Ferramenta portuguesa de empreendedorismo chega ao Brasil focando no teor pedagógico e apostando no combate à evasão no ensino médio
Publicado em 17/06/2015
Unir empreendedorismo ao desenvolvimento de competências socioemocionais por meio de uma plataforma digital que utiliza jogo de desafio, ensino por projeto, vídeo, sistemas de mentoria e sala de aula invertida. Se parece que a DreamShaper utiliza, ao mesmo tempo, conceitos tidos como as grandes tendências da educação atual, essa não era a intenção inicial da plataforma portuguesa que chega ao Brasil com o intuito de incutir o espírito empreendedor nos alunos brasileiros.
Nascida em 2009 a partir da criação da Organização Não Governamental (ONG) Acredita Portugal, a plataforma tem como objetivo capacitar os portugueses a desenvolver seus próprios negócios. Em 2014, os sócios decidiram entrar no mercado brasileiro pelo setor educacional. Transformaram a ONG em empresa e, durante um ano, aprofundaram o teor pedagógico da plataforma.
A adaptação para o Brasil foi feita em parceria com as fundações Lemann e Telefónica, a ONG Parceiros da Educação e o Instituto EDP, da Energias de Portugal S.A. A empresa desenvolveu 80% da parte tecnológica especialmente para o Brasil, mas não divulga o investimento realizado na plataforma brasileira. Segundo a empresa, seis mil alunos utilizaram a plataforma durante a fase piloto do projeto, desenvolvido em 22 escolas brasileiras, nos estados de São Paulo e Minas Gerais.
As metas da DreamShaper para o Brasil são ambiciosas. Segundo o CEO Miguel Queimado, no momento a empresa está em negociação com instituições de ensino de Brasília, Recife e Fortaleza. “Pretendemos conquistar um milhão de usuários brasileiros até 2018, e um milhão de usuários por ano a partir de 2019”, diz Queimado. Além das redes estaduais, a DreamShaper também pretende entrar nas escolas particulares. “Seria muito difícil para uma start-up de educação trabalhar só na área pública. Queremos estar no setor privado, mas a nossa natureza de voluntariado faz com que não possamos deixar de lado o setor público.”
Para Queimado, a concorrência da DreamShaper no Brasil é qualquer recurso tecnológico usado em sala de aula. “As escolas pensam em comprar tecnologia para melhorar e se modernizar. Tudo faz parte do mesmo orçamento. Mas juntando empreendedorismo e competências socioemocionais como na nossa abordagem, não há nada no mercado.”
O caminho do sonho
A plataforma da DreamShaper funciona on-line, como um jogo de desafio. A ferramenta é destinada aos alunos dos ensinos fundamental II, médio, técnico e superior. No Brasil, isso totaliza quase 30 milhões de alunos. Para se ter uma ideia, Portugal inteiro tem 10,46 milhões de habitantes.
O desafio começa pela questão “qual é o seu sonho?”. A partir daí, os alunos são guiados por perguntas para avançar no projeto, que tem como meta final desenvolver um plano de negócio. As respostas são lidas por um algoritmo, que determina a próxima fase. O professor, entretanto, pode bloquear desafios futuros, como forma de controlar o progresso do grupo de acordo com a sua proposta de aula e o nível dos estudantes.
Caso os alunos não respondam corretamente ou tenham dúvidas, podem clicar em vídeos produzidos para explicar conceitos. “Temos um truque pedagógico: nas primeiras três aulas não apresentamos conteúdo – o intuito é motivar a discussão sobre os sonhos dos alunos, fazendo um link entre as disciplinas”, diz Queimado. Os alunos também são recompensados pela frequência com que respondem às questões. O professor apoia e monitora as atividades, que podem durar um ou dois semestres – chegando até a fase de financiamento do plano de negócio.
Se o acesso à internet pode ser um problema em muitas escolas brasileiras, Miguel Queimado garante que a maior parte das atividades são desenvolvidas off-line. Para o CEO, o diferencial da plataforma está no fato de se fazer apenas uma pergunta por tela e levar o aluno para um vídeo curto, de um minuto. “Fizemos testes e métricas para tudo. Percebemos que os alunos preferem ilustrações animadas e não gostam de teoria. Por isso não ensinamos nenhum conceito teórico sem dar alguma atividade prática atrelada.”
