Fotógrafo inglês registrou o cotidiano de jovens estudantes em todos os continentes; em entrevista à Educação, ele fala sobre o projeto que durou oito anos
Publicado em 02/10/2012
Da moderna escola japonesa, equipada com computadores de última geração, passando por uma aula de violoncelo, na Espanha, até uma escola rural no Peru, com suas paredes cor de ocre e chão de terra batida. Ou de uma escola na Nigéria apenas para meninas cobertas dos pés às cabeças por suas burcas, até os 30 meninos iemenitas e seus uniformes verdes estilo militar. Entre 2004 e 2012, as lentes do fotógrafo inglês Julian Germain viajaram todos os continentes para registrar o cotidiano de diferentes salas de aula ao redor do mundo. O projeto resultou no livro Classroom Portraits (Retratos de salas de aula, em tradução livre), que traz 87 fotos tiradas em 19 países ao longo de oito anos. Lançado em setembro no Reino Unido, o volume ainda não tem previsão para chegar ao Brasil. Em entrevista à Educação, Germain fala sobre seu processo de criação e as experiências que vivenciou entre estudantes e professores. Confira abaixo uma seleção das fotos do livro Classroom Portraits.
#G#
De onde surgiu a ideia de fotografar salas de aula?
Essa vontade começou quando eu percebi que nunca mais havia estado em uma escola desde que terminei o ensino médio. Quando você é criança, a escola é uma das coisas mais importantes da sua vida. Ao mesmo tempo em que você deixa a escola, muita coisa fica para trás e você acaba retomando essas lembranças apenas quando tem seus próprios filhos e eles começam a frequentar as salas de aula. Além disso, comecei a olhar ao redor e descobri que não existia arte sobre a escola. Você vai a museus e galerias de arte e a escola não é representada. Eu sou um artista fotográfico e há uma tradição de se fotografar assuntos dramáticos, mas eu também me sinto atraído por fatos cotidianos. Como a escola é um objeto inexplorado nas artes e muito importante em nossas vidas, achei que seria interessante criar um projeto sobre ela.
Quando você decidiu retratar escolas ao redor do mundo?
A minha ideia não era fazer um grande projeto internacional. Meu plano inicial era fotografar seis escolas apenas no Reino Unido. Comparado a outros países, como o Brasil, o Reino Unido é muito pequeno, mas percebi que escolas separadas por 100 quilômetros de distância podiam ser completamente diferentes. Por exemplo, na cidade de Washington, as crianças são praticamente todas brancas. Já em Bradford, havia apenas três crianças brancas na sala de aula, porque a cidade tem uma grande população asiática – a maior parte de Bangladesh. Nós temos no mesmo país uma variedade enorme de escolas. Por outro lado, quando olhamos para as fotografias, reconhecemos nelas o lugar onde estudamos e surgem diversas memórias. Certo dia fui para a Argentina fazer um trabalho e acabei visitando algumas escolas. Depois fiz o mesmo no Brasil. Olhando essas fotografias da Argentina e do Brasil, achei interessante ver escolas de diferentes países e culturas e tomei a decisão de tentar fotografar salas de aula quando eu viajasse para outros lugares.
E como foi fotografar em países diferentes?
Quando comecei a fotografar em outros países, fiquei um pouco nervoso, com medo de estar culturalmente desconectado. Quando eu olho as fotos do Reino Unido, há um reconhecimento, um monte de memórias da minha época de escola. É lógico que a escola muda, mas de muitas maneiras é a mesma da minha época. Um pouco desse reconhecimento pessoal é perdido quando eu vejo as fotos de outros países. Apesar disso, é interessante reparar nos pequenos detalhes diferentes em cada cultura.
Você notou semelhanças e diferenças entre as escolas fotografadas?
Eu fiz muitos retratos e há centenas de crianças nas minhas fotos, mas ainda é uma parcela muito pequena de quantas escolas ou alunos existem. Por isso digo que esse não é um projeto científico, são apenas impressões. Mas uma coisa que chamou minha atenção foi a diferença do controle que os professores têm sobre os alunos em cada país. Posso te dizer que em todas as escolas que eu visitei a ordem e a disciplina eram boas, mas em alguns países os professores eram mais rígidos do que em outros. Na Nigéria, por exemplo, há um senso de rigor e autoridade muito forte. Já na Alemanha, eu senti que os alunos são mais descontraídos em relação aos professores. Eu não sou professor, mas acho que o mais importante é haver respeito de ambas as partes. Estive em uma escola rural na Etiópia, onde fiquei muito tocado com a relação dos alunos com o professor de física. Acho que por se tratar de uma escola num país muito pobre, ser professor de física tem um status muito alto. Os alunos o respeitavam muito e ele realmente amava as crianças. Havia nessa classe uma atmosfera incrível de querer estudar e entrar em uma universidade.
Ao folhear o livro, a expressão das crianças chama muito a atenção. Elas estão todas sérias, olhando diretamente para a câmera. Por que você escolheu fotografá-las dessa forma?
Eu me interesso muito por retratos, por isso os alunos estão olhando diretamente para a câmera. Eu gosto de lidar com a câmera de forma direta; isso se torna psicologicamente poderoso, especialmente quando é um grupo grande de pessoas. Mas eu nunca disse como os alunos deveriam olhar ou que eles deveriam ficar sérios. Acho que o próprio processo de criação das fotos fez as crianças compreenderem que aquele era um momento importante para mim. Eu tinha que falar com todo mundo. Pedia para eles se movimentarem, virem um pouco para a direita ou para a esquerda. Eles entenderam que todos tinham um espaço na foto e todos eram importantes para ela. Eu lembro que, em uma das fotos que fiz numa escola rural, um dos meninos colocou a mão no coração para a fotografia, como os jogadores brasileiros fazem ao ouvir o hino do país.
Por que a foto do Brasil foi escolhida para ser a capa do livro?
Eu não queria passar a impressão de que o livro era apenas sobre a Europa. Ao mesmo tempo, se eu escolho uma foto da África, por exemplo, as pessoas logo pensam que é um livro sobre pobreza. Eu acho que essa era uma classe bem misturada, de uma forma brasileira. Não há só pessoas brancas ou negras. Outra coisa sobre essa foto é o garoto da frente, com o boné do São Paulo. Ele atrai o olhar para a fotografia. Quando se tem uma fotografia com 30 ou 40 pessoas, é comum escolher para a capa alguma que tenha um indivíduo que atrai o olhar por um caminho.
A foto do Brasil foi uma das primeiras da série, certo?
Sim, essa foto é de 2005. Nossa… é impressionante como o tempo voa. Os alunos brasileiros que eu fotografei já até deixaram a escola. Esse também é um elemento interessante no livro; ele fala sobre o futuro. Quando eu fiz a exposição dessas fotos, ela se chamou “O futuro é nosso”. Eu gosto de fazer essa referência sobre como a educação é essencial para um país. Outra coisa que eu acho muito forte é que quando olho o livro página a página, com essas centenas de crianças me olhando, a sensação que tenho é a de que, como adultos, somos todos responsáveis por elas. Estamos construindo o mundo para elas. Eu espero que as pessoas também tenham essa sensação quando olharem o livro.