NOTÍCIA
O problema da ecologia não se limita aos aspectos biológicos. É sempre, de modo radical, um problema humano, um problema ético
Publicado em 31/07/2015
Não me refiro ao santo de Assis. Ao padroeiro dos animais. Mas ao Francisco papa. Ao “papa verde” como foi chamado o atual líder da Igreja católica por alguns jornalistas, após ter publicado recentemente uma carta encíclica dedicada à ecologia.
O título da encíclica, porém, é retirado do Cântico das criaturas, de são Francisco de Assis: Laudato si”. São duas palavras do úmbrio, dialeto italiano em que foi composto esse poema no século 13. “Louvado sejas”, cantava o poeta, agradecendo a Deus a existência da água, do vento, do sol, da lua e das estrelas, do fogo e da terra. Uma ecologia de qualidade tem como base a gratidão e o louvor.
Mesmo que não tenhamos uma gratidão explícita ao Criador, é saudável experimentar a natureza como uma dádiva, um presente. E vibrar de alegria. Há lugares no mundo em que as pessoas, na praia, aplaudem o pôr do sol com emoção. É um belo ritual. Um gesto religioso no sentido amplo da palavra.
A casa comum
Cercados de cimento por todos os lados, respirando ar podre, bebendo água contaminada, comendo veneno, apertados em meios de transportes desumanos, muitos de nós, urbanoides, perdemos de vista o céu, estamos insensíveis para com as belezas naturais. E acabamos também contribuindo para a destruição do meio ambiente como poluidores compulsivos, consumidores irresponsáveis, máquinas preocupadas em ganhar dinheiro.
Faz tempo que expulsamos o paraíso de nossas vidas. Especialmente nos últimos cem anos, temos destruído a casa comum em que todos habitamos: o nosso maltratado planeta. Todos somos moradores (por tempo determinado) nesta casa, mas os descuidos foram e são enormes, fazendo do lar um lugar incômodo. A casa está em crise. A crise ecológica está visível em todas as partes. O lixo transborda. Falta água. Milhares de espécies vegetais e animais desaparecem todos os anos. Temos cada vez mais asfalto, vidro, metais, e cada vez menos rios, quintais e jardins. Nossa dívida ecológica aumenta e torna mais insalubre a vida das gerações seguintes.
A casa é comum e a família é uma só. O problema da ecologia não se limita aos aspectos biológicos. É sempre, de modo radical, um problema humano, um problema ético. Os interesses econômicos estimulam o uso irracional dos bens finitos. E é essa irracionalidade que provoca uma situação insustentável, pela qual todos nós pagamos um alto preço.
A aula do papa
Atacar ou descuidar da natureza sempre prejudica o ser humano. Nossa casa sofre e os moradores sofrem nela. Escreve o papa:
Hoje, crentes e não crentes estão de acordo que a terra é, essencialmente, uma herança comum, cujos frutos devem beneficiar a todos.
Embora a humanidade (ou, melhor dizendo, uma pequena parte da humanidade) tenha acumulado muito poder (que se traduz no poder tecnológico e econômico para fazer e desfazer, criar e destruir), não consegue transformar a casa de todos num lugar para todos.
Precisamos de uma ecologia integral, pois tudo está interligado: tecnologia, natureza, agricultura, indústria, emprego, saúde, cultura, distribuição de renda, recursos naturais, política, habitação, transporte, ética e educação.
Ecologia integral significa pensar no fato de estarmos aqui e agora. E pensar com consciência e responsabilidade. O papa pergunta:
Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade tem de nós esta terra? Por isso, já não basta dizer que devemos preocupar-nos com as gerações futuras; exige-se ter consciência de que é a nossa própria dignidade que está em jogo. Somos nós os primeiros interessados em deixar um planeta habitável para a humanidade que nos vai suceder. Trata-se de um drama para nós mesmos, porque isto chama em causa o significado da nossa passagem por esta terra.
Mais do que preocupações imediatas com a natureza, todas legítimas e necessárias, precisamos especialmente cuidar do ser humano. A deterioração ecológica não nasce do acaso. A destruição começa por dentro.
Cuidar é educar
Se educar é, entre outras definições, “trazer para fora”, temos de aprender a trazer para fora (para a vida individual e coletiva) nossas melhores possibilidades. Educar e educar-se quer dizer aperfeiçoar o estilo de vida. Podemos ter um estilo de vida mais humano e menos predador. Um comportamento social mais generoso e menos suicida.
Nas últimas páginas da encíclica, o papa Francisco sugere uma série de atitudes caseiras que, aparentemente tão modestas, têm a ver com a prática de uma autêntica cidadania ecológica:
A educação na responsabilidade ambiental pode incentivar vários comportamentos que têm incidência direta e importante no cuidado do meio ambiente, tais como evitar o uso de plástico e papel, reduzir o consumo de água, diferenciar o lixo, cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer, tratar com desvelo os outros seres vivos, servir-se dos transportes públicos ou partilhar o mesmo veículo com várias pessoas, plantar árvores, apagar as luzes desnecessárias… Tudo isso faz parte de uma criatividade generosa e dignificante, que põe a descoberto o melhor do ser humano.