NOTÍCIA

Edição 271

Um garimpo da cultura universitária

Editoras de IES particulares não chegam a 30% desse mercado, mas cumprem um papel importante. Estruturadas, podem alcançar a própria sustentabilidade

Publicado em 05/12/2022

por Sandra Seabra Moreira

Foto 2 - Equipe Unaspress Equipe da Unaspress exibe livros em evento (Foto: Divulgação/Unaspress)

Do universo de 127 editoras universitárias filiadas à Associação Brasileira de Editoras Universitárias (ABEU), 23,68% são de universidades privadas. No front, cumprindo a tarefa de disseminação do conhecimento, dão tratamento editorial a obras de acesso aberto e comercializam títulos. Elas provavelmente participaram de maneira modesta mas efetiva de um mercado que este ano teve um saldo positivo. No primeiro semestre de 2022, foram vendidos 31 milhões de novos livros, dois milhões a mais do que em 2021, segundo dados do Sindicato Nacional de Editores de Livros.

Equipe da Unaspress exibe livros em evento (Foto: Divulgação/Unaspress)

Pesquisa da ABEU, do ano passado, aponta o crescimento da publicação do livro digital. Tiragens menores acabam substituídas pela opção digital, o livro impresso ganha tiragens maiores, mas sempre acompanhadas pelo oferecimento de e-books. A impressão sob encomenda também começa a ter lugar nas estratégias das editoras. 

“Muitas vezes, a Unesp foi conhecida antes por ser uma editora e depois por ser uma universidade”, disse, numa palestra, o professor José Castilho Marques Neto, fundador da editora Unesp, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Quem tem essa frase na lembrança é Rodrigo Follis, editor-chefe da Unaspress, editora da Universidade Adventista de São Paulo (UNASP). Ele acredita que esse setor contribui muito com a universidade quando consegue colocar o conhecimento produzido à disposição da sociedade, no momento em que o populariza.

Faturamento e receita

Uma editora bem sucedida faz um trabalho de divulgação científica que “não é só pegar dissertação de mestrado e tese de doutorado e publicar. É transformar esse conteúdo em livros que serão lidos, citados, referenciados”. Por meio do trabalho editorial é possível expor a seriedade do ensino e da pesquisa da instituição. A rede adventista tem a Casa Publicadora há mais de um século. Não era uma editora universitária, mas já publicava títulos acadêmicos, conta Follis. A Unaspress existe há vinte anos. Atualmente, publica de 30 a 40 livros por ano. 

É fato que nos momentos de crise, qualquer faturamento contribui, mas na realidade das editoras universitárias brasileiras, o faturamento não contribui diretamente para a receita da IES. Normalmente, é ao contrário. Ainda assim, diz Follis, uma gestão consciente provê a sustentabilidade, por meio das vendas, editais públicos, modelos mistos de negócios:

“Aqui vivemos no azul por causa desse mix. Tem livro que eu faço em parceria com outra editora, que pode ser pública. Livro em parceria com a residência pedagógica do MEC, outra com a ONU. Já atuamos com livros para instituições públicas, privadas, empresas”, detalha.

Assim, ele conclui, uma editora que consegue se bancar pode até não contribuir com a receita da universidade, mas com o marketing, sim. E com o não endividamento. Um livro não tem uma variedade de perfis de leitores. Mas uma editora é desejável que tenha.

“Precisamos ter diversos públicos: leigos, de iniciação científica, público mais avançado, de mestrados e doutorados, os pesquisadores. Uma boa editora universitária fala com todos esses públicos. Obviamente que quando conseguimos o leitor mais popular e uma tiragem maior, isso nos ajuda, e conseguimos patrocinar um livro que a tiragem será muito menor porque é para um público específico. Temos de ter esse tipo de visão”.

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A média de tiragem dos livros impressos é de 200 a 500 exemplares. Follis diz que há livros que, se impressos, a tiragem seria tão baixa que é melhor publicar na versão e-book. Outros, com menos potencial ainda, são publicados em PDF: “É um material específico, mas importantíssimo para fazer avançar o conhecimento”. Há títulos que podem atingir até quatro mil exemplares. Follis exemplifica: “Um livro comemorativo, sobre a história da educação adventista no Brasil, em parceria com a rede educacional adventista. Ele é acadêmico, pontua nos programas, mas há uma população geral interessada”. 

Parcerias com as distribuidoras e livrarias são fundamentais: “Se o livro não está circulando, perdeu seu objetivo social”, diz. Para ele, os livros precisam estar em todos os lugares: marketplaces, livrarias universitárias e comerciais, físicas e digitais, via e-commerce.

