CAPA/AVALIAÇÃO ACADÊMICA | Edição 196 A chegada de uma nova geração de alunos às faculdades motiva as instituições a se apoiarem em recursos tecnológicos e na resolução de problemas práticos para atualizar a forma como medem o desempenho acadêmico por Christina Stephano | ilustração José […]
Publicado em 24/03/2015
CAPA/AVALIAÇÃO ACADÊMICA | Edição 196
A chegada de uma nova geração de alunos às faculdades motiva as instituições a se apoiarem em recursos tecnológicos e na resolução de problemas práticos para atualizar a forma como medem o desempenho acadêmico
por Christina Stephano | ilustração José Américo Gobbo
Na sala de aula, o professor termina de preencher a lousa com as perguntas que devem ser respondidas pelos alunos, como parte da avaliação bimestral da disciplina. Quando dá a volta para perguntar se todos já copiaram observa, surpreso, que a maioria deles se vale da câmera fotográfica do celular para registrar o que foi escrito, em vez de usar os tradicionais papel e caneta para fazer as anotações. O docente pede, então, que os telefones sejam guardados, com medo de os jovens usarem-nos para acessar dados da internet durante a realização da prova.
A situação ilustra a falta de alinhamento que existe hoje entre as metodologias de avaliação adotadas por alguns professores e a dinâmica de aprendizagem dos estudantes. Em um mundo em que a informação está ao alcance de todos, as instituições de ensino superior precisam buscar novas formas para medir o desempenho dos alunos, que olhem para outros componentes além de sua capacidade de memorizar conteúdo. E, nesse caminho, os recursos tecnológicos e os sistemas de avaliação continuada podem ser bons aliados.
“Grande parte das salas de aula no Brasil ainda é do século 19 e os professores do século 20, enquanto só os alunos pertencem ao século 21”, compara Mozart Neves Ramos, diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna, que considera essa falta de alinhamento um dos grandes desafios da educação brasileira. Ramos, que foi professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) durante 37 anos e também atuou como pró-reitor acadêmico da instituição, afirma que a avaliação por meio de provas mede somente a capacidade de memorização dos jovens, quando o correto seria analisar sua aptidão para resolver problemas de forma colaborativa e criar projetos novos a partir do conhecimento apreendido. “Hoje, a informação não está disponível somente nos livros ou com os professores. Também pode ser acessada na internet e nas redes de cooperação”, lembra. Por isso, defende, é preciso adotar mecanismos para pluralizar as formas de avaliação.
Em linha com Ramos, o reitor da Universidade Estácio de Sá, Ronaldo Mota, destaca que, hoje, a informação é totalmente, instantânea e gratuitamente acessível, o que exige a reformulação de metodologias de avaliação baseadas somente em componentes de memorização. “Antes, a informação era a questão-chave no processo de avaliação, algo que hoje mudou”, compara. Mota opina que a maior parte das avaliações em curso atualmente são retrógradas, ao separar os alunos em dois grupos: os que sabem e os que não sabem. “Na sociedade atual, temos de lidar com novos talentos que não se encaixam em nenhuma das categorias”, acredita. Com isso, ele defende que os alunos sejam avaliados conforme sua capacidade de resolver problemas e desafios e atuar em equipe.
Pensamento construído
Para Mozart Ramos, o descompasso entre as formas de ensino e os anseios da nova geração que chega às faculdades está, em parte, associado à falta de preparo dos docentes, que não foram qualificados quando estavam nas faculdades e tampouco encontram respaldo nas instituições a que hoje estão vinculados. Por isso, ele aconselha que os interessados em mudar suas metodologias de avaliação busquem parcerias com as pró-reitorias acadêmicas e com colegas que criaram projetos de sucesso na área.
