A fim de valorizar os formadores de docentes, Fundação Carlos Chagas abre inscrições para prêmio dedicado a professores de licenciaturas e seus projetos; autores de estudos em química e em música laureados em 2011 contam suas experiências
Publicado em 28/05/2012
Em 2008, uma pesquisa da Fundação Carlos Chagas (FCC) sobre os cursos de licenciatura apontou que as disciplinas voltadas à discussão da prática em sala de aula e às didáticas específicas representam, na maioria dos casos, apenas 30% da carga horária dessas graduações. Além disso, o formador de professores nem sempre recebe o apoio necessário para realizar seu trabalho, concluiu outro conjunto de estudos da FCC, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a Fundação Victor Civita e o Ministério da educação (MEC). “Nós temos, inclusive, do ponto de vista social, prêmios para professores da educação básica e gestores, mas ninguém se lembra do formador”, aponta Bernadete Gatti, pesquisadora da FCC. Por esse motivo e com a intenção de valorizar e estimular esse profissional, a instituição criou, em 2011, o Prêmio Professor Rubens Murillo Marques para destacar os docentes que também são autores de projetos inovadores. A iniciativa chega agora ao seu segundo ano.
Idealizadora do prêmio, Bernadete ressalta que é comum as instituições valorizarem apenas a formação da disciplina, deixando de lado o desenvolvimento pedagógico. “Na tradição das universidades, a nossa preocupação foi sempre muito bacharelesca. A discussão sobre a formação dos professores começa pela primeira vez a despontar com força no Brasil”, pondera. As inscrições para a segunda edição do prêmio vão até o dia 15 de agosto e são aceitos trabalhos concluídos entre 2011 e junho de 2012. Até três projetos poderão ser contemplados com um prêmio de R$ 30 mil, além de diploma, troféu e publicação da pesquisa na coleção Textos FCC e no site da Fundação. “Com essas premiações, achamos que podemos contribuir para lembrar que o professor não nasce feito. Ele tem de ser formado e isso demanda bons professores que o formem”, completa.
Na edição de 2011, os vencedores foram os professores Bruno Monteiro, da Universidade Federal de Lavras, e Marli Batista Ávila, da Universidade Anhembi Morumbi. Conheça abaixo os trabalhos desenvolvidos por eles nos cursos de licenciatura em química e em música e que foram incorporados às graduações das quais fazem parte.
Questões de harmonia
Quando foi sancionada em 2008 a lei que torna o ensino de música obrigatório nas escolas, o parágrafo que definia uma formação específica para os docentes da disciplina foi vetado. A justificativa? Seria difícil estabelecer a formação mínima necessária para lecionar música. Além disso, argumentou-se que a música é uma prática social enraizada na cultura brasileira, tanto que muitos profissionais sem formação formal são reconhecidos nacional e internacionalmente e, se houvesse uma exigência, estes seriam impossibilitados de dar aulas.
Professora Marli Ávila: aposta na formação docente em música para a escola formal |
Pensando na importância da formação pedagógica, ela elaborou um componente curricular para a formação docente em música para a escola formal. Sua criação resultou no curso que coordena desde 2007. Com o projeto “Uma opção metodológica para o ensino da música na escola brasileira”, Marli foi vencedora do Prêmio Rubens Murillo Marques 2011 para professores inovadores nas licenciaturas. O trabalho tem como base o eixo de disciplinas referentes à metodologia do ensino da música: Metodologia do Ensino da Música, Ensino da Música para Pessoas Especiais e Metodologia do Ensino da Música Instrumental.
Em seu trabalho, Marli ressalta que a formação do professor de música deve ser atrelada à técnica e à aplicação da teoria musical, com embasamento em conceitos pedagógicos gerais e musicais. Para isso, ela lista algumas competências necessárias ao professor, como ser capaz de cantar e tocar um instrumento musical, conhecer metodologias de ensino, desenvolver sua própria metodologia com criatividade e capacidade de adaptação a diferentes contextos, saber dosar o conteúdo, selecionar um repertório básico para as diferentes faixas etárias, considerando regionalismos e outras variantes, além de desenvolver as capacidades de liderança e empatia para conduzir o aluno ao processo de ensino-aprendizagem e fazer do contato com a música um momento também de lazer.
