NOTÍCIA
Quando bem planejadas, atividades lúdicas em disciplinas tradicionais podem ir além da função de passatempo e ensinar conteúdos específicos e lições de convivência
Publicado em 10/05/2016
Alunos do Stance Dual School, na cidade de São Paulo, utilizam espaço de jogos durante o intervalo |
Entrar na sala de aula, sentar-se em fileiras, copiar o que é escrito na lousa em um caderno, levantar da carteira somente na hora do intervalo ou durante as pausas para ir ao banheiro. Essa rotina pode acontecer, no mínimo, durante cinco horas do dia de um estudante na escola. Mas, fora dela, a realidade é outra. Celulares, tablets e jogos dos mais variados estão à mão dos alunos cada vez mais cedo e a qualquer momento. As práticas lúdicas, na maioria das vezes, têm espaço apenas fora das salas de aula. E, para muitos especialistas, esse é um dos fatores que tornam a escola cada vez menos atrativa aos jovens, levando à falta de interesse, à indisciplina e até mesmo à evasão.
Pensando em reverter esse cenário, algumas instituições estão apostando em ferramentas de ensino capazes de prender a atenção dos estudantes. Os jogos, quando bem elaborados e utilizados, são uma boa opção para isso: fazem os alunos participarem mais das aulas, interagir entre si e favorecem aqueles que têm dificuldade de entender conteúdos passados da forma tradicional.
No Stance Dual School, em São Paulo, os jogos fazem parte do currículo escolar. Aulas de games e de xadrez são inseridas nas disciplinas de língua estrangeira (inglês) e de língua portuguesa. Às quintas-feiras à tarde, por exemplo, a aula de matemática em inglês de uma turma do 6º ano da instituição é assistida pelos cerca de 20 alunos sentados em duplas, um de frente para o outro, com tabuleiros em cima das mesas. No quadro-branco são escritas apenas instruções de como jogar “Avançando com o resto”, usado para ensinar o conceito de divisão inexata de números naturais.
“Os alunos não percebem que estão aprendendo o conteúdo e estudando de uma forma diferente. Mesmo usando um jogo que tem muito cálculo, quando chega ao final da aula, eles vão falar ””só brincamos o dia inteiro”””, conta Vera Lessa, professora de matemática em inglês da turma mencionada.
Segundo os educadores, as experiências trazem mudanças imediatas na forma de aprendizado e de contato com o conteúdo. “Quando os alunos fazem contas jogando, o professor não precisa falar se o resultado está certo ou errado. O outro colega é quem controla isso”, aponta Sarah Oatney-Weiler, assistente de direção do Stance Dual.
Em busca de uma prática pedagógica que fugisse do trivial, Willians Freire Pires, professor de matemática na Escola
Estadual Professor Francisco Balduino de Souza, no município de Quatá (SP), apostou nos jogos para ensinar conceitos da disciplina. Ele, que também é coordenador da instituição onde trabalha, estudou como fazer a adaptação de um jogo de cartas para o ensino em sala de aula durante o mestrado na Universidade Estadual Paulista (Unesp).
“A maioria dos jogos educativos [de cartas] que encontrei nos livros, ou se perdiam no lúdico ou nas regras em excesso. Então fica mais difícil de trabalhar”, conta o pesquisador, que escolheu adaptar o jogo de escopa para ensinar como é feita a soma de números inteiros, números opostos e elementos neutros. “Tentei escolher um jogo que não privilegiasse aquele que já é bom em matemática”, explica.
O professor aplicou o jogo de escopa a alunos do 7º ano do ensino fundamental da escola que coordena e notou que, além de ensinar, a atividade tinha a capacidade de envolver os estudantes que, nas aulas tradicionais, não eram participativos. “Esses alunos costumam ter mais afinidade com os jogos. Tivemos até o caso de uma estudante com deficiência intelectual que conseguiu participar da atividade”, conta.
Nas salas de aula do Stance Dual, o xadrez é ensinado desde a educação infantil. Assim, nos primeiros anos do ensino fundamental, os alunos já participam com naturalidade de competições promovidas por colégios da capital paulista. “Nosso trabalho aqui na escola é aproximar as crianças dos jogos e da competição para que não tenham medo”, conta Sandra Guidi, professora de xadrez no colégio.
