NOTÍCIA

Ensino Médio

Aprendizado sustentável

Temas a serem debatidos pela conferência Rio+20 podem ajudar o professor a aproximar os conteúdos escolares da realidade dos alunos

Publicado em 01/06/2012

por Luciana Alvarez





Não é de hoje que temas como preservação do meio ambiente, reciclagem e uso racional de recursos naturais vêm ganhando espaço na sociedade e, por consequência, nas escolas. Este ano, porém, o assunto está conquistando ainda mais destaque graças à realização da Rio+20, conferência das Nações Unidas (ONU) sobre Desenvolvimento Sustentável, que acontece entre os dias 13 e 22 de junho, na cidade do Rio de Janeiro. A Rio+20 marca o aniversário de 20 anos da Eco-92, cúpula sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento promovida pela ONU também no Rio, e se insere numa longa tradição de conferências ambientais, que começou em 1972 em Estocolmo, Suécia. Nesta oportunidade, representantes de governos de mais de 190 países, assim como representantes da sociedade civil, vão se reunir para revisar os principais protocolos e recomendações assinadas anteriormente, além de traçar novos planos para o futuro do planeta.


A reunião atual, porém, vai além da questão puramente ambiental; ela trata do desenvolvimento sustentável, o que significa buscar soluções para construir um mundo socialmente mais justo, economicamente próspero e ambientalmente sustentável.  Oficialmente, as discussões da Rio+20 foram divididas em dois temas. O primeiro é “a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza”. De acordo com a definição do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), economia verde é aquela que resulta em melhoria de qualidade de vida e igualdade social, ao mesmo tempo que reduz os riscos ambientais e a escassez de recursos naturais. Para alcançar tais objetivos, as atividades econômicas precisam ter baixa emissão de carbono, ser eficientes no uso de matérias-primas e energia, e ser socialmente inclusivas.


O segundo tema a ser trabalhado é o “quadro institucional para o desenvolvimento sustentável”. Apesar de parecer um assunto burocrático e ter menos apelo midiático, ele é de vital importância para pôr em prática os compromissos já firmados no papel ao longo dos anos. A intenção é que se criem mecanismos adequados para que a ONU possa promover a transição para um futuro sustentável. A conferência terá três momentos: entre os dias 13 e 15 haverá reuniões do Comitê Preparatório, responsável por negociar os termos para os documentos oficiais; de 16 a 19 será a vez dos eventos com a sociedade civil; de 20 a 22, ocorre o chamado Segmento de Alto Nível da Conferência, para o qual são esperados chefes de Estado e de governo.


Compromisso social
O que se espera como resultado ao fim da cúpula é um documento oficial de caráter político (sem detalhes técnicos), curto (de umas 20 páginas), assinado por todos os países presentes, que reforce o compromisso deles com a agenda do evento. Entretanto, ele servirá apenas como uma “carta de intenções”, pois não será vinculante como uma lei, ou seja, não obrigará as nações signatárias a cumprirem o que estiver escrito.


Tendo em vista o atual cenário de crise econômica internacional, analistas acreditam que grande parte dos governos representados no Rio não estão propensos a firmar grandes compromissos, evitando quaisquer metas que potencialmente sejam custosas ou ameacem de alguma forma sua já instável saúde financeira. A grande esperança para que haja um acordo relevante depende da habilidade diplomática das autoridades brasileiras, anfitriãs do evento, em costurar um texto que agrade a todos.


Ainda que o documento final não seja o esperado, a conferência traz benefícios para além da agenda oficial ao estimular o diálogo entre governos, estudiosos e movimentos sociais que lutam pelas mais diversas causas. Outro resultado positivo da Rio+20 começou a se produzir antes mesmo de a cúpula começar oficialmente: o aumento do debate público sobre como a sociedade pode continuar crescendo e produzindo sem causar danos ao ambiente. Portanto, independentemente do que for aprovado pelos membros da ONU, a conferência reforça no dia a dia um tema que até pouco tempo atrás ficava restrito aos ambientalistas.


