Instituições de ensino superior são ambientes propícios para a criação de start-ups, mas não basta criar disciplinas de empreendedorismo para viabilizar novos negócios; é preciso esforço e articulação com outros órgãos
por João Marcos Rainho
Todo negócio de sucesso começa com uma ideia aplicável e inovadora. Mas antes de dar origem a uma empresa propriamente dita, essas ideias se materializam como start-ups, termo usado para se referir a empreendimentos de base tecnológica que estão em estágio inicial de operação. Essas novatas estão atraindo capital de investidores, além da atenção de governos e instituições de ensino superior, que querem apoiar e participar do nascimento do próximo Buscapé, por exemplo, empresa originada na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e que no último ano foi vendida por US$ 342 milhões.
Algumas IES estão bem avançadas nesse processo e indo além da oferta de disciplinas que tocam nos temas de gestão, legislação, liderança, marketing, entre outros. Estão ajudando os alunos a tirar as ideias do papel oferecendo desde mentorias com profissionais experientes até rodadas de negócios com potenciais investidores. A Unisinos, uma dessas instituições, criou em 2001 o Polo Tecnológico de São Leopoldo, conhecido como Tecnosinos, para apoiar iniciativas do gênero. Hoje, a estrutura abriga 30 empreendimentos ‘incubados’ (em estágio de estruturação) e 26 start-ups com operação comercial. Juntos, eles geram 5,3 mil empregos diretos.
O modelo de atuação do parque está assentado no tripé universidade, setor público (Prefeitura de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul) e empresas. “Tendo origem ou não na incubadora, as empresas do parque estão em contato permanente com as áreas de educação continuada, graduação, pós-graduação e pesquisa da Unisinos”, orgulha-se Susana Kakuta, ex-diretora da Tecnosinos e hoje presidente do Banco de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (Badesul). “A incubadora ajudou muito na fase inicial. Quando migramos para a Tecnosinos, aproveitamos a infraestrutura da universidade, a mão de obra local e a parceria com as empresas do parque”, atesta Fábio Santini, ex-aluno da universidade e fundador da NetEye, empresa especializada em segurança das informações.
Pela relevância do trabalho realizado, a universidade foi uma das três convidadas pela Intel para participar de um workshop de empreendedorismo (Entrepreneurship Bootcamp) promovido pela Universidade Stanford, no Vale do Silício, onde nasceram grandes empresas de tecnologia como Apple e Google. O evento reuniu empresários, especialistas em computação, investidores e professores ligados a projetos inovadores produzidos em start-ups de todo o mundo.
Viabilização financeira
A parceria com entidades de fomento público e instituições privadas é uma das formas de viabilizar incubadoras e laboratórios de start-ups, explica o professor Ricardo Boeing da Silveira, da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Ele coordena a Incubadora Tecnológica de Empresas da instituição, que começou a funcionar em 2011 com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc). Mais tarde, a incubadora captou R$ 340 mil do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para reestruturação, o que lhe deu fôlego para atender 13 empresas, sendo dez em estágio de incubação e três estabelecidas como start-ups.
Uma delas é a Brastax, desenvolvedora de uma tecnologia sustentável de saneamento – cuja base é a utilização de microalgas – para tratamento de efluentes gerados durante o abate de aves. A empresa, dirigida por Murilo Canova Zeschau, formado em oceanografia pela universidade, foi vencedora do Prêmio Ibero-americano de Inovação, em 2013, e do Prêmio Santander Universidades, em 2012. Esses exemplos de sucesso têm estimulado outros alunos da Univali. “De 40 estudantes, 32 querem abrir um negócio próprio”, calcula Silveira. A percepção do professor coincide com o resultado de uma pesquisa realizada pela Endeavor que apontou que seis em cada 10 universitários têm o desejo de ter sua própria empresa no futuro. O levantamento foi realizado em 2012 com alunos de 46 instituições de ensino superior brasileiras.
Na Estácio não é diferente e para dar vazão aos anseios dos alunos, a instituição criou o Núcleo de Aceleração e Valorização da Estácio (Nave), espécie de incubadora e aceleradora de empresas. O espaço lembra os ambientes de trabalho do Google pela decoração moderna, as áreas de descanso e lazer e a presença de todo tipo de equipamento eletrônico, inclusive impressoras 3D para a realização de protótipos. Os alunos com ideias economicamente viáveis são pré-selecionados pela instituição para participar de workshops com especialistas do mercado, que ensinam técnicas necessárias para todo empreendedor – como montar planos de negócios, prospectar clientes, validar uma ideia. Encerrada essa fase, eles recebem acompanhamento e mentoria até que o negócio ganhe corpo.
Marcelo Goldman é um dos sócios-fundadores do site Acordo Fechado, cujo objetivo é facilitar a realização de acordos entre consumidores e varejistas e diminuir o número de casos que chegam à Justiça. Ele e seus sócios foram selecionados e receberam capacitação intensiva durante quatro meses na Nave para estruturar o negócio. “Recebemos a teoria de que precisávamos para transformar nossa ideia em algo concreto”, conta. Houve um pré-lançamento da plataforma em um evento da própria Estácio e agora os empreendedores se preparam para encerrar a fase de testes e lançar o negócio no mercado.