Foi o que aconteceu com Anderson Gomes, professor associado no departamento de física na UFPE, quando ele se deu conta de que precisava elaborar critérios diferentes para medir a evolução dos seus alunos. Ao participar de palestras ministradas nos Estados Unidos pelo físico e professor da Universidade Harvard Eric Mazur, decidiu incorporar algumas metodologias de ensino e avaliação criadas pelo docente norte-americano. Uma delas, chamada 5E, estipula que os professores devem formular uma pergunta para os estudantes pensarem a respeito em casa e, depois, discutirem as respostas em sala de aula. “Meus alunos são avaliados conforme o desempenho nessas conversas”, conta. Gomes critica o sistema por meio do qual o docente dá a aula e, depois, o aluno precisa fazer a tarefa em casa e entregar somente na aula seguinte. “Em casa, sozinho, o estudante não tem com quem discutir e argumentar sobre suas ideias”, comenta. De acordo com ele, ao pensar sobre o conteúdo das aulas com antecipação, as pessoas já chegam envolvidas com o assunto, colaborando com o desenvolvimento das discussões. “Uma aula interativa é diferente de outra em que o aluno chega sem saber nada, se limita a copiar o que é escrito na lousa e o aprendizado é passado de forma unilateral”, opina.
Outra técnica empregada por Gomes é o uso de uma mídia-enciclopédia de física, que contém vídeos de 3 a 4 minutos sobre assuntos diversos. Depois de assistirem aos vídeos, os alunos respondem perguntas com múltiplas escolhas. “Em uma aula de 1h30, conseguimos passar sete vídeos e tratar de sete tipos de conceitos, algo que não seria viável pelo modelo tradicional, que não prende a atenção dos alunos por muito tempo”, assegura. Apesar de defender o uso de novas metodologias, Gomes conta que também adota o sistema tradicional de provas, que são realizadas a cada duas aulas e não somente nos finais dos períodos letivos. “É uma forma de fazer o jovem pensar sobre seus erros e criar estratégias para melhorar a aprendizagem nas áreas em que apresenta defasagem”, diz.
Gomes – que foi secretário de Educação do Estado de Pernambuco entre 2011 e 2012 – defende que o movimento de mudança nas formas de ensino e avaliação deve partir dos próprios professores, para depois envolver as reitorias e pró-reitorias das universidades. “Só consegui apoio institucional após a universidade ver que minhas metodologias funcionavam”, comenta. Nesse sentido, lembra que montou um programa para capacitar alunos no uso de novas tecnologias, por meio de verba da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Com a iniciativa, a UFPE vai funcionar como um centro interdisciplinar de tecnologias da educação em física, química e biologia e os estudantes aprenderão a lidar com recursos de última geração. “Quando esses jovens chegarem ao mercado de trabalho, seja em escolas ou nas empresas, saberão como usar ferramentas que muitos sequer viram funcionar”, destaca.
Foco no aluno
Uma nova forma de ver o processo de aprendizagem e o apoio de ferramentas tecnológicas são fatores que contribuem para mudanças na avaliação dos alunos de graduação, segundo Marta Maia, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP). Para ela, essas mudanças decorrem de alterações nas próprias metodologias de ensino, que priorizam cada vez mais um processo de aprendizagem centrado no aluno. Além disso, foram impactadas pela chegada das ferramentas web 2.0 a partir de 2004, que viabilizam a cocriação e o compartilhamento de conteúdos. “E, na medida em que mais pessoas no Brasil tiveram acesso às tecnologias, seu uso no sistema de ensino-aprendizagem se tornou ainda mais importante”, opina.
Apesar de reconhecer a importância da adoção de mudanças para medir o desempenho dos alunos, Romane Fortes Bernardo, pró-reitora de ensino, pesquisa e pós-graduação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), afirma que, na instituição, as provas tradicionais ainda são o modelo mais usado. No entanto, o objetivo é passar a considerar cada vez mais estudos de caso, construção de protótipos, projetos de pesquisa multidisciplinares e participação em seminários para a média final. “A avaliação deve passar a desempenhar um papel formativo e não o de simplesmente aferir uma nota ao aluno”, assegura.
