Quando foi criado, em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) era uma avaliação voluntária que tinha como objetivo medir as competências e habilidades adquiridas pelos estudantes ao final do ensino médio. Desde sua reformulação, em 2009, o Enem ganhou novas funções. A mais direta é que o exame passou a ser usado como instrumento de seleção em algumas universidades. Outro papel seria o de induzir um currículo para o ensino médio nas escolas – a hipótese é usada pelo Ministério da Educação para justificar o aumento das notas no exame entre 2009 e 2010. No período, a média dos estudantes no país passou de 501,5 para 511,2. Mas será mesmo que o Enem causou impacto nas salas de aula Brasil afora?
As opiniões sobre o assunto são divergentes. Na avaliação de Reynaldo Fernandes, ex-presidente do Inep e professor da Universidade de São Paulo (USP), o impacto existe, e não só por parte do Enem, mas também pelos vestibulares. “O Enem ainda precisa ser discutido e analisado, mas ele é importante para orientar os currículos, caso contrário esse papel ficará a cargo dos vestibulares”, afirmou.
Como em teoria o exame do ensino médio trabalha com questões contextualizadas e traz aos estudantes situações-problema, Luiz Antônio Prazeres, professor do Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aponta que a indução do currículo pela prova é um ganho. “As avaliações tem a função de direcionar. Sua grande vantagem é traçar um novo perfil com foco no desenvolvimento das competências e habilidades dos alunos”, diz.
Entretanto, entre outros especialistas, a percepção é de que a ênfase dada ao exame desvia a discussão de um problema central do ensino médio: a ausência de um currículo mínimo que corresponda às necessidades do jovem do século 21. “Essa eventual melhora no desempenho dos alunos no Enem não elimina a necessidade de termos uma discussão mais séria sobre o currículo do ensino médio”, alerta Romualdo Portela, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp). Além disso, o professor ressalta que o exame pode induzir outro movimento dentro das escolas. “Os professores podem preparar seus alunos somente para a prova, ensinando apenas os conteúdos cobrados. Isso acaba empobrecendo e limitando o currículo”, diz.
Nilson Machado, professor da Faculdade de Educação da USP e um dos criadores do Enem em 1998, acredita que a prova chamou a atenção para os conceitos de competências e habilidades, não alterando de fato o currículo. “O exame chama a atenção para a importância do contexto. As aulas foram levadas a valorizar o fato de que as disciplinas são apenas os meios e as competências os fins”. Entretanto, Machado afirma que o exame ainda “derrapa” em alguns aspectos como, por exemplo, a abordagem dada às questões de literatura que deixa de citar clássicos para dar mais ênfase a textos de jornais e HQs. “Temos que reconhecer há uma influência positiva, mas há também um lado negativo. Não pelo projeto, mas pelo modo como a prova está sendo realizada”, critica.
Sandra Zákia, professora da Feusp, retoma a ideia de que as adaptações no currículo escolar por estímulo do Enem e dos vestibulares sempre aconteceram e lembra: a influência do exame não é uniforme entre as escolas. “É preciso considerar que o impacto depende do perfil de cada uma, e da apropriação que se fará dos resultados”, aponta.
+ Leia aqui reportagem sobre o impacto do Enem nas escolas particulares
Reynaldo Fernandes, ex-presidente do Inep: “O Enem ainda precisa ser discutido e analisado, mas ele é importante para orientar os currículos. Caso contrário, esse papel ficará a cargo dos vestibulares”.
Luiz Antônio Prazeres, professor do Centro Pedagógico da UFMG: “O grande ganho do Enem é direcionar o currículo e traçar um novo perfil para o ensino médio”.
Romualdo Portela, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo: “Nós não temos um currículo no ensino médio que corresponda às necessidades do jovem de hoje”.
Sandra Zákia, professora da Faculdade de Educação da USP “A prova não tem o potencial de melhorar o currículo escolar. Tampouco tem o mesmo impacto na qualidade de ensino em diferentes escolas”.
Nilson Machado, professor da Faculdade de Educação da USP e um dos criadores do Enem em 1998: “O enem ainda derrapa. Temos que reconhecer que há uma influência positiva, mas há também um lado negativo. Não pelo projeto, mas pelo modo como a prova está sendo realizada”.