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Gestão

Medicina (quase) em expansão

Instituições questionam critérios utilizados pelo MEC para selecionar mantenedoras autorizadas a oferecer cursos de medicina no âmbito do Programa Mais Médicos

Publicado em 23/11/2015

por Redação Ensino Superior

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© iStockphoto

por Flávia Siqueira

No dia 23 de outubro, o Ministério da Educação (MEC) adiou pela terceira vez a divulgação da lista final de instituições autorizadas a ofertar cursos de medicina nos 36 municípios selecionados em edital ligado ao programa Mais Médicos. A incerteza passou a afetar boa parte das mantenedoras que comemoraram a aprovação inicial em julho, quando o MEC e o Ministério da Saúde fizeram a apresentação das propostas classificadas. Desde então, uma série de ações judiciais impetradas por IES inabilitadas ou que não venceram a concorrência para determinados municípios conseguiu estender o prazo para apresentação de recursos.

Talvez neste momento a lista já seja conhecida. Em nota publicada no dia 23, o MEC apontava o dia 10 de novembro como nova data para a divulgação do resultado da chamada pública e informava que, dessa vez, o adiamento decorria de decisão judicial referente a ação ajuizada pela União de Ensino Superior da Amazônia Ocidental (Unnesa). A instituição, mantenedora da Faculdade Metropolitana – com atuação em Porto Velho –, foi classificada em segundo lugar para o oferecimento do curso em Vilhena (RO). A primeira colocada foi a Associação Educacional de Rondônia, responsável pela Faculdade de Educação e Cultura de Vilhena.

No mês de setembro, em nota semelhante, o MEC havia informado o segundo adiamento, devido a ação ajuizada pela Associação Educativa do Brasil (Soebras), mantenedora das Faculdades Unidas do Norte de Minas (Funorte). A instituição se inscreveu na seleção do MEC como concorrente em cinco municípios: Alagoinhas (BA), Contagem (MG), Eunápolis (BA), Guanambi (BA) e Sete Lagoas (MG). Seu nome aparece entre as propostas desclassificadas pelo MEC na admissibilidade e na habilitação da mantenedora. Trata-se, no edital, do item 5.1.1.1, que define a etapa como eliminatória, “composta de avaliação da capacidade econômico-financeira e da regularidade jurídica e fiscal da mantenedora”.

Thalita Pimentel, diretora acadêmica da Soebras, explica que a instituição pediu o esclarecimento da metodologia utilizada pelos avaliadores do MEC. “A instituição foi inabilitada do processo sem o devido esclarecimento da razão, especialmente no que diz respeito às notas alcançadas por todos os participantes”, afirma a diretora. “A apresentação da metodologia de análise do processo está prevista na legislação vigente. A falta desse esclarecimento, mediante o resultado de desclassificação da instituição, foi o que nos levou a buscar detalhes do processo, principalmente por conhecer sua capacidade favorável à aprovação em todos os aspectos previstos no edital.”

Assim, de acordo com Thalita, o MEC não esclareceu os critérios usados para inabilitar as mantenedoras. “Ele apenas promoveu a desclassificação. Isso, por si só, motivou o juiz a acatar nossos pedidos e conceder a liminar.” Com a ação, o MEC encaminhou à instituição tabelas para que fossem elucidados os critérios de cálculo. Segundo a diretora acadêmica da Soebras, a metodologia usada para avaliar a saúde financeira da mantenedora não foi adequada para aferir a real situação de várias das instituições que participaram da concorrência.

“Os parâmetros exigidos beneficiam empresas com finalidade lucrativa. Os índices adotados são utilizados para análise da vida financeira de empresas de grande porte e, em especial, daquelas de capital aberto”, afirma Thalita. “A Soebras é uma instituição de ensino sem fins lucrativos e de caráter filantrópico, assim como a maior parte das participantes que foram consideradas não habilitadas.” Ainda segundo a instituição, houve equívocos em alguns cálculos de índices financeiros, e a análise não considerou fatores como o ambiente econômico em que a empresa está inserida.

