NOTÍCIA
Além de problemas estruturais, imagem negativa do ambiente afasta o público
Publicado em 22/07/2016
Espaços democráticos de acesso à informação e à cultura, as bibliotecas públicas são locais para construir e trocar conhecimento sem ter que pagar por isso. Contudo, dificuldades estruturais aliadas à imagem de um espaço desatualizado são barreiras para a atração do público.
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro em 2015, 66% dos brasileiros não frequentam bibliotecas, e outros 14% visitam o local raramente. Para Dalgiza Oliveira, professora de biblioteconomia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), uma das explicações para a impopularidade dos centros de informação, em especial os públicos, é a falta de visibilidade. “A própria comunidade do entorno não conhece as possibilidades que o espaço oferece”, diz a docente.
Um passo essencial para levar a população a esses espaços é tirá-los da envoltura de alguns rótulos, como o de local desatualizado. A constatação é da pesquisadora e youtuber Gabriela Pedrão que, por meio de seu canal de resenhas literárias intitulado É o último, juro, comenta sobre a importância dos centros de informação como lugares a serem acessíveis a todos. A bibliotecária formada na USP observa que é necessário inovar em estratégias. “Há muito desinteresse em reformar a imagem das bibliotecas. Existe uma dose de acomodação dos administradores em vez de repensar, fazer interferências e criar”, diz.
Já Aline Tavella, bibliotecária do Céu Vila Rubi, na cidade de São Paulo, considera que um dos maiores problemas para atingir e cativar os leitores é a falta de diálogo entre o poder público e os funcionários antes da compra de novos títulos. Ela explica que os livros são adquiridos em grandes quantidades, e isso faz com que as mesmas obras sejam direcionadas a bibliotecas com públicos-alvo distintos. “Não adianta uma política de aproximação com o público, se na hora que a pessoa chega no espaço não tem o livro atual que ela quer”, explica.
Segundo Waltemir Nalles, coordenador do Sistema Municipal de Bibliotecas de São Paulo, a rede é composta por 52 centros de informação, “então é natural que vários espaços de leitura recebam os mesmos títulos”. O coordenador afirma, porém, que existe uma política em elaboração para o desenvolvimento de coleções voltadas às necessidades de cada local, priorizando a diversidade de livros e o pluralismo cultural.
Bibliotecários
Para alguns especialistas, parte das mudanças desse quadro pode ser feita por meio do trabalho dos próprios bibliotecários. Afinal, esses profissionais lidam diariamente com as preferências dos leitores e são responsáveis diretos por desenvolver ações que façam das bibliotecas uma extensão das comunidades onde estão inseridas. “Os bibliotecários têm papel fundamental nesse processo, levando e trazendo demandas de atuação e de políticas culturais para o setor”, diz o coordenador Nalles.
Porém, a responsabilização dos profissionais deve ser acompanhada de uma análise da formação para a atuação na área. Segundo estudantes de biblioteconomia, as bibliotecas públicas enfrentam problemas de visibilidade desde as abordagens na universidade, onde o curso de graduação é ministrado sem que haja uma disciplina exclusiva para tratar dos centros não-privados.
Um consenso entre profissionais e alunos da área é o fato de que o assunto é abordado diversas vezes em aula, porém sem exclusividade. Reverter esse quadro seria importante tanto para o futuro bibliotecário quanto para o valor dado às bibliotecas públicas. “Acho que deveríamos ter aulas específicas também para formar mais estudiosos do tema, uma vez que existe uma escassez de literatura sobre isso”, afirma Thaline Andressa, estudante da Universidade de Brasília (UnB).
Desafios e boas práticas
Mais do que voltadas para o empréstimo de livros, as bibliotecas funcionam também como espaços culturais, onde são realizadas atividades como oficinas e projetos para integrar os leitores ao espaço. A biblioteca Casa de Leitura Dirce Côrtes Riedel, no Rio de Janeiro, por exemplo, promove eventos de lançamentos de livros com a presença de autores, exibições de filmes, mini-cursos, entre outros programas, segundo a estudante de biblioteconomia Samantha Duarte, que trabalha no local.
No Céu onde Aline Tavella trabalha, na capital paulista, a equipe responsável pela biblioteca busca mantê-la sempre em sintonia com seus usuários. Atividades como a rede de leitura — nas quais crianças mais velhas leem as obras para aquelas que ainda não decifram as palavras — são organizadas em conjunto com os professores das turmas e ajudam a integrar a biblioteca e a escola.
Já nas bibliotecas escolares, as atividades pedagógicas e culturais elaboradas pelos bibliotecários ou funcionários da sala de leitura podem ser organizadas junto aos professores de cada turma: “Afinal, o bibliotecário não está sozinho na biblioteca, nem o professor está sozinho na escola”, pontua Aline.
Um exemplo de parcerias possíveis a despeito da pouca importância dada aos espaços públicos de leitura e pesquisa ocorre na Escola Estadual Graciliano Ramos, em Alagoas. Lá, não há bibliotecário e nem uma biblioteca propriamente, mas a professora de língua portuguesa Pollyanne Lafayette organizou um grupo de voluntários que tornou possível a construção de uma sala de leitura.
Um acervo de sete mil livros foi catalogado do zero, outros mil exemplares foram arrecadados pelos alunos e as obras desatualizadas foram doadas. Foi criado também um painel onde os estudantes recomendam leituras de livros que gostaram. Algumas obras chegam a ter fila de espera para serem emprestadas. “O desejo é que, dando continuidade na caminhada leitora, esses alunos aprofundem o conhecimento e se tornem leitores atentos, tanto de livros e de tudo que está ao seu redor”, afirma Pollyanne.