No mesmo caminho estão as Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, em Presidente Prudente, que, apesar de atribuírem grande parte da nota final do aluno ao seu desempenho em provas tradicionais, também estudam a incorporação de mudanças no sistema. Assim, hoje, a avaliação é feita a partir de uma prova escrita e individual, que vale sete pontos na média, enquanto os três restantes são atribuídos conforme o desempenho em atividades como seminários e trabalhos em grupo. José Artur Teixeira Gonçalves, coordenador do Laboratório de Apoio Pedagógico em Inovação Acadêmica (LAP) da instituição, explica que a recente adoção de métodos de ensino como o Team-Based Learning e o Project-Based Learning amplia as possibilidades de avaliação dos alunos, que passarão a ser analisados, também, conforme sua capacidade de resolver problemas do mundo real e de trabalhar de forma cooperativa.
Para Manolita Correia Lima, coordenadora do núcleo de práticas pedagógicas da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), no Brasil a forma de avaliar a aprendizagem ainda está calcada na aplicação de provas devido a diferentes fatores. Um deles é porque alguns professores exercem o magistério sem qualquer formação pedagógica, enquanto outro diz respeito ao fato de a educação superior ainda estar mais orientada à transmissão de estoques de conhecimento, no lugar de centrar-se no desenvolvimento de competências transversais. “Além disso, como em geral o docente é remunerado por hora-aula e tem de assumir muitas disciplinas e estudantes, acaba padronizando seus sistemas de avaliação para dar conta de todo o trabalho”, explica.
Teste em prática
Avaliações periódicas, individualizadas e orientadas à resolução de problemas do mundo real, bem como metodologias que levem em conta aspectos comportamentais, são as diretrizes em comum de três instituições nas quais as provas são apenas uma parte do processo para medir o desempenho dos alunos. Uma delas é o Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, que criou um programa de formação no qual o estudante passa quatro meses imerso em um grupo, que se dedica a resolver um problema do mercado de trabalho. Cada grupo tem o seu mentor, que acompanha o desenvolvimento intelectual e comportamental de cada jovem no decorrer do processo. “O mentor dá retornos pontuais aos alunos sobre suas evoluções e, no final, avaliamos o resultado do projeto como um todo”, conta Carolina da Costa, diretora acadêmica dos cursos de graduação do Insper. Além disso, por meio de uma plataforma on-line, os alunos também se avaliam entre si, análises que contam na composição das notas finais. Dessa forma, Carolina conta que o objetivo da instituição é reproduzir no mundo acadêmico uma vivência profissional. “Os mentores, em geral, são consultores e executivos do mercado, de forma que avaliam os estudantes como se eles estivessem no ambiente corporativo”, destaca. De acordo com ela, se o aluno domina o conteúdo da disciplina mas não mostra comprometimento ou não se comporta bem com o grupo durante o desenvolvimento do projeto, recebe avaliação negativa. “Durante o processo, damos orientações sobre como melhorar. Porém, se ele não repensa a postura, tem de fazer a disciplina novamente”, comenta a diretora. Neste ano, esse método de avaliação foi usado somente em disciplinas do sexto semestre do curso de administração e, para 2015, será ampliado também à graduação em economia.
Na Faculdade de Tecnologia Termomecânica (FTT), em São Bernardo do Campo, o sistema de avaliação também é pautado na capacidade de os alunos resolverem problemas do mundo real. Dessa forma, os estudantes cursam uma matéria interdisciplinar, na qual elaboram um projeto baseado em casos do mercado de trabalho. Ao término da disciplina, uma banca de cinco ou seis professores avalia o resultado do trabalho como um todo e também o conhecimento do estudante em cada área de conhecimento envolvida no processo.
