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Em nome da atenção básica

Cursos de medicina enfrentam o desafio de reduzir a tendência à hiperespecialização e introduzir os alunos à prática desde o início da graduação. CFM questiona qualidade dos novos profissionais

Publicado em 23/11/2015

por Redação Ensino Superior

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Tânia Rêgo/Agência Brasil

Unidade do Programa de Saúde da Família de Parada Angélica, no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense>/font>

por Flávia Siqueira

Um levantamento da consultoria Bloomberg em 2013 feito em 48 países põe o Brasil em último lugar quanto à eficiência dos sistemas de saúde – ou seja, pagamos caro por um atendimento público de baixa qualidade. Como avançar? O atual governo aposta suas fichas no Programa Mais Médicos. De acordo com o MEC, com a política de editais para abertura de cursos de medicina, todas as regiões do país terão pelo menos 1,34 vaga por 10 mil habitantes até 2017 – taxa próxima à da maioria dos países com sistemas de saúde públicos e universais.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) diz que as ações do governo são pautadas muito mais pela quantidade do que pela qualidade. Em nota, Carlos Vital, presidente do CFM, chamou a expansão de cursos promovida pelo governo de “interferência autoritária nos processos de ensino e formação”, prevendo um “ciclo vicioso”: “alunos mal preparados serão médicos e educadores com pouca formação e limitações inaceitáveis”.

O MEC argumenta que o aumento de vagas não é contraditório com a garantia de qualidade. “A seleção de municípios que receberão os novos cursos é feita com base em critérios que combinam a necessidade social (proporção de vagas e médicos por habitante, tamanho da população atendida e distância de outro curso de medicina) e as condições de oferta do curso (critérios referentes à estrutura da rede de saúde local)”, diz nota da assessoria de imprensa da pasta.

O ministério também afirma estar aperfeiçoando os mecanismos de avaliação. A previsão é que todos os cursos de medicina do país sejam avaliados in loco a partir do 2º semestre de 2016. Além disso, todos os estudantes deverão ser avaliados no 2º, no 4º e no 6º ano do curso.

Outro ponto polêmico é se a abertura de cursos no interior do país vai contribuir para fixar médicos nessas regiões. Para o presidente do CFM, trata-se de uma “falácia populista e demagógica”. Segundo o MEC, a experiência é baseada em estudos internacionais e em iniciativas de países como Canadá e Austrália. “A expectativa é de que o ingresso de estudantes da própria região do curso represente até 30% do total, fator relevante de fixação dos egressos nessas localidades”, afirma a assessoria do ministério.

Para Laura Camargo Feuerwerker, professora do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, é importante existir uma ação regulatória para a abertura de cursos de medicina, mas não podemos esperar que o edital sozinho traga uma solução para a falta de médicos. “São necessárias várias ações combinadas”, afirma a professora. Uma das possibilidades é oferecer, além de bolsas de estudo, cotas regionais para o acesso aos cursos: reservar parte das vagas para estudantes que sejam da região. É o chamado Argumento de Inclusão Regional, implantado, por exemplo, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Boa parte da discussão atual em torno da formação profissional e do exercício da medicina não é exclusiva do Brasil. Uma das questões mais debatidas é como incentivar mais profissionais a atuarem na atenção básica, num cenário em que a hiperespecialização se tornou tão atrativa – principalmente devido à alta remuneração. As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina, publicadas em 2014, enfatizam a necessidade de a graduação se voltar à formação do médico generalista, com foco no atendimento às famílias e comunidades.

Laura Feuerwerker diz que é preciso evitar a fragmentação do currículo na graduação e propõe uma “mudança de mão” na forma como os estudantes têm contato com conteúdos de especializações: em vez de simplesmente receberem o conteúdo préselecionado por um professor especialista, partir de casos e dificuldades encontrados na atenção básica para, então, verificar como o conhecimento especializado pode ajudar.

Nesse sentido, Julio Cesar Monte, coordenador do curso de medicina recém-criado pela Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, aponta uma vantagem das novas graduações: a possibilidade de estruturar um currículo “do zero”.

Vivências

Todos os entrevistados destacam a importância de os estudantes terem contato com pacientes e casos reais desde o início da graduação. “Na área de saúde, as experiências são muito marcantes para o aprendizado. É preciso que o aluno vivencie e, então, que discuta, elabore e pense a respeito. A vivência deve ser o centro do processo de aprendizagem”, afirma Laura. E, dentro do universo da prática, há formas de tornar uma vivência ainda mais significativa. O estudante poderá trabalhar melhor vínculo e empatia, por exemplo, se acompanhar o pré-natal completo de uma mulher – em vez de ter contato com grupos “genéricos” de pacientes em cada estágio da gestação.

Por fim, Laura aponta que ainda serão necessários ajustes nas políticas e nos editais do MEC e do Ministério da Saúde. “Estamos começando. Esse é ainda um processo em construção”, diz a professora. “Acredito que será possível reduzir o desequilíbrio, mas essa é uma questão de longo prazo. As próximas gerações é que sentirão algum efeito.”

Autor

Redação Ensino Superior


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