Com o sepultamento da MP 592/2012, mais uma vez o Congresso Nacional inviabiliza a destinação das receitas arrecadadas com o petróleo para a educação. E para retomar a pauta, o movimento educacional precisa conhecer o péssimo marco regulatório brasileiro de exploração de hidrocarbonetos, contrário aos interesses da nação brasileira
Publicado em 25/04/2013
Brasília, 25 de abril de 2013.
Teve vida curta a Medida Provisória (MP) 592/2012, que vinculava parte das receitas com royalties do petróleo ao financiamento da educação. A Comissão Mista dedicada a analisar a matéria optou, absurdamente, por deixá-la perder sua vigência, ou seja, caducar. Um estranho acordo entre parlamentares da oposição e do governo, de Estados e Municípios confrontantes e não confrontantes, resultou nessa decisão.
A desculpa dada foi aparentemente boa. A distribuição federativa das receitas arrecadadas com a exploração do petróleo está sendo analisada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Esse é um fato, mas que não inviabiliza outro: a destinação desses recursos para a educação.
Após ter sido aprovada pela Conae (Conferência Nacional de Educação) de 2010, o Governo Federal assumiu como sua a proposta de vincular a riqueza do petróleo às políticas educacionais. Nenhum problema, pelo contrário. Considerando-se a relevância da ideia e a contabilidade de votos no Congresso Nacional, esmagadoramente favorável ao Palácio do Planalto, conceder autoria se transforma em uma atitude estratégica e de responsabilidade cívica.
Contudo, boas ideias não concretizadas equivalem a um jogo de soma zero, com o prejuízo de gerarem frustração e desânimo. Além disso, no âmbito das leis, toda e qualquer intenção declarada precisa ser materializada em redações claras e objetivas, capazes de atingir um objetivo. Caso contrário, só servem como exercício de propaganda verborrágica.
Após ser estranhamente derrotada em sua primeira tentativa de investir a riqueza gerada pelo petróleo em educação, a Presidenta Dilma Rousseff anunciou com a assertividade que lhe é característica, a edição da MP 592/2012, comemorada com euforia no entardecer de novembro do ano passado. Mas, ao ler o conteúdo da MP, publicada na primeira segunda-feira de dezembro, o movimento educacional compreendeu que, por aquele instrumento, as receitas do petróleo não tinham sido vinculadas à educação.
Naquele momento, a experiência acumulada na tramitação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação), da Lei do Piso Nacional Salarial do Magistério, da Emenda à Constituição 59/2009 e do PNE (Plano Nacional de Educação), além da vitoriosa derrubada do Recurso 162/2012 — apresentado pelo Governo Federal para prender a proposta do novo plano educacional na Câmara dos Deputados –, me colocou entre os prudentes.
Frente a um texto desanimador, em conjunto com a CNTE (Confederação dos Trabalhadores em Educação) e em diálogo com os ‘campanheiros’ (como identificamos os membros da Campanha Nacional pelo Direito à Educação) Idevaldo Bodião e Luiz Araújo, propusemos 7 emendas aos parlamentares Fátima Bezerra (PT/RN), Ivan Valente (PSOL/SP), Eudes Xavier (PT/CE) e Paulo Rubem Santiago (PDT/PE), todas devidamente apresentadas. Ocorre que não podemos desperdiçar qualquer chance. O nosso trabalho, muitas vezes, pode ser sintetizado como a transformação do natural oportunismo eleitoral dos governantes em oportunidades para consagração dos direitos educacionais. Não deixa de ser uma tentativa de reificar o realismo político em benefício dos direitos humanos.
Adicionalmente, aproveitando o recesso parlamentar e após reuniões com o Ministério da Educação e lideranças do Congresso Nacional, em janeiro, conseguimos, por meio das projeções do Prof. Gil Vicente dos Reis da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), demonstrar que a disputa pelas receitas com royalties e participações especiais não podia ser abandonada, mas que o financiamento adequado das políticas educacionais exigia muito mais.
Ou seja, para o Brasil fazer jus à meta do novo PNE, que determina um investimento equivalente a 10% do PIB para a educação pública, a ser alcançado em 10 anos, se faz necessária a vinculação de todas as receitas arrecadadas com o petróleo, pela União, Estados e Municípios, incluindo os recursos oriundos do polígono do pré-sal, apelidado de ‘bilhete premiado brasileiro’. E esse tesouro, na prática, não foi vinculado à educação pela MP.
Graças ao reconhecimento e relevância do trabalho da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em 19 de março, fui convidado a apresentar na Comissão Mista da MP 592/2012 os cálculos capazes de justificar a vinculação de todos os recursos arrecadados com o petróleo à educação pública. Não foi fácil defender a destinação exclusiva em uma mesa compartilhada com prefeitos, pesquisadores dedicados à exploração do petróleo, representantes da ANP (Agência Nacional do Petróleo) e da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Apenas a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), também presente à mesa, apoiou explícita e integralmente a causa. Embora eu considere justo o apelo da SBPC para que seja destinada uma menor parte dessa receita à ciência e tecnologia.
