E plataformas de financiamento coletivo viabilizam projetos sobre novas propostas educacionais no Brasil e no mundo
Publicado em 03/06/2013
O engenheiro Eduardo Shimahara tinha uma inquietude. A experiência e o interesse por educação o levavam a uma conclusão: a de que o paradigma do ensino tradicional não servia para todos, nem estava alinhado com o mundo contemporâneo. Mas o que fazer? Inserido no ensino superior privado, atuando como diretor de Sustentabilidade e Inovação no grupo Anima Educação, ele começou a pesquisar movimentos educacionais diferentes do modelo tradicional. “Não gosto muito da palavra ‘alternativo’ porque sempre soa pior. A estrada alternativa, por exemplo, é a esburacada, enquanto a principal é asfaltada e bonita”, compara.
A pesquisa foi o combustível que Shima, como é conhecido, precisava para tomar uma ação. Em janeiro de 2012 reuniu os amigos Carla Mayumi, André Gravatá e Camila Piza interessados pelo tema, e propôs a ideia: percorrer o mundo conhecendo e relatando 12 experiências que apresentassem uma maneira diferente de educar. Assim surgiu o coletivo Educ-Ação e o projeto do livro Volta ao mundo em 12 escolas. Eles entendiam que tinham uma boa ideia, mas como viabilizá-la? “Sabíamos que era um projeto caro porque envolvia uma volta ao mundo e os preços de design e impressão do livro”, diz.
O obstáculo financeiro, que costuma fazer a maior parte dos projetos em educação morrer no papel, não desanimou os amigos do Educ-Ação. Isso porque eles apostaram em uma forma cada vez mais popular de apoiar iniciativas e empreendimentos independentes pela internet: o financiamento coletivo (crowdfunding, em inglês).
Essa ferramenta, amplamente utilizada nos Estados Unidos e Europa, ganhou o Brasil com sua forma simples e colaborativa de colocar boas ideias em prática. As plataformas de financiamento coletivo funcionam da seguinte forma: um projeto é postado com uma meta financeira e uma data para atingi-la. São oferecidas ao público diversas faixas de valores para colaborar e, em troca, benefícios compatíveis com a categoria. Exemplo: o objetivo de um projeto pode ser R$ 10 mil, e existirem as colaborações de R$ 10, em que a pessoa recebe uma cópia do trabalho, R$ 25, em que recebe isso e mais um produto, e R$ 100, em que recebe tudo isso e um curso. Os prêmios são determinados pelo criador do projeto. O grande desafio do financiamento coletivo, no entanto, é que, esgotado o prazo, é tudo ou nada: se a meta financeira foi atingida, o projeto recebe a verba e as pessoas ganham os prêmios. Caso contrário, cada um recebe o seu dinheiro de volta e o projeto não recebe nada.
Escolas do mundo
No caso do projeto do Educ-Ação, o pontapé inicial foi dado com uma doação de R$ 12 mil de uma pessoa. Depois disso, ele foi colocado no Catarse, principal plataforma de financiamento coletivo no Brasil, com a audaciosa meta de arrecadar R$ 48 mil (estimativa baseada em orçamentos de viagens e gráficas) em pouco mais de 40 dias. No final do período, a surpresa: 566 apoiadores e R$ 56.156. Por causa disso, a equipe decidiu usar o dinheiro adicional para incluir mais uma escola no projeto e somar 13 iniciativas.
Shima conta que a emoção de receber grandes quantias, como R$ 500 e R$ 1.000, era animadora, mas que igualmente importantes eram as doações de R$ 10 e R$ 20. Carla, também parte do coletivo, vibrava quando uma pessoa contribuía com R$ 10. “Ela achava muito legal porque aquela pessoa provavelmente nem conhecia a gente, mas chegava ali e colocava R$ 10 porque acreditava no projeto e era o que ela podia”, explica. Para ele, não é o prêmio que mais motiva os colaboradores das plataformas de financiamento coletivo a investir nos projetos, em especial nos voltados para a educação. As pessoas acreditam naquela causa e a contribuição simboliza isso.