Tabuleiro em cima da mesa é material essencial na aula de matemática em inglês para estudantes do 6º ano |
Segundo a docente, o movimento acaba trabalhando a dificuldade de perder de alguns estudantes. Ela conta que esse tipo de aluno, por vezes, afasta-se das atividades coletivas e, por isso, precisa ter a autoestima e a autoconfiança estimuladas.
Mestre em análise do comportamento, a psicóloga Izadora Perkoski explica que competitividade não é, em si, algo negativo, e é um fator natural para as crianças. Porém, deve ser trabalhada com cuidado pelos professores. “É preciso separar a competição saudável daquela que causa respostas emocionais muito intensas”, diz, destacando ser positivo o trabalho com jogos na educação com os alunos desde muito cedo.
Atento a essas questões, Pires, professor da escola em Quatá, estudou sobre a necessidade de controlar o envolvimento emocional dos estudantes com os jogos propostos em sala de aula. “Proponho uma ordem de coisas, para que a competitividade exista só em uma etapa da atividade. Além de ensinar, os jogos trabalhados devem ter um momento só lúdico e outro mais competitivo”, pondera.
Segundo Izadora, uma grande queixa da maioria das pessoas que têm contato com jogos educativos é de que eles são chatos. Em seu mestrado na Universidade Estadual de Londrina (UEL), a psicóloga desenvolveu um jogo sobre bullying escolar e pesquisou como avaliar a efetividade dessas ferramentas de ensino.
A forma que encontrou para medir o impacto dos jogos educativos nos estudantes foi focar o processo de interação, e não o que as crianças dizem ao serem questionadas após jogar. “Fizemos uma avaliação empírica do jogo e vimos como o comportamento da criança muda enquanto joga.”
A pesquisadora percebeu então que, para que um jogo de fato ensine, é preciso que as crianças tenham predisposição e que o conteúdo educativo seja essencial, não apenas parte da atividade. “Um bom jogo de matemática, por exemplo, é aquele que não se joga sem fazer as contas. Não se pode quebrar a diversão para fazer ””a parte chata”””, diz.
Há quem acredite que jogos educativos digitais e on-line sejam mais atraentes para os jovens e as crianças. O portal Ludo Educativo foi desenvolvido para cativar esse público, a partir do projeto de difusão do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), ligado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Nele, há jogos que ensinam sobre todas as áreas do conhecimento, para alunos em todas as etapas de aprendizagem.
“O interesse surgiu há quatro anos, quando observamos que a criançada estava jogando muito, mas que 99% das vezes jogavam games de guerra. Pensamos em redirecionar a energia delas para jogos com os quais, além de brincar, aprendessem”, conta Elson Longo, pesquisador da Unesp e coordenador do projeto.
Sejam on-line ou à moda antiga, os jogos aplicados à educação têm a capacidade de engajar os alunos e tornar os conteúdos mais acessíveis a eles. Porém, devem ser usados com propósito. “Tem de ser preparado, assim como a aula, e tem de estar inserido no seu contexto. Do contrário, faz o professor perder o tempo precioso que tem para ensinar”, ressalta Pires.
Jogo de escopa |
O que precisa: um baralho com 40 cartas (retirados os oitos, noves e dez de todos os naipes)
Conceitos trabalhados: soma, lógica e estratégia Como jogar: o objetivo de cada jogador é fazer o maior número de vazas (quando uma carta que se tem em mãos soma 15 pontos junto a uma ou mais cartas da mesa) e escopas (quando a carta descartada, junto a todas as cartas da mesa, soma 15 pontos). A Dama, o Valete e o Rei equivalem a 8, 9 e 10, respectivamente, e o Ás equivale a 1. |
Avançando com o resto |
O que precisa: um tabuleiro, dois pinos e dois dados
Conceitos trabalhados: divisão inexata na matemática Como jogar: no jogo, os participantes devem dividir o número da casa em que seu pino está pelo número tirado no dado e avançar com o resto da divisão. O objetivo é chegar primeiro ao outro lado do tabuleiro. |
Xadrez |
O que precisa: tabuleiro quadriculado (8×8) e 32 peças
Conceitos trabalhados: lógica, estratégia, coordenadas e estimativa Como jogar: há diversos tipos de peças no tabuleiro (Rei, Dama, Torre, Bispo, Cavalo e Peão). Cada uma dessas se movimenta de acordo com uma regra. O objetivo é realizar o xeque-mate no rei adversário, quando a peça não pode mais ser movida de nenhuma forma. |