As escolas, como local privilegiado de produção de novos conhecimentos e formação de consciência para a cidadania, não devem se furtar a esse debate. Com um amplo leque de assuntos sendo discutidos na Rio+20, ela pode ser abordada de forma interdisciplinar, em eventos que reúnam várias séries e disciplinas, ou como gancho e  contextualização de conteúdos já previstos em praticamente todos as disciplinas do currículo do ensino básico e médio.


Em sala de aula
As discussões na Rio+20 vão abordar temas tão variados quanto energia e emprego, cidades e oceanos, desastres naturais e alimento: o material para os professores é farto. O ciclo do carbono e a queima de combustíveis podem entrar nas aulas de química; a evolução do emprego desde a Revolução Industrial até hoje nas aulas de história, por exemplo.Para não se perder em meio a uma avalanche de informações, a professora de biologia Heliana Han, de São Paulo, recomenda que os docentes escolham algum dos assuntos em pauta e fechem seu foco sobre ele. “Dentro de cada tema há muito a ser trabalhado para que haja um aprofundamento. É interessante pedir que os alunos façam pesquisas – e o próprio site da ONU oferece inúmeros artigos e publicações”, afirma Heliana. Com suas turmas, Heliana escolheu orientar trabalhos sobre segurança alimentar, ou seja, estudar maneiras de garantir que toda a população mundial, que se mantém crescendo, tenha acesso a comida. O projeto está sendo realizado em parceria com a professora de química.


A questão da energia, um dos grandes eixos de discussão na cúpula da ONU, é também obrigatória nas aulas de física – formas de produção, impactos, transmissão e consumo. O professor de ciências Gustavo Simas, que leciona na rede particular e pública do Rio de Janeiro, afirma que já está abordando com seus alunos o assunto. “Com minhas classes do 9º ano, por exemplo, estamos questionando se as energias renováveis são só positivas, se elas não trazem nenhum impacto, avaliando por que são melhores”, diz. Ao mesmo tempo que olha para temas globais, a Rio+20 representa uma ótima oportunidade de conquistar o aluno para conteúdos com impacto direto sobre sua vida. Entre as inúmeras possibilidades, Simas cita ensinar como ler um relógio de luz, como calcular a quantidade de energia necessária para um banho de 15 minutos e o que significa um eletrodoméstico ter o selo Procel de Economia de Energia.


Uma ideia que deve estar sempre presente quando se trata de educação e sustentabilidade é o estímulo para que o estudante, além de aprender a teoria, também coloque em prática o que aprende. Para isso, porém, o docente deve ter a capacidade de fazer a conexão entre a questão maior, discutida pelos governos, e a responsabilidade individual de usar os recursos de forma consciente. “Não devemos só pensar que o problema é a termoelétrica da China, o consumo exagerado dos americanos. O aluno tem de se situar nesse cenário”, afirma Simas, ao defender que é papel do professor conscientizar os jovens sobre sua participação nos grandes impactos ambientais atualmente produzidos pela humanidade, assim como na proposição de possíveis soluções.


Entendendo as mudanças
Na geografia, o docente Maurício Costa de Carvalho, que trabalha com o ensino médio em São Paulo, também diz que faz um esforço para aproximar o evento mundial do cotidiano dos estudantes. “Gosto de discutir as notícias que saem no jornal, avaliar o impacto que as políticas internacionais têm para o Brasil”, conta. Um dos temas presentes nas aulas de Carvalho –  que também está inserido no contexto do desenvolvimento sustentável – é a votação do novo Código Florestal no Brasil.  “Ele traz uma transformação profunda na organização do território brasileiro, com impactos na Amazônia, no que resta de Mata Atlântica, e também nas cidades”, diz o professor. Caso o texto aprovado no Congresso Nacional seja sancionado pela presidente Dilma Rouseff, causará mudanças que podem aumentar o desmatamento e os riscos de deslizamentos de construções nas encostas de morros, entre outros.