Termos como “challenge based learning” (aprendizado baseado em desafios) e “sala de aula invertida” são usados por Queimado para explicar a dinâmica da plataforma, mas ele diz que esse não era o intuito inicial ao desenvolver o projeto pedagógico da ferramenta para o Brasil. “Não foi algo pensado. Primeiro tentamos chegar em uma forma nova de ensinar, com base no que ouvimos dos professores e dos alunos durante a fase piloto. Só depois é que nos explicaram a forma de chamar essas soluções. Nós aprendemos por tentativa e erro”, diz o CEO português.
Segundo dados da empresa, dos professores que aderiram voluntariamente à plataforma no Brasil durante a fase piloto, 40% lecionavam disciplinas que não tinham componentes de projeto, nem estavam diretamente ligadas ao empreendedorismo. Por isso, a empresa aposta no uso da plataforma além do ensino sobre como empreender um negócio. “Empreendedorismo não é só capacitação profissional. Ensinar empreendedorismo pode ajudar a ter persistência, capacidade de resolver problemas, ajudar a fazer o Enem e até a conseguir um bom trabalho.”
Queimado acredita ainda que, ao fazer com que os alunos entrem em contato com suas expectativas para o futuro, a plataforma poderia ser um caminho para combater a evasão no ensino médio. “Não existe um lugar onde todo mundo vai realizar seu sonho. Mas precisa dar uma chance para quem quer tentar. Muitos jovens quando chegam na idade para tomar decisões será tarde. Quanto mais cedo melhor.”
Tablets nas escolas
Em Portugal, a plataforma da DreamShaper é usada para participação em concursos de empreendedorismo promovidos pela Associação Acredita Portugal, que distribui mais de um milhão de euros em prêmios. Num país em que a taxa de desemprego de 2013 atingiu pico de 16,2%, segundo a Base de Dados Portugal Contemporâneo Pordata, a última edição do prêmio, realizada em junho, recebeu 18 mil projetos inscritos. Desses, 30% dos participantes eram desempregados. Dos 17 projetos finalistas, três tinham relação com o setor educacional.
Foto: Miguel Annes
Finalista do InovPortugal: web/mobile, o aplicativo Play4Edu reúne jogos de aprendizagem voltados para crianças de 1 a 7 anos. Segundo os desenvolvedores, os professores Carla Ventura e Francisco Fernandes, ainda são poucas as iniciativas de introdução de tablets nas escolas portuguesas. “Em Portugal a educação é muito séria. As crianças precisam brincar. Por isso quisemos fazer o jogo”, afirmam. Para eles, a brincadeira digital atrai mais as crianças. “Para uma criança dessa idade, a interação é tudo. O caráter lúdico ajuda muito a cativar e a introduzir conceitos que podem ser mais complicados de aprender.” Segundo os desenvolvedores, eles estão em negociação com uma instituição para a distribuição do Play 4 Edu em duas mil escolas portuguesas.
As outras duas iniciativas finalistas dizem respeito ao que parece ser uma outra preocupação do setor educacional português: a relação entre a formação universitária e o mercado de trabalho. Vencedor do Concurso NB Realize o Seu Sonho: Empreendedorismo Social, o Inspiring Future organizou feiras de orientação profissional em 80 escolas de ensino médio em um ano, levando informações sobre o acesso ao ensino superior a 25 mil alunos. A iniciativa tem 61 instituições de ensino superior parceiras e faz a ponte ainda com empresas, que informam o perfil de aluno que o mercado de trabalho procura.
Já o aplicativo PitchZap, finalista do InovPortugal: novas ideias, aposta na ligação entre as empresas de recrutamento de recursos humanos e os universitários. Por meio de um jogo, os alunos pontuam competências para vagas de emprego de empresas do mercado de trabalho que queiram usar a plataforma para contratação. “Em Portugal há áreas em que se formam poucos alunos, e o mercado sente falta desses profissionais. Já em outras áreas, há muita oferta de formados e poucas oportunidades. Queremos ajudar as empresas e os alunos a se destacarem”, afirmam os desenvolvedores Eva Martins e Nelson Figueiredo. O aplicativo ainda está em fase de desenvolvimento de protótipo.
*A jornalista viajou a Portugal a convite da empresa