Foco na produção dos docentes

A Educ, editora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), foi criada em 1974, cinco anos depois da universidade passar por uma mudança acadêmica e administrativa que implantou a pós-graduação e o ciclo básico, com disciplinas comuns aos cursos de graduação. “Com a criação da pós-graduação e o surgimento de teses, dissertações e pesquisas de professores, a característica da IES muda, vem a necessidade de difundir o saber que é produzido. O mesmo em relação ao ciclo básico, porque os professores começam a produzir materiais para serem usados nesse ciclo”, conta Thiago Pacheco, diretor da Educ. São necessidades que permaneceram como tarefa principal da editora nesses quase 50 anos. São publicados de 20 a 25 títulos por ano.

Equipe da Educ (Foto: Thais Polato/ACI PUC-SP)

“A Educ reforça a imagem da PUC como uma instituição de excelência acadêmica, que tem a preocupação de produzir conhecimento; não é só uma instituição de ensino, de reprodução do conhecimento, mas se preocupa em ter pesquisa, em produzir saber novo, e passá-lo também por meio do ensino”. Cinco pessoas compõem a equipe: o diretor, o responsável pela administração e vendas – faz contato com a distribuidora e com outras livrarias, pois não há venda direta – dois profissionais de editoração, e uma voltada para a área editorial, para a preparação dos originais. A Educ fica no campus-sede da PUC, o Monte Alegre, em Perdizes, São Paulo. O Conselho editorial tem 10 pessoas.

Pacheco menciona a preocupação da Educ com a extensão, prestação de serviço para a sociedade e responsabilidade social. Como exemplo, cita a série Autorias Negras, lançada no ano passado e que já publicou dois títulos: Raça e gênero e Permanência e pós-permanência de jovens negras e negros no ensino superior – caminhos para equidade étnico-racial. A série é organizada e escrita por professores da PUC.

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Pacheco lembra que, na história recente do país, houve o aumento da população negra na graduação e pós e, agora, há o retorno à universidade para compor o corpo docente. “Se pensarmos nesse movimento, é natural que tenha uma produção represada desses pesquisadores. A ideia é abrir espaço não só para a temática, mas para os autores negros e negras. Eles produzem conhecimento que precisa ser difundido”. 

O público da Educ é o leitor em geral. “Como a ideia é difundir o conhecimento, temos que ter uma linguagem que não pode ser dura, acadêmica, para levar conhecimento a um público mais amplo, na medida do possível. Claro que cada área tem suas especificidades, termos próprios e linguagens, mas há esse cuidado editorial para ir além do campo acadêmico”, detalha. Um clássico da Educ, que já atingiu várias edições e reimpressões, é Psicologia – uma nova introdução, de Luís Claudio M. Figueiredo e Pedro Luiz Ribeiro de Santi. Um novo lote de livros está para chegar. O motivo do sucesso:

“É utilizado nos cursos da PUC e de outras instituições, tem linguagem acessível, é para o público de alunos”. A média de tiragem inicial é de 300 exemplares. Hoje em dia, todos os lançamentos impressos têm a versão e-book. Assim, o padrão é o livro impresso e o e-book pagos. “Mas há situações com as quais conseguimos trabalhar melhor, como a impressão sob demanda, que começamos esse ano, de PDFs gratuitos”.

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Os PDFs oferecidos gratuitamente no site da editora podem ser baixados ou ter a impressão requisitada. Os conteúdos gratuitos são resultantes do programa de incentivo à pesquisa (Pipeq), da própria mantenedora. Os autores podem publicar por meio de outras editoras, mas, sendo pela Educ, garantem a gratuidade ao leitor e a maior difusão. Contador de downloads de PDFs gratuitos informam mensalmente, por título, e auxiliam nas estratégias. 

Os originais que chegam à Educ passam pelo crivo do diretor, de um parecerista de outra instituição e, por fim, pelo conselho editorial. A editora está com nova política desde setembro, cada vez mais focada na produção docente da PUC. Eventualmente, as traduções de autores estrangeiros são bem-vindas: “A tradução também é um trabalho docente”, lembra Pacheco. A Educ não trabalha com editais públicos. Pacheco menciona a descentralidade e a incompatibilidade deles com as obras da Educ. Por outro lado, a chegada de um novo governo, com um olhar mais apurado para o ensino superior, pode trazer novidades.

A matéria faz parte da edição 271 (novembro/dezembro-2022) da Revista Ensino Superior. Assine.

Autor

Sandra Seabra Moreira


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