluno a diferença de linguagem de uma época para outra, propor dramatizações, criação de trilha sonora para a história, e todas as possibilidades que encontrar.




Mercado editorial


A primeira adaptação de um clássico feita no Brasil foi publicada pela Companhia Editora Nacional, na década de 30. Trata-se de Dom Quixote das Crianças, de Monteiro Lobato – que se dedicou a diversas traduções de clássicos e adaptações, como a de Robinson Crusoé, de Daniel Defoe.


Nos anos 80, o número de adaptações se multiplicou. Na época, avaliava-se que autores, escritores e jornalistas resumiam obras e as intitulavam como adaptações, levando as novas versões a serem mal vistas por quem entendia do assunto.


Atualmente, as editoras têm mais cuidado e  preocupação em manter a essência da obra. É o que diz  Antônio Nicolau Youssef, diretor editorial das editoras IBEP e Companhia Editora Nacional. Ele afirma: "O primeiro item verificado antes de uma editora aceitar publicar uma adaptação é se o texto revela, com outra linguagem e para outro público, os valores e as idéias que transformaram a obra em um clássico. Depois, são analisados a relevância do título escolhido pelo profissional, e a sua sintonia em relação ao livro original".


Para Youssef, quando as adaptações são feitas dentro do padrão exigido, elas enriquecem o original, uma vez que possibilitam a um contingente de leitores, que não leriam a versão original, o acesso à obra.


A procura por tais obras cresceu tanto que levou editoras como a Cosac Naify, que não tem o costume de adaptar obras clássicas, a publicar textos integrais, acompanhados de glossários e minitextos explicativos, como a coleção Dedinho de Prosa. "Foi a forma que a editora encontrou para publicar Machado de Assis, Lima Barreto e até Giovanni Boccaccio", diz Isabel Coelho, editora de textos da Cosac.

Autor

Vanessa Sayuri Nakasato


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