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Hora de tirar dúvidas!

Os professores deveriam aplaudir os alunos que trazem dúvidas difíceis de tirar. Se acertarmos nas dúvidas, atingiremos o alvo da educação

Publicado em 10/04/2013

por Gabriel Perissé





Ilustração de Cris Eich, no livro Do outro lado da

A professora, após explicar o que tinha de explicar, disse:

– É isso aí, gente! Quem tiver alguma dúvida pode falar, agora é a hora de tirar as dúvidas.

O menino levantou o braço.

– Muito bem, Jeferson! Que dúvida você tem?

O aluno tinha uma dúvida sobre subtração com números fracionados. E a professora rebateu, decepcionada:

– Vê-se logo que você não estava atento à minha explicação, não é? Que dúvida é essa! Como você não conseguiu entender algo tão simples?

E repetiu a mesma explicação. Com receio de frustrar a professora, e de tomar outra bronca, o menino fez cara de que finalmente entendera tudo. A dúvida foi tirada… para fora.

– Alguém mais tem dúvida? – voltou a perguntar a professora. Aguardou alguns segundos, olhando para a turma por cima dos óculos. Mas dessa vez o silêncio lhe dizia que sua aula tinha sido perfeita.


Dubito ergo sum
Duvidar faz parte do processo natural do pensamento. Ficamos em dúvida, entre sair ou não, entre o sim e o não, entre aquele caminho ou outro, ou um terceiro ainda. A dúvida é existencial. Duvidamos, por isso existimos. E, para continuar existindo, precisamos ver os prós e os contras, e escolher os caminhos que nos pareçam mais adequados.


As três palavras em latim – dubito ergo sum – são de inspiração cartesiana. O filósofo francês Descartes dizia que pensar é duvidar, e que duvidar é sinal de que estamos vivos. Os vivos vivem suas dúvidas e suas certezas. Os vivos têm certeza de que tirar toda e qualquer dúvida é extirpar um pedaço da nossa mente.


Para levantar dúvidas precisamos estar atentos. O aluno teve a coragem de falar, e a professora perdeu a chance de fazer uma autocrítica. A explicação repetida tirou a dúvida da frente, eliminou a dúvida por decreto, impedindo que aquele e os demais alunos vissem como é possível praticar a poesia da dúvida.


Quando alguém deixa a dúvida aparecer é porque está pensando, é porque está com a mente em ação. A mente ativa faz poesia. As mentes poéticas são flexíveis, curiosas, disponíveis para descobrir a complexidade da vida. São mentes abertas para novas interpretações.


“Onde houver dúvida, que eu leve a fé.”


Podemos reinterpretar essa frase como um convite à convivência entre dúvida e certeza. A dúvida precisa ser acompanhada pela certeza. E a certeza precisa ser precedida pela dúvida.


O inferno da certeza
A certeza pela certeza pode levar à estagnação mental e existencial. E duvidar por duvidar pode nos levar para o beco sem saída da certeza. Quando duvidamos por teimosia (ou quando por teimosia não queremos duvidar), deixamos de aprender. A professora não tinha a menor dúvida de que a sua explicação era a única explicação certa. E que era a melhor de todas as explicações possíveis!


Vejamos esse irreverente poema de Mario Quintana, do seu livro Caderno H:


A dúvida e a certeza
São Tomé – que, como todo o mundo sabe, foi o precursor da dúvida cartesiana – jamais perdeu a obsessão das verdades palpáveis e por isso foi parar no Inferno. Ora, os mais infelizes dentre os infernados são os arrependidos e um destes censurou tristemente a Tomé:
– Viste? Só de teimoso tu perdeste o Céu…
E Tomé:
-O Céu? Não sejas doido… Só existe o Inferno!


É para ver o outro lado do céu, ou o outro lado do inferno, que precisamos pensar. O poeta Quintana coloca um santo no inferno. São Tomé tem fé naquilo que vê, e por isso tem certeza de que o inferno existe.


Mas o poema poderia continuar assim:
Quando o Diabo ouviu dizer que São Tomé andava pelo Inferno, disseminando a dúvida entre os infernados, foi procurá-lo, soltando fogo pelas ventas:


– Tomé! Como ousas colocar em dúvida a existência do Céu. Sem o Céu, o Inferno não tem mais graça!
– Só acreditarei no Céu se eu puder ver com meus próprios olhos.
O Diabo pegou São Tomé pelo pescoço e o lançou para o alto. Quando chegou ao Céu, São Pedro censurou a Tomé:
– Por onde andavas, rapaz? Jesus pergunta por
ti todos os dias!
Tomé não hesitou e disse:
– Duvido!


Hora de acertar na dúvida
Estamos cercados de certezas e de dúvidas. Se acertarmos nas dúvidas, atingiremos o alvo da educação. Os professores deveriam aplaudir os alunos que trazem dúvidas difíceis de tirar. Uma boa dúvida rompe com a monotonia da única resposta certa.


O pedagogo inglês Ken Robinson defende o cultivo do pensamento divergente. Quantas utilidades podemos dar para um clipe? Há quem acredita que essa pequena peça de metal ou matéria plástica tem como única função juntar papéis.


Ao colocar em dúvida esta certeza, os papéis se soltam e também nossa mente. Experimente sua mente! Ao terminar de ler este artigo, faça uma lista.


Não tenho a menor dúvida de que você descobrirá centenas de utilidades para um clipe.


*Gabriel Perissé é doutor em Filosofia da Educação (USP) e pesquisador do Núcleo Pensamento e Criatividade (NPC) – www.perisse.com.br

Autor

Gabriel Perissé


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