A fundação conta, ainda, com softwares que simulam problemas reais da engenharia e o funcionamento do mercado financeiro e nos quais os estudantes devem usar todos os conhecimentos adquiridos no decorrer dos cursos para resolverem as atividades propostas. “Nas provas tradicionais, não necessariamente aquele que tira dez será um bom profissional, já que o mercado de trabalho tem condições que não existem na sala de aula, entre elas a pressão, a necessidade de organização e de autocontrole”, comenta Wilson Carlos da Silva Júnior, diretor acadêmico da FTT. Quando o desempenho dos alunos não é satisfatório, são orientados pelos professores a realizarem exercícios em uma plataforma on-line, por meio da qual é possível assistir a algumas aulas. Com cerca de 600 estudantes, a faculdade também usa o sistema tradicional para medir a evolução dos alunos, principalmente em questões mais teóricas e relativas a cálculos.
Já as inovações em avaliação adotadas pelo grupo Anima Educação nas suas faculdades localizadas em Santos (SP) e em Minas Gerais se baseiam em uma plataforma de aprendizagem adaptativa, que propõe atividades individualizadas a cada estudante. Chamado de Adapti, o sistema oferece acesso a diversas experiências de aprendizado, por meio do conceito de gameficação. Dessa forma, o software contém desde aulas de reforço, até exercícios específicos sobre aspectos nos quais os jovens apresentam dificuldades. “A nota final dos estudantes é composta a partir do desempenho nas atividades propostas pela plataforma e também nas provas tradicionais”, conta Anderson Ceolin Soares, diretor de avaliação educacional do Grupo Anima. Hoje, o Adapti é utilizado por seis mil alunos ingressantes nos cursos de graduação da Unimonte, em Santos, e dos centros universitários Una e UniBH, em Minas Gerais, mas a ideia é ampliar seu uso para todas as instituições do grupo, que totalizam 85 mil alunos. De acordo com Soares, os estudantes que usam a plataforma para estudar e serem avaliados obtêm notas até 35% mais altas se comparados aos outros que ainda não acessam o sistema. Em relação ao papel dos professores no processo, Soares explica que eles são responsáveis por analisar o desempenho dos alunos, com base no trabalho feito na plataforma. “Com o sistema, os docentes não precisam esperar a última prova do bimestre para saber se a classe aprendeu determinado conceito”, conclui.
Provação diversificada |
Para dar conta de medir o desempenho dos alunos em diversos aspectos, uma alternativa é lançar mão de meios diversos de avaliação em conjunto. É o caso do sistema de avaliação da Fundação Getulio Vargas (FGV), onde há três tipos de avaliação. De acordo com Marta Maia, professora da FGV-EAESP, na primeira delas, se diagnosticam os conhecimentos prévios dos alunos, antes mesmo de as aulas começarem, enquanto na segunda se realizam avaliações formativas, durante o andamento do curso. “Oferecemos retornos pontuais e contínuos sobre o desempenho nas disciplinas, algo que agrada aos alunos, pois eles não enxergam essas avaliações como forma de punição e sim como norteadoras do seu progresso”, garante. Segundo Marta, esse sistema é diferente de contar com avaliações somente por meio de provas bimestrais ou semestrais, em que o aluno não tem tempo para corrigir seus erros, pois percebe que não domina determinado assunto somente quando a disciplina acaba. Além disso, a FGV também realiza avaliações somativas, por meio das provas tradicionais, que respondem por 40% da nota final. “Porém, esse peso dos exames na nota tem sido repensado e alguns professores querem diminuir sua importância na composição da média final”, comenta. |
Avaliação docente |
Apesar de ainda basear-se em instrumentos institucionais como fichas e questionários semestrais, a análise do desempenho dos docentes também começa a sofrer mudanças, na medida em que passa a considerar não somente o conhecimento da disciplina, como também a capacidade de trabalho em grupo e as atitudes comportamentais. De acordo com Cristina Nogueira Barelli, coordenadora do curso de pedagogia do Instituto Singularidades – especializado na formação inicial e continuada de professores –, os docentes devem ser analisados considerando a visão dos alunos, dos coordenadores pedagógicos e dos gestores institucionais. Além disso, eles também precisam se autoavaliar de forma constante. “E, da mesma forma que ocorre na sala de aula, os resultados dessa avaliação devem servir como possibilidades de aprimoramento profissional”, opina. |