NOTÍCIA
Blogs da comunidade científica se tornam instrumento de trabalho dos professores de ciências, seja para complementar o conteúdo didático, seja para se manterem atualizados nas novidades da área
Publicado em 12/05/2015
A professora Patrícia Lacouth: curtida em todas as páginas de Facebook para não perder as atualizações dos blogs |
A professora de biologia Patrícia Lacouth, do colégio paulistano Oswaldo Cruz, vive em busca de novidades para apresentar aos seus alunos. Ela acredita que o conteúdo dos livros didáticos pode ser muito bem complementado com informações e funcionalidades disponíveis na internet, como vídeos, jogos e textos. Para encontrar esse material, a educadora faz uma busca diária em blogs especializados em ciências, que são acessados por meio de seu feed de notícias do Facebook. “Curti a página de todos eles para ter um acesso mais prático e assim ficar sempre atualizada. Isso me ajuda a contextualizar um tema que está em alta na internet e é trazido por alguém da turma”, diz.
Os blogs – páginas de atualização rápida que na maior parte das vezes usam uma estrutura narrativa de “diário” – passaram a ser um importante instrumento pedagógico na rotina de pesquisa e preparação de aulas de muitos professores Brasil afora. Dados mostram que os brasileiros são realmente ávidos consumidores desse tipo de conteúdo. Pesquisa de 2014 da ComScore, empresa de análise do mercado digital, indica que os blogs do país estão em segundo lugar no ranking mundial de alcance, ficando atrás apenas do Japão. Já um levantamento da Fapesp realizado em 2013 aponta que o Brasil tinha, no final daquele ano, cerca de 210 blogs de ciência.
Mas por que especialmente os blogs de ciências? “Muitas vezes é difícil ensinar assuntos que são melhor assimilados visualmente, como o processo de fecundação, por exemplo. Com um vídeo encontrado em um site do gênero, no entanto, o aprendizado é enriquecido, e ocorre a partir de uma linguagem inerente ao universo dos jovens”, diz Reginaldo Costa, professor do curso de pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
Para ele, os blogs se revelaram importantes aliados do educador na escolha das práticas que serão trabalhadas ao longo do ano letivo. Em poucas palavras: além de dados e pesquisas atuais, a ferramenta possibilita o acesso a metodologias de ensino disponibilizadas por professores, experiências que demonstram como funcionam fenômenos científicos e demais atividades interessantes que possam complementar o aprendizado. “Acompanhando seus blogueiros preferidos, os professores podem se atualizar não só em relação ao conhecimento, mas principalmente buscando fontes de inspiração para melhorar a sua própria prática”, acredita Reginaldo. Quando se trata do ensino de ciências, essa característica fica ainda mais evidente, ou seja, ao pesquisar em um site o docente pode encontrar complementos decisivos para ensinar temas complexos.
O professor de ciências Danilo Abranches Safi, da Escola Viva (SP), usa essas páginas para procurar e incluir atividades em suas aulas. “Os jogos, por exemplo, têm uma capacidade muito grande de entreter e ensinar. Já levei para a sala algumas opções disponíveis em blogs e obtive um ótimo resultado”, exemplifica. Outro momento bem-sucedido relembrado por ele é a veiculação de um vídeo que continha um experimento sobre gravidade. “Era impossível reproduzir tudo aquilo nos limites físicos da escola, mas achei que seria interessante mostrar como os processos funcionavam. Todos gostaram”, afirma.
Falta de confiabilidade
Os benefícios da pesquisa em páginas especializadas em ciências, porém, esbarram em um problema comum na rede: a falta de confiabilidade de muitas das informações que circulam pelo mundo virtual. Nesse caso, cabe ao professor escolher como fonte de pesquisa endereços administrados por profissionais reconhecidos no setor, como representantes de universidades e de escolas renomadas e pesquisadores com experiência no assunto. “É sempre importante checar a fonte dos dados que serão apresentados aos alunos. Esse processo faz parte do trabalho docente, que sempre teve a função de coletar, analisar e filtrar aquilo que será entregue”, diz Sérgio Ferreira do Amaral, professor do Laboratório de Novas Tecnologias Educacionais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Tatiana Nahas, autora do blog Ciência na Mídia, acredita que o trabalho desempenhado por ela tem justamente esse papel: colocar em evidência boas fontes de informações sobre o assunto e destacar o quanto a divulgação equivocada pode provocar diversos problemas. “Muitas discussões feitas em certos veículos de comunicação são tão rasas que ocasionam contrassensos. É preciso saber escolher bem as fontes de informação”, sugere.
Tatiana Nahas: seu trabalho é selecionar conteúdo confiável na web |
Ao ficar na dúvida sobre a veracidade de um tema, é imprescindível checar o dado em fontes oficiais antes de levá-lo para a sala de aula. “Sempre procuro pesquisar em sites da universidade responsável por determinado estudo ou então em institutos ligados a ciências”, alerta Paulo Cesar Dalmolin, professor de biologia do Colégio Objetivo de Indaiatuba (SP).