Como resultado, é possível afirmar que a exposição surtiu efeito. Embora a riqueza do pré-sal não tenha sido devidamente vinculada ao financiamento da educação pública no relatório apresentado em 16 de abril, pelo relator da matéria, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), todas as emendas da Campanha Nacional pelo Direito à Educação foram, ao menos, parcialmente incorporadas — o que embora não seja suficiente, também não é pouco.
Contudo, na última terça-feira, 22 de abril, a MP 592/2012, que perde a eficácia no próximo dia 12 de maio, foi abandonada pela Comissão Mista. O funeral foi triste, com poucas testemunhas oculares, além de membros da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. O sepultamento foi apoiado por praticamente todo o colegiado, afora a manifestação de dois votos contrários: o próprio do relator, deputado Zarattini, e do deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), da oposição.
E assim, como é pesado o ônus do sepultamento da MP 592/2012, especialmente após tanta euforia gerada no momento de sua divulgação, os senadores e deputados da Comissão Mista chamaram de sobrestamento o verdadeiro abandono da questão.
Sobrestar é suspender. A suspensão, segundo os parlamentares, iria até o julgamento da distribuição federativa dos royalties e participações especiais no plenário do STF. Ocorre que dificilmente o STF deliberará sobre o tema antes de 12 de maio, prazo máximo para votação da MP não apenas na Comissão Mista, mas também nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em dois turnos.
Como cidadão, incomoda mais do que a falácia demagógica. Fazendo uso de palavras desconhecidas ou sob o medíocre argumento de inconstitucionalidade, entre outras estratégias, os governantes criam justificativas irracionalmente repetidas pela opinião pública, especialmente pela grande imprensa. Se houvesse real interesse, a MP 592/2012 poderia tramitar rapidamente nas duas Casas, abandonando o tema da distribuição federativa dos recursos, questionada no STF, em uma disputa que envolve Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo e alguns de seus municípios contra todos os outros Estados e Municípios do Brasil. Portanto, ao invés de tocar nesse espinhoso tema, a MP poderia se dedicar, exclusivamente, a destinar os recursos à educação pública. E se fosse considerada, entre as receitas vinculadas, aquela extraída do polígono do pré-sal, provavelmente seria possível incluir a saúde, a ciência e tecnologia e a defesa entre as áreas beneficiadas.
Mas, fazendo uso de uma desculpa que parece ter sido boa, considerando-se que está sendo amplamente aceita pela opinião pública, os parlamentares tentam transferir ao STF um ônus alto em um período pré-eleitoral: por motivos nada republicanos, abriram mão de determinar uma fonte promissora de recursos ao novo PNE, no momento paralisado no Senado Federal.
E quais são os próximos passos?
Com o sepultamento da MP 592/2012, a destinação das receitas do petróleo à educação pública volta à estaca zero. Há divergência sobre se é legal ser editada uma nova MP, ainda este ano, com o mesmo teor. Se não for, como hoje a exploração do petróleo é regulada por leis ordinárias, a vinculação poderia ser resolvida diretamente na Lei do PNE, por meio de alterações pontuais às leis 9.478/1997 e 12.351/2010, que tratam dos contratos exploratórios segundo os modelos de concessão e partilha, respectivamente. Além dessas alternativas, deputados como Alessandro Molon (PT-RJ), Angelo Vanhoni (PT-PR) e Newton Lima (PT-SP) buscam outros meios legislativos por meio de PECs (Propostas de Emenda à Constituição) e Projetos de Lei específicos.
Nesse sentido, diante do trabalho da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, no dia de hoje, o Deputado Alessandro Molon propôs um PL que vincula, por 10 anos, toda a riqueza do pré-sal, transferida e acumulada no Fundo Social, à educação. A MP 592/2012 só previa 50% dos rendimentos. Em números, segundo estimativas, a proposta da Campanha incorporada pelo parlamentar fluminense, pode gerar um volume de recursos equivalentes a 4% do PIB em 2020. Já metade dos rendimentos das aplicações do Fundo Social, como propõe a referida MP, deve alcançar, no máximo, o equivalente a 0,015% do PIB em 2020.
A sociedade precisa conhecer o marco regulatório da exploração do petróleo
Obviamente, toda e qualquer movimentação por uma causa justa é positiva e necessária. Mas antes do movimento educacional iniciar uma nova empreitada sobre o tema, é importante que se saiba que não basta simplesmente exigir receitas do petróleo à educação. Para não ficarmos entregues, precisamos conhecer em profundidade o frágil marco regulatório brasileiro para exploração do petróleo.
Nesta quinta-feira, 25 de abril, em reunião que transcorreu por toda a manhã, consultores legislativos do Congresso Nacional da área de educação e hidrocarbonetos transformaram em certeza aquilo que antes era uma incômoda desconfiança: os regimes de concessão e partilha vigentes no Brasil são altamente favoráveis às petroleiras, especialmente a Petrobrás, em detrimento do Poder Público brasileiro. Mas, curiosamente, esse tema não vem à tona.
