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Entrevistas

A raiz da equidade

O pesquisador argentino Axel Rivas passou mais de dez anos visitando escolas e analisando sistemas educacionais em todo o mundo. Para ele, as desigualdades mais profundas são de aprendizado, e a alfabetização é o momento que deveria concentrar os melhores professores

Ricardo Braginski
Axel Rivas: a competição entre as escolas não produz melhores resultados

 Atualmente é difícil encontrar na Argentina especialistas interessados em pesquisar o que acontece em sala de aula e o que se passa entre professores e alunos. Também são raros aqueles que têm uma perspectiva ampla e pluralista da educação e que defendam a redução das desigualdades sem enredar-se em discussões ideológicas. Axel Rivas, 39, uma das vozes jovens mais ouvidas nos dias de hoje no campo da educação, é um desses pesquisadores.

À frente da área de Educação do Centro de Implementação de Políticas Públicas para a Equidade e o Crescimento (CIPPEC), organização argentina dedicada à formulação de políticas públicas para reduzir as desigualdades sociais, Rivas passou mais de dez anos percorrendo escolas e ministérios educacionais de vários países e de todas as províncias argentinas.

Doutor em Ciências Sociais e professor universitário, Rivas recentemente escreveu Caminos para la educación, Viajes al futuro de la educación e Revivir las aulas, os três ainda sem tradução para o português. Em um típico café de Buenos Aires, Rivas recebeu a revista Educação para falar sobre os principais desafios da educação na América do Sul, como reduzir as desigualdades e o futuro da sala de aula.

Quais são as principais causas da desigualdade educacional? E quais as melhores políticas educacionais para superar esse problema?
A oferta continua desigual, favorecendo os que têm mais recursos. O que o Estado pode fazer é melhorar a infraestrutura, melhorar a proporção de alunos por professor e valorizar os professores com mais tempo de serviço. Mas as desigualdades mais profundas são de aprendizado e estão organizadas a partir da exclusão das classes mais baixas, especialmente no ensino médio. Aqui as transformações necessárias são mais complexas e envolveriam ações como a criação de um regime especial para as alunas grávidas, por exemplo. As desigualdades também têm uma relação muito estreita com o contexto familiar. A escola frequentemente envolve a realização de deveres e atividades em casa, mas o resultado disso varia muito de acordo com o nível sociocultural de cada aluno.

Pela sua experiência, quais são os aspectos fundamentais que devem ser enfatizados pelos sistemas educacionais da América Latina para oferecer uma educação de qualidade e, ao mesmo tempo, inclusiva?
Os três principais aspectos são a docência, os conteúdos temáticos que compõem o currículo e a dimensão institucional das escolas. A valorização da docência é um eixo que todos os países da região já reconhecem como uma prioridade. Sabe-se que qualquer proposta de reforma curricular que prescinda da participação dos professores não terá sucesso. Quanto aos conteúdos, sabe-se que eles requerem revisão contínua. Agora, na Argentina, contamos com uma ampla lista de conteúdos temáticos e metas de aprendizagem que correspondem a uma visão enciclopédica da aprendizagem – memorização e quantidade como elementos mais importantes que a reflexão. Estamos caminhando para uma situação em que teremos de ensinar menos e melhor. Deve haver conteúdos estruturantes fundamentais e eles devem ser claros para todas as escolas, além de constituírem o princípio organizador de um trabalho muito mais amplo, em torno do qual se concentrarão diversos tipos de atividades. Finalmente, o terceiro eixo está ligado à necessidade de termos uma estrutura institucional diferente que possibilite a personalização do ensino. Hoje temos horários muito rígidos, muito estritos, que impedem, por exemplo, que uma aula de matemática de 40 minutos possa se desdobrar em desafio a ser trabalhado durante toda a semana. Tudo é muito fixo.

Por que você propõe a priorização da primeira série e como isso deve ser feito?
Há muitos estudos que mostram que a primeira série é a mais importante do primário e de toda a educação. É o momento de configuração da relação do aluno com a escola – uma ligação que irá durar por muitos anos – e também quando se dá o que alguns educadores chamam de a mais longa sequência da escolaridade, que é a alfabetização. A primeira série deveria concentrar os melhores professores e ter uma maior continuidade pedagógica. Mas isso exigiria que o professor trabalhasse com o mesmo grupo de estudantes por muitos dias seguidos, provavelmente por mais de um ano. Isso explica a tendência de unir o primeiro e o segundo ano. A ênfase nessa etapa pode se produzir com a ação dos diretores, que devem fazer da primeira série a mais desafiante para os professores. Os melhores devem estar ali. Também é possível exigir uma experiência mais consistente desses educadores. Além disso, a primeira série também deve ser uma prioridade para toda a escola, institucionalmente. Na Finlândia, as atenções são voltadas aos dois primeiros anos. Todos na escola estão comprometidos em prover às crianças o sentimento de que elas são bem-vindas e de que nada pode excluí-las. Essa concepção é totalmente contrária à ideia de que a repetência pode ser justificada. Independentemente de qualquer motivo pedagógico, a repetência nessa época pode gerar um dano à subjetividade do aluno muitas vezes irreversível. Muitas pesquisas mostram que aqueles que repetem não aprendem mais. Pelo contrário, eles tendem a repetir novamente e a abandonar a escola. Na Argentina, 10% das crianças repetem a primeira série. No Brasil, esse índice é de cerca de 20%. É um mecanismo que exclui em um momento que deveria ser de inclusão, de boas-vindas para os alunos.