Engajamento
Uma proposta para envolver todos os estudantes no debate, estimulando o protagonismo juvenil, é escolher um tema polêmico – como a construção da usina de Belo Monte -, dividir a classe ao meio e dar a cada uma das metades a tarefa de buscar argumentos. Para um dos grupos contra; para o outro, a favor. “Tento estimular a ação, que o aprendizado seja vinculado a uma atitude concreta. Tenho alguns alunos que se tornaram verdadeiros ativistas contra a atual redação do Código Florestal, algo que acho muito legal”, diz Carvalho. É por isso que o docente também incluirá como tema de suas aulas a Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio+20.


Entre os dias 15 e 23 de junho, no Aterro do Flamengo, representantes de movimentos sociais de todo do mundo vão se reunir para discutir questões semelhantes às que permeiam as conversas entre os governantes na Rio+20: como ter uma economia mais verde e mais igualitária. Mas a Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental, organizada pelo Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20 (CFSC), focará  sua atuação sobretudo em mostrar experiências de como isso é possível.


Os participantes desse evento paralelo – que conta com participação em massa de grupos contra grandes obras (como a usina de Belo Monte) por causa do impacto que provocam – também pretendem pressionar os chefes de Estado e governo, para que saiam do Rio com um compromisso efetivo em prol do bem do planeta. Há uma passeata prevista para o dia 17. No dia 20, o plano é marcar o Dia da Mobilização Internacional, com manifestações que enviem mensagens para os organizadores do evento oficial, o Rio+20.


Mão na massa
Como as escolas brasileiras levaram o conteúdo da Rio+20 à sala de aula


Inspiradas nas discussões da Rio+20, 14 escolas públicas e privadas da Gávea, no Rio de Janeiro, estabeleceram um cronograma de debates sobre ações conjuntas para melhorar o bairro e a cidade, seguindo os preceitos do desenvolvimento sustentável. O primeiro debate já ocorreu no dia 7 de maio, no Colégio Teresiano, com o tema “Como será verde o meu vale nos próximos 20 anos?”. Questões relativas à ocupação das encostas da Gávea, vegetação, hidrografia e transporte estiveram entre os temas abordados. Um documento com propostas será encaminhado ao prefeito do Rio. Mas as escolas pretendem que o fórum criado nesta oportunidade se estenda mesmo depois da Rio+20, e que toda a comunidade seja envolvida pelo projeto. Entre as ambições do grupo está montar um plano de revitalização do Parque da Cidade. O conjunto de ações desenvolve competências político-sociais que unem conhecimentos de diversas áreas do saber – como biologia, física, geografia, história, português.


Iniciativa semelhante acontece no colégio Magister, de São Paulo: um evento envolvendo alunos do fundamental e médio simula a cúpula da ONU. A iniciativa é organizada pelos próprios estudantes, mas famílias e comunidade em geral também podem assistir às discussões. Os jovens se dividiram em pequenos grupos e representam as delegações de cada país participante. Eles, portanto, precisaram estudar a realidade ambiental do local para pensar em propostas que gerem um desenvolvimento sustentável, num exercício que envolve articulação de conhecimentos interdisciplinares e pensamento criativo. Alguns dos alunos foram incumbidos de fazer a cobertura jornalística dos debates.


Mesmo sem realizar grandes eventos, contudo, é possível abordar a Rio+20 de forma ampla e interdisciplinar. No Colégio Ítaca, também de São Paulo, a opção foi por dar uma série de aulas a respeito da Cúpula e seus temas na recém-criada disciplina “Contemporâneas”. A bióloga e consultora ambiental Tatiana Pavão foi convidada para ministrar o módulo, que está abordando assuntos como pré-sal, flagelo social, capitalismo e sustentabilidade.


Rio+20


Local: Rio de Janeiro (RJ)


Data: de 13 a 22 de junho de 2012


Presença: Devem comparecer líderes dos 193 países que fazem parte da ONU, além de centenas de representantes de ONGs, universidades e centros de pesquisa


Onde encontrar mais informações:
www.rio20.info (Site oficial da conferência; muitos textos disponíveis apenas em inglês);
www.rio20.gov.br  (Site do governo brasileiro sobre a conferência);
www.radarrio20.org.br (Site didático sobre a conferência, organizado pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV, pelo Instituto Socioambiental (ISA) e  pelo Vitae Civilis)

Autor

Luciana Alvarez


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