Estimular o debate sobre ciências é fundamental, defende Tatiana, do Ciência na Mídia. “Muitas pessoas não compreendem de onde vem o conhecimento que fundamenta as tecnologias das quais usufruímos hoje. Por isso, falar de ciências se justifica por si só.”
Com o intuito de ampliar esse tipo de discussão, a professora Patrícia aproveita os grupos mantidos no Facebook ou por e-mail para compartilhar links interessantes com os alunos. O mais gratificante ao realizar esse procedimento via internet, segundo a educadora, é receber uma resposta imediata de quem assistiu ou gostou. “Geralmente um vídeo leva a outro, bem como os textos, característica que ajuda a expandir o aprendizado”, comenta.
Atividade em sala
Outra forma de usar a ferramenta é criar um blog de ciências como atividade a ser trabalhada em sala de aula. Os alunos podem alimentar o endereço com vídeos de experimentos elaborados por eles mesmos, textos e opiniões sobre temas diversos. Além de incentivar a interatividade, a tarefa passa a ser uma forma concreta de trabalhar o espírito de equipe nos estudantes, já que a ferramenta será coletiva. “Os blogs podem ser usados como um ambiente de autoria, estimulando o relacionamento e uma prática pedagógica mais dinâmica”, ressalta Amaral. Ao adotar esse exercício, porém, ele diz que o docente não pode ter receio de que o aluno se disperse enquanto navega pela web – daí a importância de ressaltar os objetivos da atividade, atribuir responsabilidades à classe e ser um bom moderador do conteúdo.
A partir dessa experiência, o educador pode também criar a sua própria página para divulgar a metodologia desenvolvida em sala de aula. É possível, por exemplo, gravar os encontros e disponibilizá-los junto com slides, produzir vídeos como forma de divulgação de um projeto de pesquisa e estimular a elaboração de conteúdo para a web. “O objetivo é transformar o conhecimento em ciências em um bem público”, ressalta o biólogo Atila Iamarino, autor do blog Rainha Vermelha.
Endereços para acessar |
> Science Blogs scienceblogs.com.br Maior rede de blogs de ciências do mundo, engloba diferentes sites que podem ser excelentes fontes de consulta para os professores. No Brasil, são mais de 40 endereços cadastrados. > Rainha Vermelha Biólogo e doutor em Microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP), Atila desenvolve atualmente estudos relacionados à evolução do vírus HIV. Curioso por natureza, ele adora desbravar a internet em busca de novidades e informações sobre ciências. Sua necessidade “patológica”, como ele mesmo define, de compartilhar essas descobertas foi o que impulsionou a criação do blog, em 2007. A página é uma boa fonte de pesquisa para professores dos ensinos fundamental e médio, um dos objetivos traçados por ele quando decidiu colocá-la no ar. O profissional acredita que os blogs são boas fontes de consulta para os educadores, que devem estar sempre atentos às funcionalidades e à amplitude de informações disponíveis na rede. Atila também dá aula em cursos de formação de educadores e ainda mantém o Nerdologia (www.youtube.com/nerdologia), canal no YouTube com vídeos de divulgação científica que chegam a ter 700 mil visualizações. > Discutindo Ecologia > Ciência na Mídia A bióloga e professora atuava como pesquisadora clínica na área da indústria farmacêutica quando decidiu voltar a trabalhar no setor educacional e na divulgação de seu tema preferido: ciência. Nesse período de correção de rota, Tatiana achou que criar um blog sobre o assunto seria um bom exercício para a nova fase profissional. Assim, em 2008, nasceu o Ciência na Mídia, endereço que ela usa para compartilhar pesquisas, percepções, novidades e trabalhos autorais. O seu público é formado por blogueiros, professores e estudantes que buscam auxílio para concluir atividades escolares. Com especialização em Neurociências e em Divulgação Científica, a autora de 39 anos enxerga na internet um ótimo ambiente para a troca de conhecimento, saberes e opiniões, o que enriquece o aprendizado tanto dos educadores quanto dos alunos. Além de editar o blog, Tatiana ainda participa da administração da versão em português do Research Blogging, site que agrega pesquisas na área. > Física na Veia Quando o professor de física descobriu as funcionalidades dos blogs, logo pensou em criar um. Sua ideia era transformar esse ambiente em uma verdadeira sala de aula virtual para divulgar ideias e discutir o assunto de maneira contextualizada, ou seja, atrelada a fatos. “Queria ultrapassar os limites físicos da escola e atingir o maior número de pessoas possível”, diz. Criada em 2004, a página Física na Veia divulga posts voltados a estudantes e professores que desejam buscar inspiração para enriquecer as suas aulas. Segundo o autor, é comum os educadores mandarem e-mails para perguntar se podem compartilhar os posts com os seus respectivos alunos. A resposta é simples: “Sim, usem e abusem. Passem o link adiante”, afirma. Formado pela Universidade de Campinas (Unicamp), Dulcídio tem 51 anos e já deu aulas para estudantes dos ensinos fundamental, médio e superior. Atualmente, leciona em classes de ensino médio e também em cursos pré-vestibular.
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