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Entrevistas

A escola atacada

Num período em que o conhecimento parece estar em toda parte, o docente da Universidade Pedagógica Nacional de Bogotá, Carlos Ernesto Noguera-Ramírez, critica os movimentos que defendem a aprendizagem fora das fronteiras escolares e diz que as instituições de ensino devem se reinventar e resistir

Publicado em 02/04/2014

por Marina Kuzuyabu

Desde que foi postado no YouTube, em 2013, o vídeo do garoto canadense Logan LaPlante descrevendo as maravilhas de uma educação fora da escola foi visto por mais de quatro milhões de pessoas. Ele tem 13 anos, adora esquiar e seus interesses pessoais funcionam como um ponto de partida para a jornada pessoal pelo autoaprendizado. O americano Dale J. Stephens é mais uma figura dessa corrente, com a diferença de que sua militância é contra as universidades. Mais do que exemplos isolados, os casos fazem parte de um movimento maior de ataque à escola e à figura do professor, analisa Carlos Ernesto Noguera-Ramírez, docente da Universidade Pedagógica Nacional de Bogotá, na Colômbia.

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Ramírez: vivemos sob a crença de que a pessoa devem “aprender a aprender”

 Esse movimento, segundo o pes­quisador, teve início por volta das décadas de 1960 e 1970 e marcou o início da sociedade da aprendizagem, classificação criada por ele para se referir ao período em que ainda estamos, onde o “aprender a aprender” é mais importante que o ato de ensinar. Em sua pesquisa de doutorado, que resultou no livro Pedagogia e governamentalidade ou Da modernidade como uma sociedade educativa (Autêntica, 2011), Noguera-Ramírez identifica outros dois grandes momentos na história da educação – a sociedade do ensino e a da educação. Todos os períodos aparecem em seu trabalho associados ao conceito de governamentalidade ou governamento, neologismos criados por Michel Foucault (1926-1984) para se referir ao controle das condutas pelos próprios sujeitos, e não pela ação de uma autoridade, por meio de técnicas que os compelem a agir conforme os princípios morais vigentes. Entendendo a necessidade de governar a si próprio como um assunto pedagógico – na medida em que a escola vincula as crianças ao mundo –, Noguera-Ramírez distinguiu em sua pesquisa três diferentes formas de fazer isso. Ele fala sobre elas na entrevista a seguir.

Em seu trabalho, você identifica três grandes períodos na história da educação: a sociedade do ensino, a sociedade da educação e a sociedade da aprendizagem. Poderia caracterizar cada um deles?
O que os cientistas sociais chamam de modernidade teve início com a ideia de que todas as pessoas devem ter educação para governar a si mesmas. Os três momentos que identifico partem desse ponto e representam três formas diferentes de governar a população, entendendo por governo a condução das condutas, como definiu Foucault. Uma dessas formas foi a disciplina. Quando surge a escola, entre os séculos 16 e 17, ela aparece como uma instituição para disciplinar e implica a presença de um professor, de um método e de um aluno passivo que escuta, obedece e aprende a lição passada pelo docente. A sociedade da educação, por sua vez, emerge no século 18 com Jean-Jacques Rousseau, que em Emilio (1762) propõe uma forma radicalmente diferente de educar as pessoas. O mestre, até então visto como um preceptor, se torna aquele que cria as condições para que o aluno tenha experiências significativas e aprenda a partir de sua própria ação. Ele não tem uma ação direta, mas também não deixa de existir. Finalmente, a terceira forma de governamento é a da aprendizagem. Ela está ligada à crença de que a pessoa sozinha deve aprender a aprender, um processo que não está restrito à escola, mas que acontece em momentos e durante o tempo inteiro.

E quando se deu essa transformação mais recente? Ou seja, quando o professor começou a ter suas funções apagadas para dar espaço à figura da criança aprendiz?
Na década de 1970, uma comissão da Unesco dirigida por Edgar Fauré introduziu duas noções que alteraram profundamente a forma de pensar a educação, que são as noções de ‘cidade educativa’ e ‘educação permanente’. A partir daí, propagou-se de forma mais intensa a ideia de que o sujeito contemporâneo não aprende apenas na escola e na presença de um professor, mas o tempo inteiro a partir de experiências que lhe são apresentadas. Mas não diria que um período é resultante de outro ou uma evolução do outro. Vejo mais como uma mudança na forma de enxergar as coisas.