Além do núcleo de metodologias, o curso tem o apoio de outras disciplinas, como técnicas e habilidades, onde são trabalhadas improvisação, prática e regência instrumental e coral, brincadeiras sonoras, entre outros. Há também um eixo que aborda diferentes repertórios musicais dentro da música brasileira, além de fundamentos teóricos, contextualização histórica e ações interdisciplinares. Por fim, os procedimentos didáticos vistos em sala de aula são aplicados pelos alunos em seus estágios.
A primeira turma do curso se formou no final de 2011. Marli aponta que pelo menos a metade dos alunos já chega com alguma experiência de sala de aula e comprova conhecimentos e habilidades musicais. “Em geral, a faixa etária é de alunos mais maduros, mas também temos jovens”, conta. Um dado curioso, e até mesmo preocupante, é que alguns desses alunos apresentam pouca vivência musical. Além de problemas de afinação, a professora revela que o trabalho com o corpo também apresenta certas dificuldades quanto à coordenação rítmico-motora, que provavelmente não foi bem desenvolvida no período da educação infantil.
A professora acrescenta que o prazo das escolas para adaptar seu currículo à lei que determina o ensino de música nas escolas terminou no começo do ano. “Como o ensino agora é obrigatório, a demanda por professores é grande”, diz. Embora existam cursos de formação docente em música, eles são pouco habitados. A tendência é que a procura agora seja maior, mas, segundo Marli, haverá durante alguns anos um déficit de professores na área.
Além da sala de aula
“Existem barreiras simbólicas e materiais que afastam os professores das redes sociais de pertencimento que circulam ao redor dos equipamentos culturais”, afirma o sociólogo francês Pierri Bourdieu em seu livro A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Motivado por essa constatação e por seu interesse pela área da museologia, o professor Bruno Monteiro, do Departamento de Química da Universidade Federal de Lavras, criou uma nova disciplina para o curso de licenciatura em química, denominada Espaços não formais de educação em ciências, cujo principal objetivo é introduzir na formação dos professores a reflexão sobre o uso de espaços não formais no ensino de ciências, como museus, centros de ciências e centros tecnológicos.
Professor Bruno Monteiro: o ensino de ciências em espaços não formais |
Em sua pesquisa, Monteiro percebeu que a utilização dos espaços não formais pelas escolas é meramente ilustrativa e deixa de aproveitar os recursos oferecidos. Por outro lado, os centros de ciência assumiram a função educativa. Em 2008, ao final do 5° Congresso Mundial de Centros de Ciência, foi lançada a Declaração de Toronto. O documento ressalta a importância dos museus na promoção da alfabetização científica e atribui a eles o papel de motivar os alunos no processo de ensino-aprendizagem e capacitar professores a apresentar formas mais eficazes de ensinar ciências. Embora a intenção seja boa, Bruno argumenta que essa lógica está invertida. O professor é quem deve pensar o que é importante abordar e qual a melhor metodologia para ser usada. “Defendo que seja criado um canal real de diálogo entre as duas instituições para se pensar uma pauta comum de trabalho”, afirma.
A disciplina, ministrada no último semestre do curso, tem quatro etapas: na primeira, os alunos estudam artigos de referência sobre o tema; na segunda, eles são orientados a visitar museus e centros de ciência e produzir notas de campo, destacando sempre os aspectos que podem ser recursos pedagógicos; na terceira etapa, já mais voltada para o lado prático, são construídos planejamentos de ensino sobre temas livres constantes na grade curricular de química da educação básica que incluam a utilização de espaços não formais. Por fim, esses planejamentos são desenvolvidos durante o estágio dos alunos nas escolas da região.