Um exemplo: o regime de partilha, destinado à exploração do polígono pré-sal, prevê que vence um processo licitatório a empresa que conceder o maior retorno de excedente em óleo ao Estado brasileiro. Dito em termos mais didáticos, ganha o direito de exploração do “bilhete premiado” a petroleira que dividir com o Estado brasileiro a maior fatia do negócio. De modo muito simplificado e ainda mais simplista, fica com o direito de ganhar na loteria aquele apostador que der a maior parte do prêmio para a União, representada pelo Poder Executivo Federal, ou seja, o Governo Federal.
Mas o pré-sal não é uma loteria simples, são necessários investimentos para se alcançar e explorar o tesouro. E é aí que reside o problema: o marco regulatório do regime de partilha brasileiro é peculiar por não apresentar um piso para a divisão da partilha, ou seja, qual é o patamar mínimo do negócio que deve ficar com o Estado, o que abre margens a licitações desvantajosas e a estratégia de cartel por parte das empresas. E pior: não determina um teto para ser saldado o retorno de investimento, limitador do excedente em óleo.
Resultado: a licitação pode apresentar porcentagens de partilha de negócio abaixo do praticado em modelos semelhantes de outros países. E boa parte da divisão do excedente em óleo pode ser consumida com o pagamento de um suposto retorno de investimento, pois não há um instrumento legal de regulação, ficando o tema relegado aos tecnocratas da ANP. Assim, se Dilma deseja impedir, corretamente, que os bancos internacionais tenham “o último almoço grátis no Brasil”, a sociedade brasileira não pode permitir um banquete de gala às petroleiras.
A lição é tão velha que se tornou um princípio de mercado universal: toda relação econômica precisa ser regida por regras claras, pois está baseada em um jogo no qual todos os participantes querem maximizar seus resultados. E há muita desinformação sobre o real volume de dinheiro que envolve a exploração do petróleo.
Para esclarecer, segue um exemplo simples de precificação da exploração de óleo, próximo do que tem ocorrido em outros países, nos contratos do regime de partilha: considerando o preço atual do barril de petróleo na casa dos USD 100,00 (cem dólares), a licitação deveria estipular que a empresa de exploração deve ter um retorno investimento de, no máximo, USD 10,00 (dez dólares) por barril, devendo conceder, no mínimo, USD 60,00 (sessenta dólares) para o Estado brasileiro. Nesse caso, a parte dela no excedente em óleo seria de USD 30,00 (trinta dólares) por barril, um negócio extremamente vantajoso em termos de mercado internacional. Devido à concorrência, a tendência seria de aumento do bolo destinado ao Estado brasileiro
A corrida do ouro
Todas as pesquisas mostram que o pré-sal é mesmo um tesouro. E ao contrário do que tem se afirmado nos veículos de comunicação, especialmente os especializados em economia, o custo de exploração, mesmo diante de uma possível queda no preço internacional do petróleo, é relativamente baixo diante de outras alternativas em jogo, especialmente as novas fontes energéticas, como o gás de xisto. Inclusive, por incrível que pareça, o impacto ambiental do pré-sal é potencialmente menor do que o de outras fontes de alto potencial energético, graças à tecnologia acumulada por décadas de exploração no mar.
Contudo, a economia mundial é radicalmente dinâmica e, para ser bem aproveitado esse recurso natural, o “bilhete premiado” brasileiro precisa ser explorado, no máximo, em 30 anos, antes de uma iminente mudança na matriz enérgica. Em outras palavras, no curto prazo o pré-sal é bom, no médio prazo pode se tornar obsoleto e pouco atrativo.
Considerando que precisamos correr, no Congresso Nacional já há certo frisson com as licitações previstas para novembro de 2013. A sociedade precisa ter consciência de que o Brasil se encontra em uma espécie de corrida do ouro e caso não aperfeiçoe o marco regulatório, maximizando o retorno sobre essa riqueza da nação brasileira, o povo não será beneficiado, tal como ocorreu com os ciclos exploratórios anteriores, como o do Pau Brasil, da cana de açúcar e do ouro.
Obviamente, comparando-se com o passado, hoje o Brasil se encontra em uma grande vantagem: há séculos o país deixou de ser uma colônia escravagista. No entanto, ainda está distante de ser um país justo, próspero e sustentável. E é nisso que a riqueza oriunda do petróleo poderia e deveria ajudar.
Como bem sintetizou o Prof. Gil Vicente dos Reis na reunião da manhã de quinta (25), a saída do Brasil é “transformar óleo em educação pública”. É uma nova alquimia. E diante da morte da MP 592/2012, só nos resta perseverar na luta por um financiamento adequado à educação pública, viabilizado pela riqueza do petróleo.