NOTÍCIA
Filme derradeiro de Ettore Scola, um dos últimos grandes cineastas italianos dos tempos de ouro, tem pouca repercussão no Brasil
Publicado em 04/04/2016
Marcado em nossa memória pela exuberância de suas histórias, diretores e atores, o cinema italiano é matéria cada vez mais escassa nas telas brasileiras, estando ultimamente limitado a aparições quase solitárias de nomes de peso como Marco Bellochio (Vincere, 2009, Bom dia, noite, 2003) e Nanni Moretti (Minha mãe, 2015, Habemus Papam, 2011). Em meio a essa reduzida oferta, teve pouca repercussão por aqui o filme derradeiro de Ettore Scola, um dos últimos grandes cineastas italianos dos tempos de ouro, o singelo Que estranho chamar-se Federico (2013), homenagem àquele que talvez seja o maior símbolo dessa cinematografia, Federico Fellini.
Em janeiro deste ano, Scola legou, em seu último ato, um filme memorialístico em que mescla o uso do arquivo cinematográfico a recriações de sua experiência em Roma, de seu contato com Fellini e de uma certa atmosfera que perpassou a obra do homenageado.
Reverencia, em primeiro plano, o jornal satírico Marc´Aurelio, porta de entrada de ambos na vida artística da capital com uma diferença de uma década e meia, recriando impagáveis reuniões de pauta em que são testadas as histórias e desenhos a serem publicados.
Recorrendo a pedaços de filmes e locações utilizados na obra do autor de Roma (1972), Scola vai, pouco a pouco, construindo não só o seu desenho do personagem Federico, mas também as diferenças e convergências que os uniam. No aspecto diferenças, elas são bem sintetizadas num diálogo em que, todos presentes, a mãe de Marcello Mastroianni, rosto frequente na obra de ambos, pergunta a Scola o motivo pelo qual o filho está sempre tão bonito nos filmes de Fellini, enquanto nos seus costuma aparecer dilacerado pela vida. Um indício claro do olhar de cada um sobre o mundo. Ainda que a obra de Scola sobre Fellini nos faça sorrir, o faz com a atmosfera de fim de festa do felliniano E la nave va (1983).
Diretor de 42 filmes desde o inaugural Se permettete parliamo di donne (1964) até o filme sobre Fellini, Scola deixa algumas das obras mais marcantes do cinema italiano, entre as quais se destacam:
Nós que nos amávamos tanto (1974)
Um dos grandes momentos do cinema político italiano dos anos 70. O filme mostra a relação de três amigos que se conhecem no final da guerra e compartilham seus sonhos e ilusões. Em meio a uma Itália dilacerada, imersa na pobreza, vão se defrontando com os amargores da vida em diversos planos, do político ao amoroso.
Feios, sujos e malvados (1976)
Talvez a obra que mais tenha marcado a carreira de Scola. Mostra com tom hiper-realista a brutalidade, a crueza e a miséria humana em um cortiço italiano. Ali, vale tudo pela sobrevivência. Exagero emoldurado por um preto e branco que dá tom pictórico ao filme, ancorado ainda na grande coordenação dos diversos personagens que passeiam pela tela.
Um dia muito especial (1977)
Em 1938, Adolf Hitler e Benito Mussolini se encontram para selar a aliança entre nazismo e fascismo. Casada com um machista e fascista, a subjugada Antonietta (Sophia Loren) trava contato, longe do encontro dos líderes, com seu vizinho, o radialista homossexual Gabriele (Marcelo Mastroianni), descobrindo sentimentos em comum.
O baile (1983)
Sem diálogos, o filme constrói a narrativa de cinco décadas do século 20 por meio de um salão de dança e sua trilha musical, refletindo os grandes fatos dos anos 30 aos 70: a Frente Popular espanhola, a ocupação nazista na França, a libertação de Paris, a vinda das novas culturas do pós-guerra, o movimento dos jovens em 1968.
Splendor (1989)
Novamente Mastroianni no centro da cena, agora como Jordan, proprietário de um cinema herdado do pai numa pequena cidade italiana. Símbolo dos bons tempos de sua vida, a sala agora é fonte de prejuízos, enquanto comerciantes o assediam para dar-lhe outra destinação. Uma espécie de Cinema Paradiso (1988, de Giuseppe Tornatore) com a assinatura de Scola.