Hoje, os integrantes do Educ-Ação se dividem para conseguir terminar o tour das escolas e finalizar o livro, que será lançado no segundo semestre de 2013 (gratuitamente na internet e com uma tiragem impressa limitada).
O critério para a escolha das 13 escolas para o projeto foi, em primeiro lugar, oferecer abordagens de educação diferentes das tradicionais. Em segundo, que abrangessem os cinco continentes e todas as faixas etárias, da educação infantil ao ensino superior. A partir da escolha das escolas, o grupo faz um convite e, caso aceito, uma pessoa viaja, passa uma semana imersa na escola, vivenciando e entrevistando diversos atores naquele cenário.
Entre as escolas visitadas (nem todas foram divulgadas ainda) estão a Schumacher College, na Inglaterra, com um ensino holístico e voltado para o desenvolvimento sustentável; o YIP (YouthInitiativeProgram), na Suécia, que promove a vida em comunidade durante 40 semanas entre jovens; a Green School, escola na Indonésia com bases na sustentabilidade e transdisciplinaridade (baseiam o ensino em quatro camadas: sinestésica, intelectual, emocional/social e espiritual); e a Escola Politeia, no Brasil (São Paulo), que ensina alunos do ensino fundamental baseada nos princípios da democracia.
Financiando a educação
O exemplo do Volta ao mundo em 12 escolas é o retrato de uma trilha que foi aberta como opção para colocar projetos educativos em prática, em uma área que oferece poucas alternativas para quem não conta com investimento público, premiações ou parcerias com empresas. O crowdfunding é também a forma mais viável de bancar projetos individuais ou de grupos que não necessariamente possuem os recursos e o poder de divulgação necessários para tirar ideias do papel. “Além do dinheiro em si, o financiamento coletivo cria um certo barulho na rede, uma propagação da ideia que não necessariamente a pessoa vai apoiar, mas ela fica sabendo que aquilo existe”, explica Shima.
Luís Otávio Ribeiro, um dos fundadores do Catarse, conta que recentemente o número de projetos com foco em educação cresceu muito na plataforma. “Em geral são pessoas que buscam modelos alternativos na educação, e que procuram entender e mergulhar a fundo em histórias e processos que em algum lugar do mundo estão dando certo e que precisam ser revelados”, afirma. Os projetos em geral são formatados em documentários, livros, blogs e fotografia. A tendência, segundo Luís, são modelos audiovisuais.
A escola documentada
Exemplo dessa tendência, as alunas da Faap Laura Lisboa, do curso de cinema, e Manoela Lima, de produção cultural, resolveram transformar o projeto de conclusão de curso de Laura sobre a Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima em um documentário intitulado “Amarelos”. Para colocá-lo no Catarse, elas orçaram apenas a parte de finalização do curta-metragem, que incluía correção de cor e de áudio e a inclusão de música. No total, o montante pedido foi de R$ 17.145, e elas conseguiram R$ 18.688 com o apoio de 147 pessoas.
Assim como a iniciativa do Educ-Ação, o objetivo das meninas era, além de obviamente conseguir apoio financeiro, divulgar o projeto. “Queríamos divulgar uma nova maneira de pensar a educação e estender isso para fora da faculdade, criando algo que não circulasse só em um meio”, afirma Manoela, produtora executiva do documentário.
A escolha da escola surgiu da mesma inquietude de Shima de revelar formas diferentes de fazer a educação. Com o foco em São Paulo, Laura levantou três escolas e escolheu, entre elas, a única pública para ser o foco do trabalho. Em fase final, o filme será lançado no fim de junho. A partir disso, elas irão divulgá-lo on-line e entrar em contato com institutos, cineclubes, escolas e cinemas que possam exibir o documentário em sessões gratuitas.