Para a etapa de habilitação das mantenedoras, o MEC procurou a FGV Projetos, unidade de assessoria técnica e pesquisa aplicada da Fundação Getulio Vargas, para desenvolver a metodologia. Ricardo do Valle Dellape, coordenador de projetos da unidade, diz que o objetivo era avaliar se as mantenedoras tinham capacidade econômico-financeira para implantar o curso e mantê-lo até se tornar autossustentável. “Trata-se de um projeto de prazo relativamente longo. Se falhar no meio do caminho, é um problema enorme”, afirma o coordenador. Ele também destaca que o papel da FGV Projetos foi desenvolver a metodologia, e não realizar a avaliação propriamente dita das instituições.

Dellape explica que a metodologia de avaliação prevê três etapas. Na primeira delas, há a avaliação da sustentabilidade econômica atual da instituição, com base em demonstrativos financeiros auditados. Depois, é feita uma análise do plano de negócios do curso de medicina: se consegue obter autossustentação financeira em um prazo de dez anos. Por fim, é avaliado o provável cenário financeiro futuro da mantenedora.

A Soebras e a Unnesa não foram as únicas mantedenedoras a apresentar recursos e acionar a justiça solicitando esclarecimentos a respeito da seleção do MEC. Ainda em julho, por exemplo, o grupo Kroton foi um dos primeiros a contestar a decisão do ministério. As incertezas em torno do processo, contudo, fizeram com que a maior parte das instituições com as quais a reportagem da Ensino Superior entrou em contato se recusasse a falar sobre o tema no momento. Muitas afirmaram que preferem esperar a publicação do resultado final para se pronunciar.

Matérias publicadas em jornais e sites regionais, por outro lado, ajudam a entender melhor o cenário. Basicamente, as IES inabilitadas no processo ou que não obtiveram a primeira colocação demandaram três coisas ao apresentar seus recursos: o esclarecimento da metodologia – como fez a Soebras –, a justificativa para as notas recebidas e o acesso às propostas e avaliações das instituições consideradas vencedoras na primeira lista publicada pelo MEC.

Em muitos municípios, o fato de uma instituição local – muitas vezes com experiência em cursos de saúde – ter sido preterida em prol de IES maiores e de outros estados acirrou ainda mais os ânimos e contestações.

Do outro lado

Se, de um lado, instituições questionam a metodologia e os critérios de avaliação usados pelo MEC, de outro, IES que comemoraram a aprovação na primeira lista precisam equilibrar a espera pelo resultado final e a necessidade de já iniciar os trabalhos para oferecer seus cursos de medicina, caros e de alta complexidade.

“Estamos bem pontuados, mas é preciso aguardar o resultado final”, afirma Inajara Vargas Ramos, reitora da Universidade Feevale, apontada como vencedora para oferecer o curso em Novo Hamburgo (RS). “Por outro lado, não há como ficar esperando para começar a se mexer.” Inajara conta que a IES já está, por exemplo, trabalhando para estruturar as vagas de residência. Caso o resultado se confirme, esse será o primeiro curso de medicina da universidade – que, na área de saúde, já oferece graduação em biomedicina, enfermagem, farmácia, fisioterapia, gestão hospitalar, nutrição e quiropraxia.

O projeto da Feevale começou a ser pensado quando o município de Novo Hamburgo se apresentou, em 2013, como candidato a receber cursos de medicina no primeiro edital para municípios publicado pelo MEC. Segundo a reitora, a ideia é que parte do corpo docente seja formada por professores que já são da universidade. Além disso, a instituição pretende estabelecer parcerias com médicos do município. Quanto ao novo modelo de seleção de cursos de medicina, Inajara afirma que foram necessárias algumas adaptações para a apresentação financeira. “É um processo bem diferente do que se fazia antes.”

