Práticas pedagógicas sem lastro na cultura profissional do trabalhador escolar
Publicado em 10/09/2011
Quando ainda era aluno, havia a ‘instrução autoprogramada’, cujo fundamento, vim a descobrir, seria o behaviorismo. Mais tarde, já professor, assisti à aparição e glória do construtivismo; seguida do socioconstrutivismo, que prometia dar conta do que, afinal, faltou. Depois veio a ‘pedagogia dos projetos’ e, em seguida, a das ‘competências’. Quase me escapa que, entre êxito retumbante e a triste decadência de uma dessas correntes, a solução prometida radicava no reconhecimento e mobilização das ‘inteligências múltiplas’. Perdão, houve ainda a ‘pedagogia crítica dos conteúdos’ e as ‘libertárias’.
Por mais variados que fossem seus discursos, suas perspectivas pedagógicas e políticas e até mesmo, como diziam, seus ‘pressupostos e-pis-te-mo-ló-gi-cos’ (ufa!), os esforços de difusão e a busca pela adesão a essas propostas de reformas didáticas e procedimentos educativos parecem ter alguns elementos bastante comuns entre si. A retórica que combina um fervor quase religioso com alegados fundamentos científicos e filosóficos, o discurso caricatural de combate ao inimigo (a escola tradicional; a educação bancária…) e a forma de explicar seus reiterados fracassos em promover as reformas das práticas educativas que criticavam. Estes sempre decorrem da ‘má formação’ e da ‘resistência’ dos professores, fatores aliados à ‘má aplicação’ da teoria (claro, o ‘verdadeiro construtivismo’ não é isso que fizeram em seu nome!).
Parece nunca ocorrer aos defensores dessas propostas redentoras a consideração de um aspecto singelo: a cultura profissional do trabalhador escolar. Noutras palavras, nelas desconsidera-se o fato de que práticas escolares não são meros reflexos de teorias pedagógicas. O trabalho docente, em sua prática cotidiana, resulta da iniciação numa cultura profissional específica, com um ethos próprio (por exemplo, a disciplina e o esforço pessoal como valores), com suas bases materiais (quadro-negro, giz, diários), práticas discursivas (exortações) e não discursivas (cópias, colagens, filas). A cultura profissional de um professor resulta da apropriação desse conjunto de práticas sociais e não meramente da aplicação de preceitos e concepções pedagógicas, por mais que com elas possa dialogar.
Querer reformar práticas pedagógicas a partir de teorias da inteligência ou de princípios abstratos que desconhecem a cultura das instituições escolares é uma típica presunção tecnicista. Ao invés de investigarmos as práticas correntes de professores que, por exemplo, alfabetizam com êxito, limitamo-nos a críticas estereotipadas e a proposição de soluções inexeqüíveis porque concebidas em abstração de uma cultura profissional. Daí a resposta igualmente recorrente do professor: ‘a teoria, na prática, é outra’.
José Sérgio Fonseca de Carvalho
Doutor em Filosofia da Educação pela Feusp
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