Uma pirata mineira
Assim como a iniciativa de Laura, Mariana Tiso se lançou no mundo do financiamento coletivo a partir de um projeto pessoal. Aluna de jornalismo da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Mariana recorreu ao Catarse para bancar uma pesquisa e livro-reportagem que ela está desenvolvendo enquanto participa durante três meses do Estaleiro Liberdade, escola de empreendedorismo e autoconhecimento em Porto Alegre. Ela deu a todo esse processo o nome de “De Maruja a Pirata”.
A pesquisa de Mariana vem da mesma inspiração do Educ-Ação e do curta “Amarelos”: encontrar escolas que fugissem do padrão e que oferecessem uma formação cidadã e conectada ao mundo atual. “Eu vim porque estava muito incomodada com a forma como as escolas são feitas”, diz. “A escola deveria ensinar coisas mais úteis. Matemática poderia ser ensinada com culinária, por exemplo. Quando você usa o conhecimento, não esquece”, acredita.
Mariana recorreu ao financiamento coletivo também por acreditar que o projeto é para todos, por isso todos devem poder participar de sua construção. A experiência, segundo ela, serviu para não apenas colocar em prática seu projeto, mas para criar uma rede de contatos na área. “Mais que conseguir dinheiro, é a formação de uma rede. Quando você se propõe a fazer algo para a sociedade desde o começo, quer que a sociedade esteja do seu lado, te apoiando”, defende. Nesse processo, Mariana recebeu o apoio inesperado do Instituto Brasil, do Dunas Crede e do médico Sérgio Lopes, todos de Viçosa, que acreditaram na iniciativa e ajudaram cada um com uma cota alta no Catarse.
O palco é do professor
Outra forma inusitada de usar o financiamento coletivo para projetos educacionais foi a do grupo de teatro Quase 9, que montou um espetáculo em que professores contavam suas experiências na sala de aula e a história de suas vidas em meio a uma dinâmica teatral.
Sem experiência teatral, os professores convidados fizeram uma imersão de 3 meses com o grupo, tanto contando suas histórias quanto estudando a dramaturgia. A peça Diários foi apresentada em agosto de 2012, em São Paulo. No Catarse, o projeto conseguiu R$ 6.790, de R$ 5 mil pedidos. “Com nossa experiência em teatro, sabemos que sempre é uma dificuldade pensar em financiamento para projetos culturais”, diz a atriz Emilene Gutierrez, produtora do espetáculo.
Segundo Luís Otávio Ribeiro, um dos fundadores do Catarse, projetos que conseguem se viabilizar pela plataforma em geral contam com uma rede de pessoas que não necessariamente conhecem a iniciativa, mas que apoiam a mesma causa. “Os projetos do Catarse que costumam dar certo têm uma causa muito forte por trás”, afirma.
Além disso, é importante ter uma pré-campanha bem feita antes de colocar o projeto na plataforma. Afinal, as pessoas precisam saber da sua iniciativa para poderem apoiá-la. Luís sugere fazer um mapeamento da rede de contatos, definir como será a divulgação, quem vai replicar esse conteúdo, quem serão os primeiros apoiadores. “Se eu nunca falei sobre educação na vida, não tenho pessoas que me acompanham e me seguem, e resolvo me lançar em uma viagem, vai ser mais difícil atingir a meta”, exemplifica.
Laura Lisboa, diretora do curta “Amarelos”, lembra também que o projeto deve estar bem formulado, sem lacunas e coeso. Manoela acrescenta que a divulgação do trabalho deve ser feita de forma objetiva e clara, com um vídeo curto, de forma que o público entenda rapidamente a ideia.
+ Saiba Mais
Educ-Ação:
educ-acao.com
Documentário Amarelos:
www.facebook.com/projetoamarelos
De Maruja a Pirata:
http://catarse.me/pt/marujapirata
Espetáculo Diários:
http://catarse.me/pt/diarios
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