Para o reitor do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium (UniSalesiano) de Araçatuba (SP), Luigi Favero, a etapa mais trabalhosa da seleção foi desenvolver a previsão de investimentos ao longo de dez anos, que devem chegar a R$ 32 milhões. Ele conta que, durante o mês de janeiro, a comissão responsável pelo projeto “trabalhou dia e noite”, com a participação de professores de administração e economia.

Favero diz que a ideia de abrir um curso de medicina existe há dez anos no UniSalesiano. Com a nova forma de seleção, a instituição adaptou seu modelo pedagógico. Assim como a Feevale, o UniSalesiano aproveitará parte da estrutura física e do corpo docente dedicados a seus cursos da área de saúde, como biomedicina, enfermagem, farmácia e nutrição. “Não partiremos do zero na abertura do curso de medicina. De qualquer forma, estamos em espera. A esperança é que o governo consiga resolver essa situação”, afirma o reitor.

Questionado se instituições que queiram abrir novos cursos poderão apresentar propostas individuais, o MEC evitou ser taxativo e justificou a política de editais: “o modelo é diretriz definida pela Lei 12.871/2013 para que o Programa Mais Médicos cumpra sua finalidade de promover a reordenação da oferta de cursos de medicina e de vagas para residência médica. São priorizadas regiões de saúde em condições de ofertar campo de prática suficiente e de qualidade para os alunos”.

 

Primeiro edital de chamada de mantenedoras para
autorização de funcionamento de cursos de medicina
•  Publicado em 23 de dezembro de 2014•  Resultado preliminar divulgado em 10 de julho de 2015

•  Aprovou 36 novos cursos (1 por município)

•  Cada curso estará autorizado a oferecer de 50 a 100 vagas, de acordo com decisão do MEC. No total, são 2.290 novas vagas.

•  Para mais informações e editais completos, acesse http://goo.gl/7PsiQV (link encurtado)

 

Além de prova, entrevista
No mesmo dia em que apresentaram a relação de instituições selecionadas para oferecer novos cursos no âmbito do Programa Mais Médicos, o MEC e o Ministério da Saúde anunciaram a criação de 100 vagas para o curso de medicina da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, em São Paulo (SP).Julio Cesar Martins Monte, coordenador do curso, conta que o planejamento começou há cerca de dois anos e meio e o projeto foi submetido ao MEC em 2014. A principal novidade do curso do Einstein está, provavelmente, na seleção dos candidatos.

A primeira fase da seleção é composta por uma prova nos moldes de um vestibular, com 50 questões de múltipla escolha, seis questões analítico-dissertativas e uma redação. Os 240 candidatos com melhor desempenho passam, então, à segunda fase, composta por múltiplas minientrevistas. O objetivo dessa etapa, explica o coordenador, é avaliar competências como postura ética, habilidade para trabalhar em equipe, capacidade de comunicação, resposta a situações de estresse e pensamento crítico.

“Somos a primeira escola médica do Brasil a fazer isso”, afirma Monte. “Não faz sentido admitir o aluno apenas com base em uma prova.” Cada candidato passará por oito entrevistas com tempo controlado diante de dois avaliadores. Os estudantes poderão ser convidados a argumentar em torno de um caso cotidiano e existe, inclusive, a possibilidade de interagirem com um ator para demonstrar como agiriam em uma determinada situação. Esse formato de avaliação está ligado ao conceito de que um bom médico não é formado só a partir de conhecimento técnico, mas de um conjunto de fatores que inclui características pessoais.

A metodologia de ensino aplicada será o Team based learning (TBL) – em português, aprendizado baseado em equipes. Ela prevê o trabalho em grupos de seis a oito alunos e a seguinte sequência de atividades: (1) estudo prévio do material para a aula, (2) avaliação individual e em grupo, antes do início da discussão dos casos e (3) aplicação de conceitos em casos.

 

Autor

Redação Ensino Superior


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