Para entrar no mercado
Guilherme Junqueira, diretor executivo da Associação Brasileira de Startups, reconhece a importância desse tipo de suporte, mas acredita que as instituições também devem mapear iniciativas externas que ajudem o desenvolvimento de novos negócios e colocá-las ao alcance dos alunos. “As incubadoras têm ajudado a revelar novos talentos, mas o estudante não deve ficar nessa zona de conforto mais de dois ou três anos”, adverte.
Uma dessas iniciativas é o programa Startup Brasil, criado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCTI) e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). O projeto oferece bolsas aos empreendedores e acesso às aceleradoras parceiras, que também investem e dão suporte para desenvolvimento do negócio em troca de participação societária. Um balanço apresentado pelo MCTI indica que 73% das 88 empresas que entraram no programa nas duas rodadas anteriores de seleção já possuem produtos funcionais e 53% já estão faturando. Juntas, as novatas captaram R$ 1,3 milhão em investimento externo até agora e ganharam nove prêmios nacionais e internacionais.
Fontes externas
Já o engenheiro eletrônico Luciano Zoppo, instalado na Tecnosinos, levantou recursos financeiros recorrendo a entidades como o Sebrae e a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec) – desta última, ganhou o Prêmio Nacional de Empreendedorismo Inovador 2012. O aporte financeiro foi importante para Zoppo dar andamento a uma ideia surgida quando ele ainda era estudante e trabalhava na manutenção de simuladores de voo. Percebendo a falta de um produto nacional, vislumbrou uma oportunidade e criou a SBPA Simuladores. A empresa atende o mercado de escolas de aviação, aeroclubes e faculdades de ciências aeronáuticas e fatura R$ 1 milhão por ano. “Desde o primeiro ano da empresa começamos com lucro. Mas sem a incubadora não chegaríamos aonde estamos hoje”, confirma.
Outro recurso é a Lei do Bem, ou Lei da Inovação (Lei 11.196/2005), que prevê incentivos fiscais para pessoas jurídicas que realizem pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica. Para a diretora de Inovação da Estácio, Lindalia Reis, a lei é uma grande oportunidade para o desenvolvimento de novos negócios. “Esse benefício quase não é usado pelas instituições de ensino superior por puro desconhecimento. Fomos a primeira universidade no Brasil a se enquadrar nessa lei”, reforça.
A exposição que a instituição pode propiciar a seus alunos é igualmente válida. Melhor ainda se a própria universidade puder trazer investidores para dentro de suas instalações. Helder Alves, fundador do Radar 77, afirma que a Estácio fez a ponte entre a start-up e um grupo de investidores. O retorno foi tão positivo que o empreendedor e seus sócios se viram na posição de escolher a qual fundo gostariam de se associar. O negócio desenvolvido por eles é uma espécie de rastreador de preços. Mais de 350 vendas já foram feitas pela plataforma, o que gerou mais de R$ 100 mil para os lojistas, números bem diferentes do estágio em que se encontravam antes de receber o apoio da universidade. “Tínhamos feito apenas duas vendas”, reconhece Alves.
Há ainda iniciativas de menor porte, mas não menos importantes. A Brastax venceu um concurso promovido pelo Comitê de Jovens Empreendedores (CJE), da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), e recebeu US$ 12 mil em consultoria, capacitações e mentorias. O projeto concorreu entre mil inscritos de todo o país.
A visão do mercado |
Apesar da variedade de experiências bem-sucedidas, as instituições de ensino superior ainda costumam pecar pelo excesso de teoria quando se propõem a estimular o empreendedorismo. “Falta validar as hipóteses dos alunos no mercado. Não adianta montar um plano de negócios e não ir conversar com os clientes”, aponta Renata Chilvarquer, diretora da área de educação na Endeavor, organização sem fins lucrativos de apoio ao empreendedorismo. Além disso, muitos sequer oferecem conteúdos ligados ao tema, embora um em cada quatro jovens tenha vontade de empreender, como revelou a pesquisa realizada pela organização em IES brasileiras.
Juliana Gazzotti Schneider, gerente da Unidade Cultura Empreendedora do Sebrae-SP, concorda com essa visão. “Incluir um currículo de empreendedorismo é o primeiro passo, mas só isso não basta. É necessário conviver na prática com empreendedores, fazer simulações reais no mercado, e incluir a cultura empreendedora em todas as disciplinas da universidade”, afirma. E essa prática não favorece apenas os alunos que querem montar seu próprio negócio. Heloisa Menezes, diretora técnica do Sebrae, afirma que as competências trabalhadas nessa perspectiva – liderança, responsabilidade social e abertura para inovação, por exemplo – são úteis para o exercício de qualquer profissão e, portanto, importantes de serem trabalhadas por todas as instituições de ensino superior. “Hoje existe a necessidade de não apenas proporcionar conhecimento teórico na universidade, mas ir além disso, encaminhando os alunos para que se tornem bons empregados e bons empreendedores”, atesta Marcelo Pimenta, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e responsável pela curadoria da Campus Party, o maior evento de inovação tecnológica, internet e entretenimento eletrônico do mundo. |
Por: | 13/07/2015