Alguns países da região, como o Chile, estão criando rankings de escolas e divulgando seus resultados. Qual sua opinião sobre isso?
Os pesquisadores estão inclinados a dizer que a competição entre as escolas não gera melhores resultados, mas sim frustração, evasão, sentimento de desproteção, vantagens para as famílias de maior nível cultural, etc. Acredito que a educação não deve ser projetada com finalidades de competição. Pelo contrário, cada sistema tem de evoluir com seus próprios erros e acertos, deve trabalhar de forma colaborativa e tomar decisões com base em suas convicções e capacidades, e não por pressão externa. Os sistemas com melhores desempenhos não estimulam a competição entre as escolas. Nem na Coreia do Sul nem em Cingapura, onde as escolas trabalham de forma integrada. Boa parte do trabalho é feito em comunidade, o que é muito difícil de acontecer quando você está competindo o tempo todo pelos mesmos resultados e pelos mesmos alunos.

Você conheceu sistemas educacionais de várias partes do mundo. O que aprendeu com eles?
Mais do que peças isoladas de sistemas, há exemplos de boas práticas que podem ser seguidas. Vou citar dois países com sistemas antagônicos: a Finlândia e a Coreia do Sul. Ambos obtêm bons resultados e são líderes mundiais no Pisa, o que mostra a fragilidade de provas como essa. A Coreia do Sul tem índices elevadíssimos, mas lá os alunos estudam, em média, 12 horas por dia, sendo oito horas em sala de aula e mais quatro com professor particular. Eles dormem pouco, não têm infância, não se divertem e não têm tempo livre. Enfim, são jovens fadados ao estudo. A estrutura social e cultural deles está baseada nos resultados de um teste realizado ao final do ensino médio que, praticamente, define a vida da pessoa: o quanto ela vai ganhar, com o que vai trabalhar e com quem vai se relacionar. Queremos este modelo educacional? A minha resposta é não. Eu não quero viver em um país que tem a maior taxa de suicídio infantil. Felizmente temos o exemplo da Finlândia, que evidencia o poder que pode ter o ensino personalizado baseado na autonomia e na formação dos professores. Este modelo tem bons resultados e gera um desejo de aprender sem pressionar os alunos com provas. A situação é inversa: os alunos têm poucas horas de estudo na escola. Se eles tivessem maus resultados, alguém poderia dizer “prefiro um modelo assim apesar dos maus resultados”. Mas os resultados são bons, então dá para defender o modelo e seus resultados.

Atualmente, quais são as habilidades necessárias para exercer o papel de liderança na escola? Os diretores estão suficientemente preparados?
A formação dos gestores é algo que vem sendo muito debatido nos países da América Latina, como Equador, Brasil, Peru, Colômbia e Argentina. A formação dos gestores finalmente, embora tardiamente, teve sua importância reconhecida, pois até então ela nunca tinha sido incorporada como uma variável importante do sistema de ensino. Formar bons gestores e selecioná-los bem é um dos pressupostos mais importantes das reformas educacionais, pois aqueles bem preparados têm capacidade de gerar projetos, de motivar em contextos de crise, de inovar, de provocar engajamento. A figura do líder ganhou uma importância que não existia há 30 ou 40 anos, quando a escola era parte de um sistema que se autorregulava.

Quais são as mudanças concretas introduzidas pela internet e pela utilização de novas tecnologias em sala de aula? E que mudanças pedagógicas são necessárias para enfrentar essa transformação?
Fala-se em substituir a escola tradicional pela escola virtual. Acho que essa é uma ameaça real, diferente das surgidas em outras épocas. No entanto, isso não vai acontecer no curto prazo. A revolução digital, a possibilidade de acesso ao conhecimento por um baixo custo, pode ter muitas implicações. Nos próximos cinco ou dez anos, a mudança deveria ser o foco da discussão e não a possível melhora que ela trará para o sistema. Mas estamos lamentavelmente despreparados para essa reflexão. Mas por que isso? A resposta está no mercado: sistemas privados, educação virtual, livros digitais, tablets, sistemas virtuais de aprendizagem, para tudo isso você tem de pagar. As empresas se movem mais rápido e geram desigualdades. A questão é como o estado reconfigura seu sistema para não perder o caminho da distribuição da riqueza, que é uma de suas missões. A grande questão é se estamos à altura desse desafio, que é muito complexo e que está por vir..

Autor

Ricardo Braginski, de Buenos Aires


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