Tanto na sociedade da educação como na sociedade da aprendizagem, parece que a ideia de dar liberdade aos alunos é muito forte, bem como a concepção de que o professor não tem uma ação direta sobre os estudantes. Qual a diferença entre os dois períodos?
A liberdade em Rousseau é uma liberdade regulada, com limites, e convive com o entendimento de que a educação implica a presença de adultos, de que há propósitos e de que, entre esses propósitos, está a vinculação das crianças ao mundo. É claro também que se espera que elas transformem o mundo a que estão sendo vinculadas. Nessa concepção, há um labor muito importante do professor. Essa ideia rousseauniana ressoou nos pedagogos da chamada Escola Nova, como [Maria] Montessori e [Ovide] Decroly, que falam de um sujeito que tem de agir para aprender. O professor não tem uma ação direta, tão visível, mas ele também não é uma pessoa que não faz nada, que deixa as crianças livres para desenvolverem o que já trazem consigo, como se concebe hoje. Esse laissez-faire absoluto é fruto de uma má interpretação daquelas ideias de Rousseau, da Escola Nova, que está apagando a função do professor. Educar implica certa ação, mas na perspectiva que vivemos hoje, as pessoas estão renunciando à educação das crianças.

Os filósofos Jan Masschelein e Maarten Simons falam que a crença de que a educação deve partir dos interesses das crianças pode desconectá-las do mundo. Nas palavras deles, elas se tornam turistas de seus próprios mundos e não se constituem como geração, uma vez que não são confrontadas e impelidas a construir novos significados para as coisas. Qual sua opinião sobre isso?
Essa é uma ideia muito interessante e concordo com ela. O filósofo alemão Sloterdijk gostava de lembrar que Marx havia estudado em um colégio jesuíta dos mais disciplinares, digamos assim, da Alemanha. Ele estudou nesse colégio e só por isso conseguiu desenvolver um pensamento crítico. A escola, portanto, permite renovar o pensamento, a sociedade, mas hoje vem sendo muito criticada pelas pessoas,pelo governo, pela imprensa, enfim, por todo mundo. Mas nem sempre foi assim. A escola tinha uma aliança muito forte com o Estado. Ela era encarregada de fazer essa vinculação das crianças, o que naturalmente também despertava críticas. Mas eram críticas em relação ao modo de fazer essa vinculação e não críticas que sugerem o apagamento da escola.

Qual a sua resposta para aqueles que consideram os estudantes Logan LaPlante e Dale J. Stephens como uma esperança de renovação para a educação?
Esse tipo de educação só é possível num meio rico, adequado, como é o caso de Logan e Stephens. Eles podem “hackear” a educação porque têm condições privilegiadas e muito especiais. Mas para a grande maioria, a escola continua sendo uma possibilidade importante de avançar no mundo e vincular-se à sociedade. Então temos de pensar em uma defesa da escola pública. É claro que a escola pública deve se transformar e melhorar. Não estou falando em defender a escola tal e qual, mas é preciso resgatar a ideia de que a escola é importante e não deve ser extinta. Esse tipo de discurso, como o de Logan, faz muito mal à população em geral, que não consegue ter as possibilidades que ele tem.

Onde você vê esse enfraquecimento do professor com mais força? Em muitas escolas particulares, pelo menos no Brasil, o modelo disciplinar ainda é muito forte.
De fato, é na escola pública que se vê o professor mais enfraquecido e acredito que muito disso se deve à imprensa, que está sempre criticando o papel do docente, que não deve ser rígido demais, não pode cobrar demais, que não pode jamais perder o equilíbrio, mesmo numa sala com 50 crianças, enfim, que não pode exercer seu papel plenamente. Mas os privilegiados que podem pagar uma escola onde as turmas têm até dez alunos têm à disposição modelos alinhados com a Escola Nova e também modelos rigorosos, com trabalho intenso sobre os conteúdos.

Autor

Marina Kuzuyabu


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